terça-feira, 2 de maio de 2023

Consequências duma proposta de ontologia

De acordo com uma proposta de ontologia, os universais são determinados sobre as percepções dos objectos. A realidade apresenta-se como um conjunto de estados da matéria, sendo alguns desses estados, a activação dos circuitos neuronais. Assume-se, portanto, que a parte ou à totalidade desses circuitos neuronais, está associada a determinação de padrões tais como a cor, a forma, a textura e a posição relativa quando intervém a visão, a textura e as sensações de pressão e temperatura quando intervém o tacto, a altura, intensidade e textura dos sons quando intervém a audição, o cheiro quando intervém o olfacto ou o sabor quando se trata do uso do paladar. É frequente a referência a um sexto sentido que não depende dos estímulos externos e que pode ser encarado como a determinação de padrões e de regras físicas que se podem identificar em conjuntos de estados classificados como semelhantes à luz dos mecanismos da percepção. Esta forma de determinação de padrões, quando realizado de forma consciente, constitui a razão. Se for realizada de forma inconsciente, constitui a intuição. No âmbito das percepções também se incluem aquelas que não têm origem externa, pelo menos de forma directa. Os sentimentos em geral incluem-se nesta categoria. O medo, por exemplo, apesar de poder ter origem em estímulos externos, consiste numa reacção interna a esses mesmos estímulos. Determinados sentimentos são resultado da reacção a eventos passados sem que, no momento em que são percebidos, sejam recebidos estímulos externos que possam estar na sua origem. Esta observação permite concluir que é possível existir activação de circuitos neuronais que não tenham origem em estímulos externos. Porém, deixa-se em aberto se é necessária a activação de circuitos neuronais para que se constituam percepções internas.

Nem todos os conjuntos de estados envolvem activação de circuitos neuronais, uma vez que nem toda a realidade pode ser percebida. Muitos acontecimentos dar-se-ão, certamente, fora de qualquer consciência que as consiga perceber. Por outro lado, determinados acontecimentos podem ter sido percepcionados por umas pessoas e não o ser por outras. De modo a contemplar a narrativa deste tipo de eventos, será necessário permitir, no discurso, a referência a objectos que não possam ser submetidos à observação. Sendo possível referências a objectos que não podem ser directamente percebidos mas que o tenham sido no passado, deverá também ser possível referir objectos que nunca foram nem poderão ser submetidos à percepção, quer se use ou não instrumentação. Esta característica do discurso permite descrever objectos que estão fora do âmbito da realidade que pode ser percepcionada mas que possa existir. No entanto, permite também a concepção de objectos que não se acredite terem qualquer relação com a realidade que pode ser percepcionada. Não se pode dizer que essas coisas não existem sem entrar no âmbito dos paradoxos do não-ser, pelo facto de que, sendo o não-ser ele próprio então é e, portanto, existe. O paradoxo resulta da possibilidade da concepção mental de algo que não existe de forma concreta mas, a partir do momento que é concebido, passa a existir como modelo. Ter-se-á de conceber que, de algum modo, o objecto concebido existe, quanto muito, de forma abstracta. O conhecimento do que existe na forma abstracta pode ser partilhado por muitas pessoas ou ser intrínseco a uma pessoa em particular. Considera-se que objectos abstractos conhecidos, deste modo, por uma determinada pessoa, façam parte do seu mundo particular. Um objecto abstracto é, portanto, qualquer objecto que seja concebido, não sendo possível determinar uma relação causal com a sua observação mediante as percepções sensoriais. Um objecto pode ser abstracto para uma pessoa e não sê-lo para outra, como acontece quando alguém que presenciou um evento descreve as suas percepções de um objecto a um indivíduo que, de modo algum, o irá percepcionar mas certamente o irá conceber. A concepção de objectos que não existem deixa espaço para a criação das histórias fictícias e para representaçõe artísticas. A desconsideração de objectos abstractos iria limitar o discurso apenas às situações que pudessem ser simultaneamente confirmadas tanto pelo emissor como o receptor. Neste cenário, não seria possível comunicar experiências passadas, aspirações futuras ou estados de espírito, na medida em que estes se iriam encontrar fora do domínio da percepção de pelo menos um dos intervenientes. A veracidade de uma asserção será determinada, pelo receptor, com base na sua fé no emissor, no seu conhecimento sobre a realidade concreta ou na sua submissão, quando possível, ao domínio da percepção. O conhecimento que existe da realidade concreta, isto é, das relações que existem entre estados que estão idenficados por determinados padrões da percepção, e do mundo abstracto, é conhecido como sistema de crenças. Os factos são as crenças que mais se parecem aproximar da realidade, na medida em que a sua observação se encontra o mais livre possível de distorções que possam resultar da sua correcta percepção.

O primeiro problema que se prende com a determinação da veracidade das asserções começa na própria percepção. Nada parece poder provar que pessoas diferentes tenham a mesma percepção da mesma cor. De facto, mostra-se (ver proposta artigo supracitado) que não é necessário que as percepções das cores sejam as mesmas para que se concordem com as respectivas denominações desde que estas sejam diferenciadas entre si do mesmo modo. Por exemplo, se a percepção do azul para um determinado sujeito for a mesma que a do amarelo para outro, ambos vão concordar com a denominação que convencionam para aquele tipo de percepção, por exemplo, vermelho. Isto só é possível se os sujeitos apartarem esta de todas as outras cores que ambos conseguem denominar. O mesmo se passa com as demais percepções, sendo possível apenas convencionar nomes para diferentes percepções desde que estas sejam consideradas como diferentes para todos os sujeitos. O nome fica, portanto, associado a um determinado modelo que deverá existir em memória. É possível que um indivíduo distinga duas pessoas muito parecidas entre si quando as percepciona em simultâneo e as compara. Porém, se encontrar uma das pessoas apenas poderá não ser capaz de determinar qual das duas pessoas é, a menos que memorize os mínimos detalhes que permitam distingui-las. Do mesmo modo, uma pessoa pode separar a cor entre dois objectos com a mesma tonalidade mas, apresentando um objecto com uma das tonalidades, a pessoa não seja capaz de indicar de que tonalidade se trata a menos que seja devidamente treinada para o efeito. Por vezes é difícil denominar tonalidades de cor que se encontrem no limite das separações, sendo, por exemplo, difícil acordar se se trata de um azul-esverdeado ou de um verde-azulado. Existem limites nos detalhes em que as percepções de coisas diferentes podem ser encaradas como iguais. Sabe-se que não é possível distinguir uma diferença nas alturas entre dois sons separados por um intervalo inferior a uma coma, dado que a coma é o menor intervalo entre sons que o ser humano é capaz de distinguir, mesmo que a amplitude desse intervalo possa variar ligeiramente entre pessoas. É difícil distiguir, por exemplo, entre uma circunferência perfeita e uma elipse com uma excentricidade muito pequena. Os limites alteram-se quando se trata da percepção de cenários em movimento, na medida em que é necessário tanto mais tempo de observação quanto maior for o número dos detalhes que se pretende perceber. Uma forma de contornar as dificuldades apresentadas sobre as mesmas percepções de entidades diferentes consiste em interpôr instrumentação. A altura de um som pode ser convertida num símbolo numérico, através da medição da frequência do modo fundamental desse som. Do mesmo modo, a cor pode ser convertida num conjunto de valores que determinem a intensidade das cores primárias que compõem uma determinada cor. Ambas as medições, quando efectuadas sobre os elementos responsáveis pelas percepções, permitem determinar, dentro da respectiva precisão, se se tratam ou não de percepções diferentes. Dois copos com água podem ser em tudo semelhantes mas, quando observados ao microscópio, adquirem aspectos diferentes, à semelhança do céu, quando observado a olho nú ou com o recurso da um telescópio. A interposição da instrumentação nem sempre é exequível no decurso de um discurso, na medida em que consome demasiado tempo e requer trabalho adicional. No entanto, é amplamente utilizado no âmbito da ciência e da tecnologia. O processo de instrumentação permite prover uma ferramenta experimental na determinação dos limites daquilo que pode ser distinguido pelas percepções.

