terça-feira, 12 de agosto de 2025

Transformação de coordenadas nas equações do electromagnetismo

 Na posta enlinha Uma visão alternativa da transformação que deixa invariante as equações do electromagnetismo considerei as equações electromagnéticas em termos do produto exterior de um operador diferencial por duas formas relacionadas entre si para analisar a transformação linear que as deixa invariante. Esses produtos exteriores, por seu turno, correspondem às derivadas exteriores das formas referidas. No texto Os operadores diferenciais associados à derivada exterior em coordenadas generalizadas apresentei o modo como essas equações se transformam consoante a transformação de coordenadas, o que desenvolverei aqui.

As equações do electromagnetismo escrevem-se como

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial F_{12}}{\partial x^3}-\frac{\partial F_{13}}{\partial x^2}+\frac{\partial F_{23}}{\partial x^1}=0\\ \frac{F_{12}}{\partial x^4}-\frac{\partial F_{14}}{\partial x^2}+\frac{\partial F_{24}}{\partial x^1}=0\\ \frac{F_{13}}{\partial x^4}-\frac{\partial F_{14}}{\partial x^3}+\frac{\partial F_{34}}{\partial x^1}=0\\ \frac{F_{23}}{\partial x^4}-\frac{\partial F_{24}}{\partial x^3}+\frac{\partial F_{34}}{\partial x^2}=0\\ \frac{G^{12}}{\partial x^3}-\frac{\partial G^{13}}{\partial x^2}+\frac{\partial G^{14}}{\partial x^1}=\rho=-J^4\\ \frac{G^{12}}{\partial x^4}-\frac{\partial G^{14}}{\partial x^2}+\frac{\partial G^{24}}{\partial x^1}=-J^3\\ \frac{G^{13}}{\partial x^4}-\frac{\partial G^{14}}{\partial x^3}+\frac{\partial G^{34}}{\partial x^1}=-J^2\\ \frac{G^{23}}{\partial x^4}-\frac{\partial G^{24}}{\partial x^3}+\frac{\partial G^{34}}{\partial x^2}=-J^1\end{array}\right.\]

em que \(x^1\), \(x^2\) e \(x^3\) são as coordenadas rectangulares espaciais e \(x^4\) é o tempo \(t\) e

\[G^\alpha=\sum_{\beta\in I_2(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace)}{A^{\alpha\beta} F_\beta}\] 

Em termos dos campos eléctrico e magnético, tem-se

\[\left\lbrace\begin{array}{llllll}F_{12}=B^3 & F_{13}=-B^2 & F_{23}=B^1 & F_{14}=E^1 & F_{24}=E^2 & F_{34}=E^3\\ G^{12}=D^3 & G^{13}=-D^2 & G^{23}=D^1 & G^{14}=-H^1 & G^{24}=H^2 & G^{34}=-H^3 \end{array}\right.\]

Com efeito, a substituição no sistema de equações diferenciais conduz às conhecidas equações. Sejam as transformações de coordenadas definidas por

\[dx^i=\sum_{j=1}^4{p_j^i d\theta^j}\]

 em que

\[p^i_j=\frac{\partial\ x^i}{\partial\theta^j}\]

Os coeficientes da transformação inversa são dados por

\[q^i_j=\frac{\partial \theta^i}{\partial x^j}\]

Dado que os \(F_{\left\lbrace i,j\right\rbrace}\) são componentes de uma \(2-\)forma, então transformam-se como

\[F'_{\left\lbrace i,j\right\rbrace}=\sum_{\alpha\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace\right)}{p_{\left\lbrace i,j\right\rbrace}^\alpha F_\alpha}\]

em que

\[p_{\left\lbrace i,j\right\rbrace}^{\left\lbrace k,l\right\rbrace}=\left\vert\begin{array}{cc}p_i^k & p_i^l\\ p_j^k & p_j^l\end{array}\right\vert\]

Do mesmo modo,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}G'^\alpha=\sum_{\beta\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace\right)}{p^\alpha_\beta G^\beta}\\ A'^{\alpha\beta}=\sum_{\gamma,\eta\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace\right)}{q_\gamma^\alpha q_\eta^\beta A^{\gamma\eta}}\\ J' ^i=\sum_{j=1}^4{q_j^iJ^j}\end{array}\right.\]

e as equações diferenciais irão admitir a forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial F'_{12}}{\partial  \theta^3}-\frac{\partial F'_{13}}{\partial \theta^2}+\frac{\partial F'_{23}}{\partial \theta^1}=0\\ \frac{F'_{12}}{\partial \theta^4}-\frac{\partial F'_{14}}{\partial \theta^2}+\frac{\partial F'_{24}}{\partial \theta^1}=0\\ \frac{F'_{13}}{\partial \theta^4}-\frac{\partial F'_{14}}{\partial \theta^3}+\frac{\partial F'_{34}}{\partial \theta^1}=0\\ \frac{F'_{23}}{\partial \theta^4}-\frac{\partial F_{24}}{\partial \theta^3}+\frac{\partial F'_{34}}{\partial \theta^2}=0\\ \frac{G'^{12}}{\partial \theta^3}-\frac{\partial G'^{13}}{\partial \theta^2}+\frac{\partial G'^{14}}{\partial \theta^1}=\rho'=-J'^4\\ \frac{G'^{12}}{\partial \theta^4}-\frac{\partial G'^{14}}{\partial \theta^2}+\frac{\partial G'^{24}}{\partial \theta^1}=-J'^3\\ \frac{G'^{13}}{\partial \theta^4}-\frac{\partial G'^{14}}{\partial \theta^3}+\frac{\partial G'^{34}}{\partial \theta^1}=-J'^2\\ \frac{G'^{23}}{\partial \theta^4}-\frac{\partial G'^{24}}{\partial \theta^3}+\frac{\partial G'^{34}}{\partial \theta^2}=-J'^1\end{array}\right.\]

Se se tratarem de equações no vazio, então, nas coordenadas rectangulares, tem-se

\[\left\lbrack A^{\alpha\beta}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cccccc}0 &0 &0 &0 & 0 & \varepsilon\\ 0 & 0 & 0 & 0 & -\varepsilon & 0\\ 0 & 0 & 0 & -\frac{1}{\mu} & 0 & 0\\ 0 & 0 & \varepsilon & 0 & 0 & 0\\ 0 & \frac{1}{\mu} & 0 & 0 & 0 & 0\\ \frac{1}{\mu} & 0 & 0 & 0 & 0 & 0\end{array}\right\rbrack\]

 A matriz divide-se em dois blocos, nomeadamente,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}A^{\alpha\ N-\beta}=(-1)^{|\alpha|+1}\varepsilon\delta^{\alpha\beta}\\ A^{N-\alpha\ N-\beta}=(-1)^{|\alpha|}\frac{1}{\mu}\delta^{N-\alpha\ \beta}\end{array}\right.\]

onde \(\alpha\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3\right\rbrace\right)\). A lei da transformação de coordenadas permite obter

\[A'^{\alpha\ N-\beta}=\sum_{\gamma,\eta\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace\right)}{q_\gamma^\alpha q_{N-\eta}^{N-\beta}A^{\gamma\ N-\eta}}=\varepsilon\sum_{\gamma,\eta\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3\right\rbrace\right)}{(-1)^{|\gamma|+1}q_\gamma^\alpha q_{N-\eta}^{N-\beta}\delta^{\gamma\eta}}\]

Da teoria da expansão dos determinantes sabe-se que

\[q_{N-\eta}^{N-\beta}=\frac{1}{|P|}(-1)^{|\eta|+|\beta|}p_\beta^\eta\]

onde \(|P|\) é o determinante da matriz \(\left\lbrack p_i^j\right\rbrack\) e, portanto,

\[A'^{\alpha\ N-\beta}=(-1)^{|\beta|+1}\frac{\varepsilon}{|P|}\sum_{\gamma\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3\right\rbrace\right)}{q_\gamma^\alpha p_\beta^\gamma}\]