É possível identificar um outro problema com as percepções visuais, auditivas e tácteis que são as mais usadas na determinação da validade das asserções no âmbito dos acontecimentos concretos, apesar do problema se estender, do mesmo modo, às percepções olfactiva e gustativa. Destaca-se, por um lado, as alucinações e, por outro, as ilusões. No que concerne às alucinações, determinadas sensações são percebidas como provindas do exterior sem que exista qualquer relação causal entre o evento percepcionado e um evento que realmente ocorra. As alucinações podem ser resultado da activação de circuitos neuronais associados à percepção que não tenham sido despoletados por um evento externo ou por algum proccesso que impeça um indivíduo de discernir entre percepções externas e criações da imaginação, como acontece durante o sono. Um indivíduo pode saber que determinada percepção que tem é resultado de uma alucinação quando compara a sua percepção à de outros indivíduos. Se, por exemplo, entre um grupo de pessoas, apenas uma tem a percepção de algum objecto e os outros não, daí resulta que o objecto não existe na realidade concreta e o indivíduo tem uma alucinação, ou o objecto existe e os demais indivíduos não são capazes de o percepcionar. É claro que o cenário mais provável consistirá em considerar a alucinação de um só indivíduo em detrimento de uma dificuldade mais generalizada. Uma forma mais individual de determinar se um objecto observado é concreto ou não, consiste em submetê-lo à prova de todos os sentidos e, mais detalhadamente, a algum processo instrumental. Supondo, por exemplo, que um indivíduo percepciona um objecto aparentemente sólido que não consegue submeter ao tacto ou fazê-lo interagir com outros objectos, criando percepções sonoras. Poderá acreditar que o objecto existe num plano físico alternativo ou que o objecto não é concreto, sendo produto da sua imaginação. Nenhuma das opções anteriores é mais ou menos verdadeira para o indivíduo em particular. Num cenário de alucinação colectiva, nehuma dessas opções pode ser, de modo algum, considerada como a mais verdadeira. No entanto, todos os indivíduos irão concordar que não existe consequência causal entre o objecto alucinado e os demais objectos percepcionados. Essa será a asserção que melhor permite descrever essa realidade concreta e que poderá ser usada como meio para a verdade.

As ilusões são resultado da interpretação das percepções. É possível criar escalas musicais em que a altura da nota é sempre percebida como estando a aumentar quando, na realidade, a escala é tocada de uma forma não monótona. Um outro tipo de ilusão auditiva consiste em produzir ritmos que parecem acelerar indefinidamente. As ilusões visuais são mais conhecidas e estão relacionadas com a forma como se pode extrair a informação tridimensional captada em imagens bidimensionais obtidas nas retinas dos olhos. A forma de uma sala, por exemplo, é suficiente para levar a concluir que dois objectos com as mesmas dimensões sejam vistos como tendo dimensões diferentes. Tal efeito, pode ser explicado pelo facto de que a interpretação do tamanho dos objectos pelo cérebro a partir de imagens bidimensionais deverá ter em conta o efeito da perspectiva, uma vez que objectos mais distantes são projectados em objectos de menor dimensão numa imagem plana. Quando dois cubos são justapostos de modo a que não seja possível observar a linha de separação, é natural assumir que se trata de um paralelepípedo contínuo. Em ambos os sentidos, destacam-se ainda na interpretação das percepções, a capacidade de discernir padrões cuja utilidade na actividade humana é indiscutível. Suponha-se, por exemplo, que um objecto é observado a entrar num túnel cujo interior não pode ser observado, com velocidade constante. Ao final de um tempo semelhante àquele que se espera que o objecto percorra o túnel, um segundo objecto, muito semelhante ao primeiro, emerge da outra extremidade do túnel com a mesma velocidade com que o primeiro objecto entrou. No final, um observador que não consegue observar o interior do túnel certamente concluirá que o mesmo objecto entra no túnel e emerge na outra extremidade, mantendo a sua velocidade. Trata-se da hipótese mais plausível que, não sendo submetida a críticas, será certamente incluída no seu sistema de crenças. É claro que as ilusões causam problemas na determinação da realidade. O processo de instrumentação e avaliação de todas as explicações possíveis para determinada observação assumem aqui um papel preponderante na sua análise mas, não sendo prático esmiuçar desse modo todas as percepções, o problema da ilusão poderá pôr em causa a veracidade das asserções de quem testemunha tais eventos. As ilusões da memória são uma forma de ilusão alternativa relativa ao discurso sobre a realidade concreta que se encontra no passado. O discurso sobre a realidade passada incide sobre a memória que, por sua vez, pode conter distorções da percepções sentidas ou percepções completamente fantasiosas. Dado que o sistema de crenças de um indivíduo depende da sua memória, este facto constitui um sério obstáculo à sua adquabilidade à realidade concreta.