Do mesmo modo,

\[A'^{N-\alpha\ N-\beta}=\frac{(-1)^{|\beta|}}{\mu |P|}\sum_{\gamma\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3\right\rbrace\right)}{q_\gamma^{N-\alpha} p_\beta^\gamma}\]

Suponha-se que as transformações não involvem o tempo, isto é, são da forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x^1=x^1\left(\theta^1,\theta^2,\theta^3\right)\\ x^2=x^2\left(\theta^1,\theta^2,\theta^3\right)\\ x^3=x^3\left(\theta^1,\theta^2,\theta^3\right)\\ x^4=t\end{array}\right.\]

Neste caso, as transformações das \(2-\)formas, \(p_\alpha^\beta\), também são dadas por uma matriz em bloco e

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\sum_{\gamma\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3\right\rbrace\right)}{q_\gamma^\alpha p_\beta^\gamma}=\delta^\alpha_\beta\\ \sum_{\gamma\in I_2\left(\left\lbrace 1,2,3\right\rbrace\right)}{q_\gamma^{N-\alpha} p_\beta^\gamma}=\delta_\beta^{N-\alpha}\end{array}\right.\]

Segue-se daqui que

\[A'^{\alpha\beta}=\frac{1}{|P|}A^{\alpha\beta}\]

e as equações no vazio escrevem-se como

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\vec{\nabla}\cdot\frac{\vec{E}}{|P|}=0\\ \vec{\nabla}\cdot\vec{B}=0\\ \vec{\nabla}\times\vec{E}+\frac{\partial \vec{B}}{\partial t}=0\\ \vec{\nabla}\times{\frac{\vec{B}}{\mu |P|}}-\frac{\partial}{\partial t}\left(\frac{\varepsilon\vec{E}}{|P|}\right)=0\end{array}\right.\] 

notando que as componentes de \(\vec{E}\) e \(\vec{B}\) devem ser obtidas por intermédio da lei de transformação supracitada.

O caso em que as transformações envolvem o tempo é mais complicado, na medida em que será alterada a forma da matriz \(A^{\alpha\beta}\). 

terça-feira, 3 de junho de 2025

Problema de uma partícula que se move em torno de um campo gravítico central

 No texto enlinha Invariantes nas equações do movimento foi observado que o problema geral de uma partícula que se move em torno de um campo gravítico central, cujas soluções dependem de seis condições iniciais, se reduz a um problema mais simples se se considerar uma configuração particular das condições iniciais, obtendo as demais soluções por simples rotação. Suponha-se que \(x\), \(y\) e \(z\) são dados, em coordenadas esféricas, por

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=r\sin\phi\cos\theta\\ y=r\sin\phi\sin\theta\\z=r\cos\phi\end{array}\right.\]

Nestas coordenadas determina-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}l_1=y'z-z'y=r^2\phi'\sin\theta+r^2\theta'\sin\phi\cos\phi\cos\theta\\ l_2=z'x-x'z=-r^2\phi'\cos\theta+r^2\theta'\sin\phi\cos\phi\sin\theta\\l_3=x'y-y'x=-r^2\theta'\sin^2\phi\end{array}\right.\]

Observa-se que as soluções que satisfazem

\[\phi=\frac{\pi}{2}\]

se existirem, são tais que \(l_1=l_2=0\) e \(l_3=-r^2\theta'\), pois \(\phi'=0\). A função \(L\), neste caso, fica da forma

\[L=\frac{1}{2}m\left(r'^2+r^2\theta'^2\right)+\frac{GMm}{r}\]

onde se considera o caso clássico em que a intensidade da força é proporcional ao quadrado da distância ao seu centro,

\[U(r)=\frac{GMm}{r}\]

 Segue-se que

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p_r=\frac{\partial L}{\partial r'}=mr'\\ p_\theta=\frac{\partial L}{\partial \theta'}=mr^2\theta'\end{array}\right.\]

e

\[H=\frac{1}{2m}\left(p_r^2+\frac{1}{r^2}p_\theta^2\right)-\frac{GMm}{r}\]