A concepção de objectos que não existem na realidade traz vantagens ao discurso, na medida em que permite mencionar situações que não podem ser submetidas à percepção, como é o caso de acontecimentos passados, aspirações futuras ou estados de espírito. Tal poder criativo constitui ainda uma importante dimensão artística. No entanto, dada a sua natureza, permite criar uma série de problemas no que concerne à determinação da adequabilidade de um discurso à realidade concreta. Suponha-se que, entre duas pessoas, uma percepcionou um determinado evento, considerando que a percepção não tenha resultado de alucinação ou ilusão, e outra não. A pessoa que percepcionou o evento, o emissor, transmite o resultado da sua percepção à outra, o receptor. Uma série de situações podem ocorrer que dependem do estado psicológico de ambos os intervenientes. Pode dar-se, em primeiro lugar, que o emissor descreva a situação que percepcionou com clareza e detalhes que em nada deixam a desejar e o receptor a interpreta correctamente e aceita-a como facto, incluindo-a no seu sistema de crenças. Por outro lado, é possível que o emissor descreva detalhadamente o que aconteceu da forma mais fidedigna possível e o receptor considerar que o emissor não tenha descrito a realidade que percepcionou de forma correcta, seja porque não interpretou as percepções de forma correcta, seja porque tais percepções tenham sido sujeitas a distorções por parte da memória. Neste cenário, o receptor poderá, por um lado, considerar que é intenção do emissor ocultar detalhes ou criar ficções que nada têm que ver com o que verdadeiramente percepcionou. Poderá, por outro lado, acreditar na boa-fé do emissor mas considerar que a descrição não faz jus ao que realmente percepcionou ou que este tenha sido vítima de algum tipo de alucinação ou ilusão. O emissor, por seu turno, poderá criar uma ficção para aquilo que percepcionou e o receptor aceitá-la como facto ou rejeitá-la conforme à sua crença na falsa-fé do emissor ou na sua incapacidade para ter avaliado a percepção face à realidade concreta. Finalmente, dado ser a linguagem o meio de partilha da informação entre ambos, é possível que a interpretação do receptor não esteja em linha com a mensagem do emissor. Um dos grandes desafios na justiça consiste na determinação da veracidade de um testemumho, tendo como foco a intenção ou motivação da testemunha em não relatar de forma fidedigna as suas percepções de um crime. Nestes casos, poderá ser útil prestar atenção aos detalhes e determinar se a descrição é corroborada ou negada pelas evidências, dentro dos limites do conhecimento das leis físicas. Ainda assim, mesmo que os eventos relatados por uma testemunha contenham efeitos que não possam derivar fisicamente das causas relatadas, é possível que causas externas ao seu discurso os possam explicar.

A percepção, a concepção de objectos abastractos independentes de qualquer estímulo externo, a concepção de objectos abstractos ou concretos resultantes de um discurso, as sensações do corpo e as emoções estão na base da criação do sistema de crenças particular a cada indivíduo, do seu mundo particular. A verdade, para cada indivíduo, é, em primeira instância e em dado momento, realizada relativamente a esse mundo particular que, em parte, reflecte o que se passa ou passou no mundo concreto. O mundo particular é dinâmico devido ao processo de aprendizagem. Uma setença pode ser considerada verdadeira por um indivíduo e falsa para outro, na medida em que a sua afirmação pode concordar com o sistema de crenças de um e a sua negação ser compatível com o sistema de crenças de outro. Aliás, uma sentença pode ser considerada, pelo mesmo indivíduo, como sendo verdadeira num determinado momento e como falsa em outro. Esta particularidade levou alguns sofistas a considerarem que tanto um discurso como o seu contrário podem ser simultaneamente verdadeiros, violando o princípio da não-contradição. No entanto, não é possível que um discurso e o seu contrário sejam simultaneamente verdadeiros, do mesmo modo, no mesmo instante, e no mesmo mundo particular na medida em que fica desprovido de conteúdo. Sobre cada sistema individual de crenças, estabelece-se, por intermédio de percepções semelhantes e do discurso, um sistema de crenças partilhado por um grupo de pessoas. É natural assumir que o sistema de crenças de um grupo é mais fidedigno no que concerne ao conhecimento do mundo concreto. Primeiro, as alucinações de grupo são menos susceptíveis de acontecer do que a alucinação individual. Em segundo lugar, é normal assumir que um grupo de pessoas assista a um determinado evento sob diferentes pontos de vista, mitigando o efeito da ilusão. Um observador que se encontre no interior do túnel, observa que um determinado objecto tenha entrado por uma extremidade, parando a meio, e que outro objecto idêntico ao primeiro inicia o seu movimento, saindo pela extremidade oposta. Um observador que se encontre no exterior, assume que o mesmo objecto que entrou numa das extremidades do túnel é o mesmo que sai na outra extremidade. Se ambos os observadores se encontrarem e discutirem as suas percepções, o observador que se encontrava no interior poderá convencer o observador que se encontrava no exterior da explicação que melhor descreveu aquela realidade concreta. É claro que as dificuldades inerentes à comunicação, em muito dependentes das características psicológicas de cada indivíduo, colocam grandes obstáculos à determinação da adequabilidade desse conjunto de crenças à realidade concreta. O observador no interior do túnel poderá querer manter na ignorância o observador que se encontrava no exterior, deixando-o acreditar na sua versão daquela realidade.

A identificação de padrões nas percepções permite a sua classificação, considerando as respectivas semelhanças. É sobre o conjunto de percepções semelhantes que incidem as denominações universais. Por exemplo, um cão é um ser que possui uma forma determinada pela visão, constituindo a forma, o formato, textura, cor e todos os demais atributos visuais. Muitos seres diferentes entre si partilham uma semelhança na forma que permite classificá-los como cães. A denominação da forma pelo respectivo nome é um resultado da convenção cultural associada a uma linguagem e assimilada por um processo de aprendizagem. Durante a aprendizagem, é suficiene atribuir nomes a modelos das formas que o processo cognoscível de classificação irá determinar quais são as semelhantes dentro desse conceito. É suficiente, por exemplo, indicar um modelo de cão ou um modelo de gato para que seja possível identificar os seres que pertencem à classe dos cães ou os que pertencem à classe dos gatos. As formas, de um modo geral, decompoem-se em formas simples ou agregam-se em formas mais complexas. Um cão, por exemplo, possui uma forma que agrega a cabeça, o tronco e os membros, à semelhança de um gato mas diferente de um pássaro na natureza mais geral dos membros. Características que se possam apartar, como ter ou não ter asas, ser desta ou daquela cor, ter esta ou aquela textura, deste ou daquele formato, ser contínuo ou não, permite refinar a classificação dos seres. As formas estáticas e invariáveis não são o único tipo de padrão que se pode identificar numa imagem visual. Em primeiro lugar, a forma de um objecto pode-se alterar entre percepções. Um cão, por exemplo, pode ser observado como estando sentado numa percepção e como estando deitado em outra. Dado que uma percepção pode incluir vários objectos, as respectivas formas são determinadas em simultâneo. O conjunto sucessivo de percepções provê as noções de tempo e de movimento. Em segundo lugar, a percepção de uma imagem ocular pode conter vários objectos, estando estes dispostos de uma ou outra maneira entre si, resultando daí a noção de lugar. Se num conjunto de percepções sucessivas, por exemplo, a posição relativa dos objectos se alterar entre si, está-se na presença do movimento de locomoção. Considera-se como movimento de locomoção, a alteraçao do formato geométrico de um objecto, na medida em que varia a posição relativa das partes que o constituem.