Procedendo de um modo semelhante ao apresentado enlinha na ligação A função característica para dois osciladores harmónicos independentes, considera-se a equação diferencial às derivadas parciais para \(W\) na forma

\[\frac{1}{2m}\left(\left(\frac{\partial W}{\partial r}\right)^2+\frac{1}{r^2}\left(\frac{\partial W}{\partial\theta}\right)^2\right)-\frac{GMm}{r}-E=0\]

ou

\[\frac{r^2}{2m}\left(\frac{\partial W}{\partial r}\right)^2-GMmr-Er^2+\frac{1}{2m}\left(\frac{\partial W}{\partial\theta}\right)^2=0\]

 Ora, considerando que \(W(r,\theta)=W_r(r)+W_\theta(\theta)\), obtém-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{r^2}{2m}\left(\frac{dW_r}{dr}\right)^2-GMmr-Er^2+\frac{l^2}{2m}=0\\ \frac{dW_\theta}{d\theta}=l\end{array}\right.\]

e, portanto,

\[W=l\left(\theta-\theta_0\right)+\int_{r_0}^r{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}dr}\]

isto é,

\[V=l\left(\theta-\theta_0\right)+\int_{r_0}^r{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}dr}-E\left(t-t_0\right)\]

Dado que \(V\) não depende explicitamente de \(E\) e \(l\), então

\[\frac{\partial V}{\partial l}=\frac{\partial V}{\partial E}=0\]

de onde se extraem as equações

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\theta-\theta_0=\int_{r_0}^r{\frac{l}{r^2\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}}dr}\\ t-t_0=\int_{r_0}^r{\frac{m}{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}}dr}\end{array}\right.\] 

Torna-se claro que a primeira equação provê a órbita da partícula, proporcionando \(r\) em função do ângulo \(\theta\). A substituição

\[r\to\frac{1}{u}\]

permite escrever

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\theta-\theta_0=-\int_{u_0}^u{\frac{l}{\sqrt{2GMm^2u+2mE-l^2u^2}}du}\\ t-t_0=\int_{u_0}^u{\frac{m}{u^2\sqrt{2GMm^2u+2mE-l^2u^2}}du}\end{array}\right.\]

A solução do primeiro integral é dada por

\[\theta-\theta_0=\arcsin\left(\frac{u_0-\frac{GMm^2}{l^2}}{\sqrt{\frac{2mE}{l^2}+\left(\frac{GMm^2}{l^2}\right)^2}}\right)-\arcsin\left(\frac{u-\frac{GMm^2}{l^2}}{\sqrt{\frac{2mE}{l^2}+\left(\frac{GMm^2}{l^2}\right)^2}}\right)\]

Ora, se se fizer

\[\tau=\arcsin x-\arcsin y\]

isto é,

\[\arcsin y=\tau-\arcsin x\]

então

\[y=-x\cos\tau+\sqrt{1-x^2}\sin\tau\]

que, aplicada à solução encontrada, permite escrevê-la como

\[u-\frac{GMm^2}{l^2}=\left(u_0-\frac{GMm^2}{l^2}\right)\cos\tau-\sqrt{\frac{2mE}{l^2}-u_0^2+\frac{2GMm^2}{l^2}u_0}\sin\tau\]

em que \(\tau=\theta-\theta_0\). Em termos de \(r\) e \(r_0\) tem-se a equação da órbita na forma

\[r=\frac{1}{\frac{GMm^2}{l^2}+\left(\frac{1}{r_0}-\frac{GMm^2}{l^2}\right)\cos\left(\theta-\theta_0\right)-\frac{1}{l}\sqrt{2mE-\frac{l^2}{r_0^2}+\frac{2GMm^2}{r_0}}\sin\left(\theta-\theta_0\right)}\]

 Das equações do movimento associadas à função característica \(V\) obtem-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial V}{\partial r_0}=-\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial r'}\right\rbrack_{t=t_0}\\ \frac{\partial V}{\partial \theta_0}=-\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial \theta'}\right\rbrack_{t=t_0}\end{array}\right.\]

que proporcionam o valor de \(E\) e \(l\) em termos dos valores associados às condições iniciais, nomeadamente,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}E=\frac{1}{2}m{r'}_0^2+\frac{l^2}{2mr_0^2}-\frac{GmM}{r_0}\\ l=mr_0^2\theta'_0\end{array}\right.\]

e que permitem reescrever a equação da órbita como

\[r=\frac{\left(r_0^2\theta'_0\right)^2}{GM+\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)\cos\left(\theta-\theta_0\right)-r_0^2\theta'_0r'_0\sin\left(\theta-\theta_0\right)}\]

Se se fizer

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\cos\eta=\frac{r_0^3{\theta'}_0^2-GM}{\sqrt{\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)^2+\left(r_0^2\theta'_0r'_0\right)^2}}\\ \sin\eta=\frac{r_0^2\theta'_0r'_0}{\sqrt{\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)^2+\left(r_0^2\theta'_0r'_0\right)^2}}\end{array}\right.\]

a equação da órbita pode ser escrita na forma

\[r=\frac{A}{B+C\cos\tau}\]

onde se fez, para abreviar,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}A=r_0^2\theta'_0\\ B=GM\\ C=\sqrt{\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)^2+\left(r_0^2\theta'_0r'_0\right)^2}\\ \tau=\theta-\theta_0+\eta\end{array}\right.\]

Trata-se da equação de uma elipse se \(B>C\), da parábola, se \(B=C\) e da hipérbole, caso \(B<C\). No caso da elipse o semi-eixo das abcissas será dado por

\[a=\frac{AB}{B^2-C^2}\]

e, no da hipérbole, por

\[a=\frac{AB}{B^2+C^2}\]

O segundo integral, nomeadamente,

 \[t-t_0=\int_{r_0}^r{\frac{m}{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}}dr}\]

permite determinar a dependência temporal de \(r\) mas é muito mais trabalhoso. No entanto, da equação

\[\frac{\partial V}{\partial \theta}=\frac{\partial L}{\partial\theta'}\]

obtém-se a equação diferencial seperável

\[mr^2\theta'=l\]

cuja solução para \(\theta\) se escreve como

\[\frac{l}{m}\left(t-t_0\right)=\int_{\theta_0}^\theta{\frac{A^2}{\left(B+C\cos\left(\theta-\theta_0+\eta\right)\right)^2}d\theta}\]

Dado que o integral representa o dobro área da secção da órbita definida pelo raio vector com origem no foco quando roda desde o ângulo \(\theta_0\) até ao ângulo \(\theta\), osberva-se que, com efeito, essa área aumenta linearmente com o tempo.  

quarta-feira, 2 de abril de 2025

A função característica para dois osciladores harmónicos independentes

 Considere-se o sistema mecânico de uma partícula descrito pela função (ver Uma simplificação do princípio dos trabalhos virtuais aplicados à Dinâmica)

\[L=\frac{1}{2}m\left(x'^2+y'^2\right)-\frac{1}{2}m\left(\omega_1^2x^2+\omega_2^2y^2\right)\]

Como habitual, determinam-se os momentos como

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p_x=\frac{\partial L}{\partial x'}=mx'\\ p_y=\frac{\partial L}{\partial y'}=my'\end{array}\right.\]

De acordo com o que foi apresentado em A função característica em mecânica, constrói-se a função

\[H=x'p_x+y'p_y-L=\frac{1}{2m}\left(p_x^2+p_y^2\right)+\frac{1}{2}m\left(\omega_1^2x^2+\omega_2^2y^2\right)\]

uma vez que as componentes das velocidades se calculam, em função dos momentos, como

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=\frac{p_x}{m}\\ y'=\frac{p_y}{m}\end{array}\right.\]

A equação diferencial às derivadas parciais que permite determinar a equação característica \(V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)\) é dada, portanto, por

\[\frac{1}{2m}\left(\left(\frac{\partial V}{\partial x}\right)^2+\left(\frac{\partial V}{\partial y}\right)^2\right)+\frac{1}{2}\left(\omega_1^2x^2+\omega_2^2y^2\right)=-\frac{\partial V}{\partial t}\]