A linguagem usual, apesar de ser rica o suficiente para referir os aspectos estáticos e dinâmicos daquilo que advém das percepções, também está sujeita a limitações, no sentido que é usada para transmitir as ideias que existem sobre a realidade concreta e como essas ideias se coadunam com a realidade. Suponha-se que o responsável de um museu observa que peças de um barco são substituídas por peças muito semelhantes. As peças do barco são entregues a um artista que as monta no seu estúdio. No final da actividade existem dois barcos, um que foi totalmente reconstruído com novas peças e o outro foi montado a partir de peças antigas. Para o responsável do museu, o barco que lá se encontra é sempre o mesmo apesar do seu completo restauro. Do ponto de vista do artista, o barco que este reconstruiu é o mesmo que estava no museu, na medida em que considera que o barco em questão foi desmontado no museu e remontado no estúdio. Se o responsável do museu e o artista conversarem sobre o barco, estes irão concordar com uma grande variedade de asserções, como a forma e altura do mastro ou a cor do casco, apesar de não se referirem ao mesmo objecto. As crenças de ambos coincidem neste caso mas as maneiras como asseveram a veracidade das suas afirmações são diferentes entre eles, na medida em que o responsável do museu confirma determinada especificidade no barco que se encontra no museu e o artista irá referir-se ao barco que se encontra no seu estúdio. Se ambos falarem sobre a localização do barco, muitos cenário poderão daí surgir. O responsável do museu pode convencer o artista de que o barco que se encontra no museu é o que sempre lá esteve, o artista pode convencer o responsável do museu que o barco que lá se encontrava, encontra-se agora no seu estúdio, poderão ambos chegar à conclusão que se tratam de barcos diferentes originados do barco que se encontrava no museu por este ou por aquele processo ou não chegarão a algum consenso sobre essa matéria. Aquilo que se entende por um objecto cuja forma varia com o tempo é determinado por convenção. No que concerne à representação mental desse objecto, não é difícil considerá-lo como único, mantendo a memória das várias propriedades que o caracterizam ao longo do tempo. É também necessário convencionar de que modo o objecto deve ser percepcionado para corroborar essa concepção. Se se pretender avaliar propriedades tais como a forma e altura do mastro ou a cor do casco é indiferente que barco resultante se analisa, na medida em que são iguais nesse sentido. Na prática, fala-se do universal conhecido como barco do museu, do qual existem duas instâncias. Em última análise, as crenças do responsável do museu e do artista sobre esse universal serão as mesmas. Não é frequente detalhar-se como corroborar as concepções dos objectos do discurso dado que se trata de um processo moroso. Esse processo é deixado ao critério de cada interveniente. No que respeita ao discurso científico, por seu turno, não só é importante  descrever os objectos como deixar claro como estes devem ser corroborados pela percepção na realidade concreta ao longo do tempo.

Duas esferas visualmente indistinguíveis são colocadas em cima de uma mesa. O observador consegue identificar cada uma delas como um objecto diferente, tomando nota das suas posições relativas a si mesmo. Por exemplo, considera a esfera da direita e a esfera da esquerda. Suponha-se que o observador sai da sala onde as esferas se encontram e deixa de rastrear o seu movimento durante algum tempo. Se o observador entrar novamente na sala, irá assumir que a esfera da direita é a mesma esfera que antes se encontrava à sua direita e a esfera da esquerda é o mesmo objecto que antes se encontrava à sua esquerda. Um segundo indivíduo entra na sala e decide se troca ou não as posições das esferas e diz ao observador se trocou ou não a posição das esferas. Cinco opções podem ocorrer neste cenário. Na primeira, o observador acredita no indivíduo e o indivíduo foi honesto. Na segunda, o observador não acredita no indivíduo mas este também não foi honesto. Na terceira, o observador acredita no indivíduo mas este não foi honesto. Na quarta, observador não acredita no indivíduo mas este foi honesto. Na quinta, o observador não decide se acredita ou não no indivíduo. Se se verificarem as duas primeiras opções, o observador conseguirá determinar qual objecto é qual e estará de acordo com a realidade. Na terceira e quarta opções, o indivíduo conseguirá determinar qual objecto é qual mas a sua correspondência com a realidade concreta estará errada. Se se verificar o último cenário, deixa de ser possível dizer qual objecto é qual. Limitações deste género podem resultar do facto de não ser exequível a um único indivíduo percepcionar um objecto indefinidamente. Com efeito, não é prático fazê-lo por um grupo de indivíduos, com excepção de alguns exemplos em ciência. Com efeito, as posições dos astros são rastreadas há milénios. No entanto, se estrelas semelhantes trocarem de posições nas constelações entre observações, tal fenómeno, além de não ser registado, não deixa qualquer evidência de que realmente tenha acontecido. Alguém que acredite obsessivamente que tal fenómeno acontece, poderá ter o comportamento compulsivo de dedicar grande parte do seu tempo a tentar observá-lo. Se o observador estiver apenas interessado na esfera da direita, mesmo que esta tenha sido trocada com a esfera da esquerda, continuará a observar as mesmas propriedades, como textura, material, sensação de peso, que observara antes de sair da sala. Se se interessar pelo conjunto das esferas e ignorar as respectivas posições, do ponto de vista prático, é indiferente se o indivíduo trocou as respectivas posições ou não. É claro que, por vezes, dois objectos são indistinguíveis quando percepcionados directamente mas poderão não sê-lo quando submetidos a uma análise mais detalhada com o auxílio de instrumentação. Tal acontece quando se pretende distinguir entre diamante e zircónia cúbica que apenas se mostram diferentes se analisados com maior detalhe, dado possuírem propriedades físicas e químicas distintas mas características muito semelhantes quando observados a olho nú.

Além dos padrões que se identificam numa percepção particular e que permite apartar objectos, é possível determinar padrões sobre um conjunto temporal de percepções. Por exemplo, sempre que se larga uma pedra a uma determinada altura, esta passará a mover-se ao longo de uma trajectória vertical no sentido de cima para baixo até que chegue ao solo. Este padrão é verificado para uma enorme variedade de objectos. A queda de uma pena, por seu turno, será mais lenta. Se se depositar na terra a semente de uma determinada planta e se regar com a devida frequência, a semente dará origem a uma planta muito semelhante àquela da qual foi obtida. Se se bater uma pedra de um determinado tipo com outra pedra mais dura, desta ou daquela maneira, poder-se-á moldá-la em forma de lâmina capaz de cortar materiais de origem animal ou vegetal. Percebe-se que determinadas acções executadas em certas circunstâncias, como o largar uma pedra a uma dada altura, têm sempre, como consequência, os mesmos efeitos, como é o caso de adquirir um movimento vertical de cima para baixo até que se detenha no solo. Diz-se que a largada da pedra é a causa que tem, como efeito, o seu movimento que se detém no solo. Determinados acontecimentos são causa de outros apenas em determinadas circunstâncias. Por exemplo, se se aquecer o hidrogénio e o oxigénio acima de uma determinada temperatura, conhecida como ponto de ignição, e se estes forem misturados, dar-se-á a reacção de combustão, originando água. Neste caso, o evento dado pela mistura de hidrogénio e oxigénio é causa da produção de água apenas quando as suas temperaturas são suficientemente elevadas. Por outro lado, a produção de uma faísca numa mistura de hidrogénio e oxigénio à temperatura ambiente resulta na reacção de combustão e produz água. Dois tipos de causa, a mistura de oxigénio e hidrogénio a temperaturas elevadas ou a produção de uma faísca numa mistura de hidrogénio e oxigénio resultam no mesmo efeito que é a produção de água. Além disso, a mistura de oxigénio e hidrogénio não pode ser causa da água por si só, na medida em que deve acontecer a produção de uma faísca ou uma elevação da temperatura. Porém, se não se observar produção de água então nenhuma das causas possíveis pode ter sido observada, o caso contrário iria incorrer no efeito contrário, uma vez que o efeito ocorre sempre que ocorrerem todas as causa. Nem todos os acontecimentos que se observam em sequência temporal estão na relação de causa e efeito. Suponha-se, por exemplo, que alguém sente sempre um cheiro agradável alguns momentos após o nascer do sol. Poderá assumir que se trata de uma relação causa e efeito, sendo o nascer do sol a causa do cheiro agradável. No entanto, ambos podem não estar relacionados, na medida em que a causa do cheiro agradável é a utilização de alguma substância usada por uma fábrica que começa a labutar pouco depois do sol nascer. Certo dia, o indivíduo sente o cheiro agradável antes do sol nascer, porque alguém começou a labuta mais cedo. Conclui, deste modo, que o nascer do sol não é causa do cheiro agradável na medida em que se o fosse, caso o sol ainda não tivesse nascido, não poderia ter sentido essa fragrância.