 Observa-se que

\[H\left(x,y,x',y'\right)=H\left(x,x'\right)+H\left(y,y'\right)\]

onde

\[\left\lbrace\begin{array}{l} H\left(x,x'\right)=\frac{1}{2m}p_x^2+\frac{1}{2}m\omega_1^2 x^2\\ H\left(y,y'\right)=\frac{1}{2m}p_y^2+\frac{1}{2}m\omega_2^2 y^2\end{array}\right.\]

Considera-se, portanto, a solução da equação diferencial às derivadas parciais da forma

\[V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)=W_1\left(x,x_0,E_1\right)+W_2\left(y,y_0,E_2\right)-\left(E_1+E_2\right)\left(t-t_0\right)\]

Como \(V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)\) não depende explicitamente de \(E_1\) ou \(E_2\), isto é, como

\[\frac{\partial V}{\partial E_1}=\frac{\partial V}{\partial E_2}=0\]

segue-se uma das equação do movimento

\[\frac{\partial W_1}{\partial E_1}=\frac{\partial W_2}{\partial E_2}=t-t_0\]

A substituição da solução proposta na equação diferencial às derivadas parciais conduz ao sistema de equações diferenciais independentes

\[\left\lbrace\begin{array}{l} \frac{1}{2m}\left(\frac{\partial W_1}{\partial x}\right)^2-\frac{1}{2}m\omega_1^2 x^2=E_1\\ \frac{1}{2m}\left(\frac{\partial W_1}{\partial y}\right)^2-\frac{1}{2}m\omega_2^2 y^2=E_2\end{array}\right.\]

A solução de cada uma das equações pode ser encontrada por simples quadratura e, portanto,

\[V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)=W\left(x,y,x_0,y_0,E_1,E_2\right)-\left(E_1+E_2\right)\left(t-t_0\right)\]

onde

\[W=\int_{x_0}^x{\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2 x^2}dx}+\int_{y_0}^y{\sqrt{2mE_2-m^2\omega_2^2 y^2}dx}\]

As equações do movimento do sistema obtêm-se desta função na forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial W}{\partial E_1}=\int_{x_0}^x{\frac{m}{\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2x^2}}dx}=t-t_0\\ \frac{\partial W}{\partial E_2}=\int_{y_0}^y{\frac{m}{\sqrt{2mE_2-m^2\omega_2^2y^2}}dx}=t-t_0\\ \frac{\partial W}{\partial x}=\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2x^2}=mx'\\ \frac{\partial W}{\partial y}=\sqrt{2mE_2-m^2\omega_2^2y^2}=my'\\ \frac{\partial W}{\partial x_0}=\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2x_0^2}=mx_0'\\ \frac{\partial W}{\partial y_0}=\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2y_0^2}=my_0'\end{array}\right.\]

As quatro últimas equações discriminam a conservação da energia. As duas últimas, em particular, permitem determinar \(E_1\) e \(E_2\) como função das posições e velicidades iniciais, isto é,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}E_1=\frac{1}{2}mx_0'^2+\frac{1}{2}m\omega_1^2x_0^2\\ E_2=\frac{1}{2}my_0'^2+\frac{1}{2}m\omega_2^2y_0^2\end{array}\right.\]

A resolução da primeira equação resulta numa que pode ser colocada na forma

\[\omega_1\left(t-t_0\right)=\arcsin\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x-\arcsin\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x_0\]

A equação assim obtida permite determinar a dependência temporal da coordenada \(x\). Uma forma mais simples é determinada, aplicando as funções trignonométricas a cada um dos seus membros, vindo

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\cos\omega_1\left(t-t_0\right)=\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x^2}\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0^2}+\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0x\\ \sin\omega_1\left(t-t_0\right)=\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0^2}\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x-\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x^2}\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x_0\end{array}\right.\]

Se se eliminar o termo

\[\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x^2}\]

de ambas as equações, obtém-se

\[\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x_0\cos\omega_1\left(t-t_0\right)+\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0^2}\sin\omega_1\left(t-t_0\right)=\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x\]

isto é,

\[x=x_0\cos\omega_1\left(t-t_0\right)+\sqrt{\frac{2E_1-m\omega_1^2x_0^2}{m\omega_1^2}}\sin\omega_1\left(t-t_0\right)\]

que, atendendo à equação que permite escrever \(E_1\) como função de \(x_0\) e \(x'_0\), fica

\[x=x_0\cos\omega_1\left(t-t_0\right)+\frac{x'_0}{\omega_1}\sin\omega_1\left(t-t_0\right)\]

O mesmo procedimento conduz à solução para \(y\) na forma

 \[y=y_0\cos\omega_2\left(t-t_0\right)+\frac{y'_0}{\omega_2}\sin\omega_2\left(t-t_0\right)\]

O método apresentado neste exemplo vale para qualquer sistema que seja descrito pela função \(H\) que pode ser decomposta numa soma de funções, cada uma, dependendo de um subconjunto independente de variáveis.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Calor e trabalho

No artigo enlinha Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica para sistemas reversíveis é considerado o sistema termodinâmico constituído por um gás ideal, sobre o qual as grandezas se determinam como função de duas delas. É, por exemplo, determinado o calor transferido ou a variação da energia interna num processo isotérmico em função do volume e da pressão. Porém, o cálculo de cada uma dessas grandezas efectua-se apenas ao longo de um determinado caminho de evolução do sistema que poderá corresponder a um processo isotérmico, a um isobárico ou a um adiabático. Com efeito, a variação calcula-se só depois de se determinar uma relação entre as variáveis independentes. A energia interna difere do calor pelo simples facto da sua variação não depender do caminho de evolução do sistema. Com efeito, não importando qual é o caminho de evolução que leva do ponto estado \(\left(p_0,v_0\right)\) ao ponto estado \((p,v)\), se tem sempre

\[\Delta U=U(p,v)-U\left(p_0,v_0\right)\]

independentemente do caminho de evolução. A variação do calor, por seu turno, como depende do caminho, o seu valor não poderá ser determinado do mesmo modo.

Considere-se um sistema descrito pelas duas variáveis independentes \(x\) e \(y\) onde a variação de uma quantidade \(dQ\) do ponto \((x,y)\) para o ponto infinitamente vizinho \((x+dx,y+dy)\) se possa escrever, até à primeira ordem,

\[Q(x+dx,y+dy)=Q(x,y)+pdx+qdy\]

ou

\[dQ=pdx+qdy\]

A variação finita da quantidade \(Q\) será dada pela soma infinita das suas variações infinitesimais ao longo de uma determinada curva. Essa variação será independente da curva se se verificar a condição

\[\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}=0\]

pois, neste caso, poder-se-á encontrar uma função \(F\) tal que

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p=\frac{\partial F}{\partial x}\\ q=\frac{\partial F}{\partial y}\end{array}\right.\]

Assim, a variação finita de \(Q\) ao longo do caminho \(C\) é dada pelo integral

\[I=\int_C{pdx+qdy}=\int_C{\frac{\partial F}{\partial x}dx+\frac{\partial F}{\partial y}dy}\]

Se o caminho \(C\) for descrito, de um modo geral, pela parametrização

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=x(t)\\ y=y(t)\end{array}\right.\]

então

\[I=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial F}{\partial x}x'+\frac{\partial F}{\partial y}y'\right)dt}=\int_{t_0}^{t_1}{\frac{dF}{dt}dt}=F_1-F_0\]

em que se fez, para abreviar,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}F_0=F\left(x_0,y_0\right)\\ F_1=F\left(x_1,y_1\right)\end{array}\right.\]

Nesta caso particular, a variação total da quantidade \(Q\) ao longo de um caminho fechado é nula pois \(F_1=F_0\). O mesmo não se verifica no caso em que

\[\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\ne 0\]

Pretende-se determinar a variação total da quantidade \(Q\) quando se considera um caminho fechado tão próximo do ponto \(\left(x_0,y_0\right)\) quanto se queira. Seja esse caminho fechado definido pelas equações paramétricas