Para além dos padrões que permitem apartar objectos no decurso das percepções, é possível determinar padrões que estabelecem uma relação entre esses mesmos objectos. Por exemplo, observa-se que é dia quando o sol se encontra acima do horizonte. Este padrão é sempre verificado, isto é, qualquer que seja a percepção visual na qual o sol se encontra acima do horizonte, então ter-se-á a percepção de ser dia. Do mesmo modo, sempre que se percebe ser dia, o sol encontra-se acima do horizonte. Parece existir uma relação de causa e efeito, restando determinar qual é um e qual é o outro. Ora, o dia pode ser caracterizado pela luz e, portanto, sempre que o sol se encontra acima do horizonte, os objectos encontram-se iluminados. Porém, é possível que os objectos sejam iluminados de um outro modo, por exemplo, pela chama de uma lamparina. Segue-se que se os objectos não estiverem iluminados então o sol não se pode encontrar acima do horizonte, mas é possível que, se o sol não se encontrar acima do horizonte, os objectos, mesmo assim, se encontrem iluminados. O sol é, portanto, a causa e o dia, o efeito. De facto, durante um eclipse, o sol pode-se encontrar acima do horizonte sem que se possa afirmar que seja dia. Do mesmo modo, quando se seguram dois imãs suficientemente próximos entre si, sente-se uma força de atracção ou repulsão. Como os imãs podem ser submetidos a forças de diferentes naturezas, as suas aproximações serão as causas e as forças, os efeitos. Por outro lado, se se sentir uma força quando se segura um objecto e este for largado, este iniciará um movimento no sentido e direcção da força que se sente. A força é causa do início do movimento uma vez que, sempre que não é sentida qualquer força quando se segura um objecto, este não inicia o movimento quando é largado. Se se largarem dois imãs numa pequena região, estes ir-se-ão aproximar ou afastar conforme os pólos que se encontram mais próximos. Neste caso, a causa é a largada dos imãs numa pequena região e o efeito é o seu movimento ulterior. Esta relação causal, no entanto, pode ser decomposta numa cadeia de relações causais. A aproximação dos imãs é causa de forças que são exercidas sobre eles que, por sua vez, são a causa do movimento. Num grande número de situações, as relações causais podem ser decompostas deste modo até que se chegue a relações das quais não se conceba uma decomposição. Às relações causais mais simples que compõem relações causais mais complexas, dá-se a designação de princípios. Dos princípios, é possível obter, por construção, relações causais mais complexas que parecem ser de naturezas diferentes, como é o caso de átomos cujos núcleos contenham números diferentes de protões serem causa de elementos químicos distintos com propriedades muito díspares. A luz do dia, por exemplo, pode ser considerada como o efeito da produção de luz nas transformações energéticas que têm lugar no interior do sol, a qual incide sobre a terra. A luz incide na metade que se encontra voltada para sol, sendo dia aí e noite na metade que se encontra voltada para a direcção contrária.

Existe uma relação entre a forma de um objecto e o facto do objecto ser de determinado tipo. Por exemplo, um objecto com a forma de um livro, isto é, tendo todos os atributos que o permitam classificar como sendo um livro, é do tipo livro. Mais do que uma forma pode estar associada ao livro. Neste contexto, poder-se-á assumir que a forma é a causa e o livro é o efeito. De facto, a forma é dada pela percepção e o conceito de livro é o resultado da classificação dessa forma, dentro de um conjunto de formas, como sendo a forma de um livro. Convém notar que a forma é causa do conceito de livro, isto é, do modelo em memória que serve para comparação com outros livros, e não do objecto que é observado e classificado como sendo um livro. O objecto em si, resultante de um agregado de estados da matéria, é causa da sua forma, na medida em que poderá existir sem que nunca tenha sido observado, cuja observação é causa do conceito que lhe está associado. Finalmente, o conceito e o processo de convenção são causa da palavra que o descreve numa determinada língua, já que há conceitos para os quais não foi definida uma palavra. A classificação pode ser realizada com base em caracteríticas que são partilhadas por várias formas. Pode-se considerar aspectos essenciais do homem que o determinem como animal. É concebível, por exemplo, a classificação, dentro da mesma categoria, os animais que têm patas ou cor castanha e, em outra categoria, os animais que têm cor branca. Neste caso, há animais, por exemplo, os que têm patas e cor branca, que serão classificados em ambas as categorias. Esta classificação não é normalmente considerada porque não constitui uma estrutura hierárquica. As relações hierárquicas facilitam o processo de classificação. Trata-se de relações com as características das de causa e efeito, sendo, por exemplo, o homem a causa e o animal o efeito, o mais particularizado a causa e o mais generalizado o efeito. Uma vez que tal só acontece porque se convencionou uma classificação hierárquica do homem como animal, esta relação de causa e efeito é convencional. A categoria máxima é convencional, isto é, qualquer conjunto de estados da matéria que seja observado como sendo uma única entidade é um objecto por convenção. Em muitos casos é difícil discernir entre as verdadeiras relações de causa e efeito, que envolvem eventos temporalmente distintos, e as que resultam de convenção. Quando se observa que dois objectos, deixados por si sós em repouso relativamente um ao outro, adquirem um movimento acelerado no sentido e direcção por eles definido, apenas se pode afirmar por convenção que existe algo, que recebe a designação de gravidade, que é causa desse movimento. Porém, a convenção é útil, na medida em que, aliada a outros princípios, permite facilitar a previsão dos resultados observacionais. A ideia de energia vital que se convenciona estar associada aos seres vivos, tal como é concebida, não proporciona qualquer método de previsão sobre o mundo concreto nem tampouco um método para corroborar essa previsão. Trata-se, portanto, de uma convenção puramente abstracta.

O homem, à semelhança dos seres animados, além de possuir a capacidade de se mover de um lugar a outro por si próprio, é capaz de mover outros objectos. Esta capacidade permite-lhes alterar o seu meio de modo a estabelecer causas que vão originar os efeitos que lhes estão associados, como é o caso de activar um interruptor cujo efeito será o de acender uma lâmpada eléctrica. Diz-se que um indivíduo age sempre que altera o seu meio, produzindo causas que resultem em efeitos consequentes. Podem-se conceber vários cenários relativamente ao conhecimento das relações causa e efeito. Um indivíduo pode agir, alterando o meio, de modo a produzir as causas que levam ao efeito esperado de acordo com o seu conhecimento de causa e efeito. Diz-se, neste caso, existe intenção na acção do indivíduo em produzir determinado efeito. O indivíduo pode agir com a intenção de produzir determinado efeito mas, dado o seu conhecimento errado das causas e efeitos, produzir um efeito diferente do esperado ou produzir o efeito esperado em simultâneo com efeitos imprevistos. Pode também agir sem qualquer conhecimento das relações causa e efeito. Os efeitos obtidos deste modo não são intencionais, na medida em que não eram esperados pelo interveniente, quer tenha existido intenção em eventos alternativos. No entanto, não parece ser possível despir a acção de um indivíduo de uma inteção em alterar, de algum modo, o seu meio, que pode ser simplesmente a sua posição no interior de uma sala. Pode ainda agir de modo a produzir determinadas causas e investigar os efeitos com o objectivo de estabelecer relações de causa e efeito que lhe eram desconhecidas. Este último cenário é conhecido como experimentação. O processo de instrumentação consiste no recurso aos princípios conhecidos para construir cadeias de relações causa e efeito mais complexas. Num telescópio, por exemplo, são usados os princípios da óptica que permitem construir uma cadeia de relações causa e efeito que dão origem à relação cuja causa se determina pelo apontar a sua objectiva para um determinado objecto, sendo, o efeito, a imagem ampliada do objecto na ocular. É claro que um processo de instrumentação poderá envolver mais do que um aparelho. Na pesagem, por exemplo, para além da balança, são necessários os pesos padrão. A arte, por seu turno, consiste na aplicação do conhecimento das relações causa e efeito na produção de ferramentas, instrumentos ou objectos que portam alguma utilidade prática ou artística. A descrição ou execução das acções necessárias para produzir um determinado objecto ou estabelecer um processo de instrumentação é designada por procedimento. Um indivíduo é capaz de submeter o seu sistema de crenças à realidade concreta por intermédio de um procedimento. É natural assumir que um procedimento diferente leve a uma corroboração diferente da realidade concreta. Por exemplo, dois objectos podem ser considerados como sendo de diamante se forem submetidos à observação simples e, por outro lado, um deles pode ser considerado como sendo de zircónia cúbica quando as suas propriedades refractivas são analisadas.

Não é prático um único indivíduo conhecer os procedimentos afins a todas as artes. Um fabricante de lápis, por exemplo, apesar de conhecer os processos do fabrico desse tipo de objecto, não está ciente dos processos necessários à obtenção da madeira e da extracção da grafite que os constitui, bem como da produção das ferramentas que usa para o seu fabrico. Esta observação é suficiente para convencer que, mesmo que o sistema de crenças de um indivíduo nos padrões de causa e efeito concordem com a realidade concreta, este não os conhece em toda a sua extensão. No que concerne ao processo de instrumentação, um indivíduo pode conhecer o conjunto de causas e efeitos proporcionados por um determinado instrumento sem que possua qualquer conhecimento sobre as causas e efeitos que lhe são internas, isto é, o modo do seu funcionamento. É possível, mesmo assim, não saber como funciona determinado instrumento, nem o procedimento que deve seguir para a sua correcta utilização, nem tampouco interpretar as relações de causa e efeito que este possa proporcionar. Por exemplo, um indivíduo que não seja versado em física ou química, não conhece os meios como deve utilizar um espectómetro de massa nem entender a sua finalidade, a qual lhe permitiria separar moléculas com diferentes massas. Um físico ou químico, por seu turno, poderá entender a finalidade do aparelho e usá-lo com vista à separação molecular, entender os princípios sobre os quais este funciona, sem saber como este foi concebido. Esta característica prática da actividade baseia-se na relação de confiança. Um físico ou químico confia que o aparelho que usa está de acordo com os princípios sobre os quais o instrumento que usa deve funcionar. Neste caso, se essa confiança não existir, o físico ou químico pode testar o aparelho, fazendo-o actuar sobre misturas conhecidas de moléculas das quais sabe o resultado a ser esperado, o qual não deve variar, dentro de limites de tolerância, entre testes da mesma natureza. Um indivíduo que não conhece, quer o aparelho, quer os princípios, deverá cingir-se à confiança, tanto nos físicos e químicos que o usam, como nos fabricantes do aparelho. Se essa confiança não existir, a utilização da espectrometria de massa na determinação da qualidade de um medicamento, por exemplo, será encarada, por esse indivíduo, como um espectáculo com nenhuma utilidade prática. O reverso também pode acontecer. É possível conceber um instrumento que, apesar de funcionar sobre princípios conhecidos, como a medição da resistência eléctrica da pele, seja utilizado na determinação de alergias, se não existir uma relação de causa e efeito entre a resistência da pele entre determinados pontos do corpo, sobre a qual se baseia o funcionamento do aparelho, e a existência de alergias. Um indivíduo que não compreenda os princípios poderá acreditar em quem afirma que um aparelho do género permite determinar o tipo de alergias que tem tendência a ficar sujeito.

A definição do tempo é efectuada por intermédio da atribuição de um número às percepções que são observadas em simultâneo, considerando o estado de um objecto que possua um movimento conhecido. O movimento aparente do sol em torno da terra, por exemplo, marca a duração do dia natural e o seu movimento aparente relativamente às estrelas fixas, marca a duração do ano. Os relógios, por seu turno, são dispositivos criados para facilitar e aumentar a precisão na medição do tempo. Uma vez que é possível atribuir uma medição de tempo a quaisquer causas e consequentes efeitos, pode-se considerar que existe uma relação entre o tempo e os demais eventos. Se, por exemplo, um corpo partir de um ponto inicial com velocidade constante, ao fim de uma unidade de tempo, este encontrar-se-á a uma unidade de distância do ponto de partida. Deste modo, se o relógio se encontrar na posição associada a um segundo, o corpo encontra-se a uma unidade de medida do ponto inicial. Existe aqui uma relação entre a posição do relógio e a posição do corpo. Além disso, se o corpo não distar em uma unidade de distância da posição inicial, então o relógio não se encontrará na posição associada a uma unidade de tempo. No entanto, dado que o corpo pode-se encontrar a uma distância de uma unidade da posição inicial sem que exista um relógio, é claro que não se trata de uma relação de causa e efeito. O tempo não é causa dos eventos mas está-lhes relacionado. O clima no hemisfério norte depende da posição desse hemisfério em relação ao sol e essa posição varia devido ao movimento de translação da terra e do seu eixo de rotação que permite definir o hemisfério sobre a esfera terrestre se encontrar inclinado relativamente ao plano de translação. Se se usar o movimento aparente do sol relativamente às estrelas fixas, existe uma relação entre essa posição e o clima. Se se usar o movimento aparente de outros astros na medição do tempo, irá existir uma relação entre as suas posições aparentes e o clima. Uma vez que o clima influencia o resultado do plantio, em agricultura, pode-se afirmar que existe uma relação entre a posição dos astros e a melhor altura para o plantio no hemisfério norte. Se se subtrair o conhecimento sobre a posição relativa do hemisfério norte relativamente ao sol influenciar o clima, torna-se intuitivo estabelecer que a relação entre a posição dos astros e a melhor altura para o plantio ser uma relação de causa e efeito, ao invés de se tratar de uma relação puramente temporal. Por analogia, existirá uma relação de causa e efeito entre a posição dos astros e, por exemplo, o estado de saúde de um indivíduo em particular, o seu estado de espírito, o estado de saúde de um animal ou a localização de uma mina de pedras preciosas. A crença neste tipo de relações de causa e efeito poderão estar de tal modo arraigadas que constituem a verdade no mundo particular de muitos indivíduos.