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=x_0+\varepsilon\eta(t)\\ y=y_0+\varepsilon\zeta(t)\end{array}\right.\]

em que \(\eta(t)\) e \(\zeta(t)\) são funções finitas, o parâmetro \(t\) varia desde \(t_0\) até \(t_1\) e \(\varepsilon\) é uma quantidade tão pequena quanto se queira. Da teoria da expansão em série de potências das funções advém a seguinte estimativa

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p\left(x_0+\varepsilon\eta,y_0+\varepsilon\zeta\right)=p\left(x_0,y_0\right)+\varepsilon\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta+\frac{\partial p}{\partial y}\zeta\right)+\text{O}\left(\varepsilon^2\right)\\ q\left(x_0+\varepsilon\eta,y_0+\varepsilon\zeta\right)=q\left(x_0,y_0\right)+\varepsilon\left(\frac{\partial q}{\partial x}\eta+\frac{\partial q}{\partial y}\zeta\right)+\text{O}\left(\varepsilon^2\right)\end{array}\right.\]

A consideração do caminho especificado e da série de potências conduz ao resultado

\[\int_C{pdx+qdy}=\varepsilon I_1+\varepsilon^2I_2+\text{O}\left(\varepsilon^3\right)\]

onde

\[\left\lbrace\begin{array}{l}I_1=\int_{t_0}^{t_1}{\left(p_0\eta'+q_0\zeta'\right)dt}=0\\I_2=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta\eta'+\frac{\partial p}{\partial y}\zeta\eta'+\frac{\partial q}{\partial x}\eta\zeta'+\frac{\partial q}{\partial y}\zeta\zeta'\right)dt}\end{array}\right.\]

O primeiro integral é nulo na medida em que \(\eta\left(t_0\right)=\eta\left(t_1\right)\) e \(\zeta\left(t_0\right)=\zeta\left(t_1\right)\). Por seu turno, pode-se escrever

\[I_2=\frac{1}{2}\varepsilon^2\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)\int_{t_1}^{t_2}{\left(\zeta\eta'-\eta\zeta'\right)dt}+J\]

Porém, e pelo mesmo motivo,

\[J=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta^2+\left(\frac{\partial q}{\partial x}+\frac{\partial p}{\partial y}\right)\eta\zeta+\frac{\partial q}{\partial x}\zeta^2\right)'dt}=0\]

Segue, portanto, que

\[\Delta Q=\int_C{pdx+qdy}=\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)dA+\text{O}\left(\varepsilon^3\right)\]

onde

\[dA=\frac{1}{2}\varepsilon^2\int_{t_1}^{t_2}{\left(\zeta\eta'-\eta\zeta'\right)dt}\]

é o elemento de área delimitado pelo caminho considerado. Observe-se que se obtém o mesmo resultado, atendendo ao conhecido teorema que proporciona

\[\int_C{pdx+qdy}=\int_S{\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)dxdy}\]

onde \(C\) é o caminho fechado e \(S\) é a superfície no plano delimitada pelo caminho \(C\).

Se um sistema, ao realizar um ciclo, partindo e retornando ao mesmo estado, o excedente de calor deve ser compensado pelo excedente do trabalho realizado, do sistema no exterior e do exterior no sistema e, portanto,

\[\Delta(Q-W)=0\]

Ora, se se fizer

\[\left\lbrace\begin{array}{l}dQ=Q_xdx+Q_ydy\\ dW=W_xdx+W_ydy\end{array}\right.\]

a equação anterior reduz-se a

\[\frac{\partial U_x}{\partial y}-\frac{\partial U_y}{\partial x}=0\]

Se se fizer

\[dU=U_xdx+U_ydy\]

observa-se que se trata de um diferencial total, pois a sua variação entre dois pontos estado de um sistema não depende do caminho. A primeira lei da termodinâmica assume a forma

\[dQ=dU+dW\]

Deste ponto de vista, é suficiente considerar que deve ser nulo o balanço entre o calor transferido e o trabalho realizado quando o sistema realiza um ciclo sem a necessidade de postular, à partida, a existência de uma energia interna cuja variação não depende do caminho de evolução do sistema.