Do mesmo modo que é possível conceber objectos abstractos sem qualquer relação com a realidade concreta, é também possível a concepção de relações de causa e efeito que nunca foram percepcionadas. Esta característica permite discursar sobre este tipo de relações sem ser necessário corroborá-las, incluindo, no seu âmbito, situações passadas, previsões futuras, situações inatingíveis para o receptor ou relações afins ao estado de espírito. Permite ainda criar teorias sobre como relações de causa e efeito observadas podem ser decompostas em princípios conhecidos, bem como teorizar novos princípios. As teorias podem ser corroboradas, construindo, ao nível lógico, relações de causa e efeito complexas, alterando o meio de modo a produzir essas causas e observar se os efeitos coincidem com os esperados. Por exemplo, segue-se dos princípios electromagnéticos que a velocidade da luz, sendo esta de natureza electromagnética, é sempre a mesma, independentemente do referencial inercial que se usa. Deste modo, a medição da velocidade da luz no ar, quer em repouso, quer sobre uma estrutura que se mova a velocidade constante, será o mesmo. A causa dada pela determinação de duas medidas da velocidade da luz deverá ter, como efeito, o mesmo resultado. Se assim se verificar, os princípios do electromagnetismo conduzem a uma conclusão válida. Caso contrário, todo o processo terá de ser revisto, sendo necessário a criação de novas teorias. É neste conceito que se baseia o método científico. Por outro lado, muito do conhecimento particular a cada indivíduo é aprendido da sociedade. É muito frequente serem ensinados na escola princípios que não são submetidos à experimentação porque não é prático fazê-lo. Porém, se se pode aprender princípios que foram submetidos ao teste da prova, também se pode aprender princípios que não. Por fim, cabe ao indivíduo que aprende, desta ou daquela forma, acreditar ou não se um princípio é válido e outro não, na medida em que ele próprio não é capaz de o submeter à experiência. Em última instância, não é suficiente afirmar que um princípio é válido, isto é, que descreve a realidade concreta mediante determinada forma de corroboração, porque foi submetido à experiência, dado que o indivíduo tem de acreditar na validade do princípio, que este foi submetido à experiência e na capacidade e seriedade dos experimentadores que o submetaram à prova. Um dos argumentos que os terraplanistas apresentam contra a esfericidade do planeta baseia-se, precisamente, na descrença naqueles que o observaram do seu exterior. A predisposição psicológica para acreditar neste ou naquele argumento, sem possibilidade de o submeter à prova dos sentidos, tem grande influência no mundo particular de cada um. A planura da terra é uma verdade no mundo dos terraplanistas.

Suponha-se que um homem possua um conhecimento muito restrito do mundo. Quando se encontra perante uma árvore cujos frutos não consegue alcançar, deverá esperar que estes caiam. Suponha-se que o homem decide rezar, pedindo, nas suas preces, que um fruto caia. Na eventualidade da queda do fruto, o homem poderá assumir uma relação causal na qual a queda do fruto é o efeito que tem por causa do acto de rezar. Suponha-se, dado ser possível conceber relações de causa e efeito que não tenham sido corroboradas pela realidade concreta, que o homem admite como princípio que a sua prece é eventualmente escutada por um espírito da floresta que lhe proporciona o fruto sempre que o pede. Segue-se desse pressuposto que a queda do fruto é, em primeira instância, causada por uma determinada entidade. O raciocínio do homem poderá ser suficiente para estabelecer um sistema de crenças sobre a realidade concreta que comtempla um espírito da floresta, tendo como justificação, a queda de um fruto após um tempo de reza arbitrário. Certo dia, um fruto cai sem que o homem tenha tido a oportunidade de rezar. O que daqui se pode concluir é que a reza não é, portanto, a única causa possível para a queda do fruto. O fruto deverá ter caído, movido por outra causa. De acordo com o seu princípio, o espírito da floresta poder-lhe-á ter proporcionado o fruto sem que este lhe dirigisse alguma prece. Conclui, portanto, que a causa da queda do fruto é produto da vontade dessa entidade, atribuindo uma intenção à queda do fruto. Mesmo que se venha a determinar uma causa material para a queda do fruto, como a diminuição da resistência mecância do apêndice que o suporta, o princípio abstracto considerado continua a ser aplicado desde que se assumiu alguma intenção ou vontade que determinou a queda do fruto. A resistência do suporte dos frutos diminui na medida em que é essa a vontade do espírito da floresta. Se, para qualquer relação de causa e efeito que se observa, se convencionar que esta resulta, em primeira instância, da vontade de um ente abstracto, não há forma de o provar, na medida em que se trata de uma convenção, nem há forma de provar o seu contrário, dado que se convenciona funcionar para todas as relações de causa e efeito que se observam. De facto, prova-se o contrário se se provar que, se nenhum efeito se observar, então não existe espírito da floresta. Porém, há sempre um efeito em algum instante, na medida em que o fruto acaba sempre por cair. Este problema de corroboração com a realidade resulta do facto de, para cada teoria que explica a realidade concreta, é possível criar uma teoria alternativa, considerando que existe um causa intencional para cada princípio dessa teoria, que explica os mesmos fenómenos, mas nada consegue prever na ausência dos outros princípios. A gravidade também é uma convenção aplicada sobre todos os movimentos que objectos assumem entre si, de determinada maneira. Não se consegue provar se existe ou não. De facto, considera-se que a gravidade consiste na deformação do espaço-tempo pela massa dos objectos, isto é, é o espaço-tempo que existe, sendo a gravidade uma característica. No entanto, é possível extrair consequências mensuráveis, a partir dos princípios que lhe estão associados, na completa ausência dos outros princípios, como os das outras interacções fundamentais.

O que o homem observa da natureza é resultado de relações causais específicas. Por exemplo, a visão é o efeito cuja causa consiste na incidência da parte da luz reflectida pelos objectos na retina dos olhos. A sensação de som, por seu turno, é o efeito causado no ouvido pela propagação de ondas de pressão do ar que, por sua vez, é causada por acções mecânicas sobre os objectos. A sensibilização dos sentidos tem, como efeito, a activação de circuitos neuronais dos quais se extraem os padrões que permitem a representação mental da realidade. De outra parte, têm como consequência, o despoletar de emoções que podem levar a reacções físicas que, em alguns casos, nem sequer são submetidas ao crivo da razão. Quando alguém toca num objecto que se encontra a uma temperatura muito elevada, reage o mais rápido possível de modo a desfazer o contacto. É habitual que uma reacção do género seja de tal forma rápida que não é evitada por um processo consciente. Para além da classificação dos padrões que levam à determinaçao dos objectos, seus tipos e relações espaciais, temporais e conceptuais, dá-se também uma classificação dos mesmos padrões no que concerne ás emoções que estes causam. Dependendo das situações, estas podem causar, por exemplo, medo, ira, relaxamento ou alegria. As emoções têm um peso muito grande na reacção do homem face ao que acontece ao seu redor. Algumas das reacções tendem a manter ou exacerbar determinada emoção, como é o caso da alegria, ou tentar evitar o que está na origem da emoção, como é o caso do medo. De um modo geral, poder-se-á conceber que, a cada emoção, se encontra associada uma sensação de prazer ou de dor. A reacção do homem saudável é habitualmente tomada no sentido de aumentar o prazer e diminuir a dor. As reacções emocionais não se cingem apenas a determinados efeitos, mas também aos objectos em si. Um objecto é considerado belo, por exemplo, se a sua percepção causar uma emoção agradável. No entanto, ao contrário do que sucede com a capacidade de discernir padrões entre si, como é o caso da identificação de objectos, que pouco varia para a grande maioria das pessoas, as emoções podem variar substancialmente entre sujeitos. Um objecto pode ser considerado belo por um determinado número de pessoas e feio por tantas outras. Certas acções podem ser consideradas boas ou más se os seus efeitos causarem prazer ou dor.

Se um indivíduo pedir a outro que lhe retorne o objecto mais belo, poderá ser-lhe retornado o objecto que considera feio, na medida em que é belo para quem o retornou. Neste cenário, torna-se evidente que a propriedade definida pelo ser belo não é suficiente para determinar inequivocamente um objecto quando estão envolvidas mais de uma pessoa. Se todas as pessoas considerarem belo os mesmos objectos, estas vão acordar com a mesma distinção e, portanto, uma emoção associada a uma percepção entra em pé de igualdade com a sensação no que concerne à identificação de objectos da realidade concreta. É natural assumir que o belo existe na realidade concreta da mesma maneira que existem as cores ou os vários tipos de som. Se todas as pessoas concordarem na classificação de todas as acções que observam como boas ou más, é difícil determinar se a bondade e a maldade existem ou não na realidade concreta. De facto, se apenas um reduzido número de pessoas não considerar esta ou aquela acção má, incorre-se no cenário de considerar que estas padecem de alguma doença, à semelhança daqueles que não conseguem distinguir as cores. O processo de instrumentação, na medida em que funciona no domínio das sensações, não permite determinar se um objecto é belo ou se uma acção é boa. Para tal acontecer, seria necessário determinar uma forma de medir as reacções emocionais face à realidade que se apresenta sobre os sentidos. Isso seria conseguido, identificando os circuitos neuronais que são activados pelas respectivas percepções e associando os padrões resultantes às emoções. Para o efeito, ter-se-ia de determinar se padrões neuronais idênticos resultam em emoções idênticas, discernir entre as emoções internas e as que são causadas pela percepção, discernir entre padrões puramenta percepcionais e emocionais e assumir que todas as emoções sentidas envolvem a activação desses circuitos. Apesar desta última hipótese ser a mais provável, foi deixado em aberto na proposta e ontologia se se verifica ou não. Se fosse possível identificar todos os padrões neuronais, seria necessário associá-los à respectiva emoção. Tal só é possível, sempre que o padrão se verifique, se o indivíduo sujeito à experiência, para além de ser honesto relativamente à emoção que sente, for capaz de classificar a emoção correspondente ao padrão observado e for capaz de transmiti-la com rigor suficiente, utilizando a linguagem adequada. Se se continuar a medir os padrões neuronais enquanto o sujeito descreve a emoção que sentiu, talvez seja viável determinar em que medida está a ser honesto. Porém, não parece fácil determinar se este é exacto na descrição da emoção que sente.

Diz-se abstracto qualquer conceito do qual não se pretende colocar à prova da percepção, isto é, para o qual não está definido um procedimento que o permita corroborar na realidade concreta. Por exemplo, a energia vital é um conceito abstracto, na medida em que, apesar de se considerar existir em todos os seres vivos, não foi descrito qualquer procedimento que permita submetê-lo à avaliação da percepção, quer se considere de forma directa, quer se interponha algum processo instrumental. No passado, considerou-se que as substâncias orgânicas podiam apenas ser sintetizadas no interior de organismos vivos, o que demonstraria a existência de algo peculiar aos seres vivos que lhes permitisse sintetizar esse tipo de subdstâncias e que poderia receber a designação de energia vital. Porém, a síntese da ureia no exterior de um ser vivo, a partir de substâncias inorgânicas, levou à conclusão que não se poderia atribuir uma relação de causa e efeito entre a existência de uma substância orgânica e a sua origem ser num ser vivo. A percepção de objectos pode desencadear emoções diferentes das que o permitem classificar com belos ou bons, podendo essas emoções estarem associadas a um determinado tipo de energia. No caso em que apenas uma parte dos indivíduos sente esse tipo de emoções, é possível estabelecer uma classificação, designando por sensíveis aqueles que sentem a emoção e por insensíveis aqueles que não sentem. É claro que se cada objecto que se possa diferenciar por intermédio da percepção possui uma energia diferente, então, do ponto de vista dos insensíveis, a energia dos sensíveis nada mais é do que uma definição e não pode ser submetida à prova. Por outro lado, se objectos idênticos possuírem energias distintas, as quais podem ser identificadas, é possível submeter à prova se a emoção permite determinar os objectos em questão. Para o efeito, podem-se dispôr um certo número de objectos idênticos sobre uma mesa, identificando as respectivas posições. O sensível escreve num papel que tipo de energia tem cada objecto e entrega a um moderador. Um determinado número de insensíveis altera a posição dos objectos, anotando, num papel, a permutação que efectuou. Essa alteração não pode ser observada pelo sensível. Finalmente, o sensível determina a energia de cada objecto, escrevendo a posição e o tipo de energia num papel. A comparação da configuração final indicada pelo sensível com o resultado da aplicação das permutações dadas pelos insensíveis permite determinar em que medida o sensível fora capaz de identificar o objecto à energia que tinha obtido originalmente. Se se chegar à conclusão que o sensível não identifica, de um modo geral, o objecto e a sua energia, o sensível ainda pode argumentar que os insensíveis não tenham sido honestos ou precisos na sua tarefa de escrever a permutação que efectuaram nos objectos. O argumento da confiança continuaria a valer no caso em que as permutações se obtessem aleatoriamente e uma máquina procedesse à sua permutação, na medida em que o sensível, não possuindo conhecimento sobre o seu funcionamento, teria de ter uma relação de confiança com o construtor.

Apesar das emoções que as pessoas sentem quando percepcionam um objecto serem diferentes entre elas, sendo muito semelhante o modo como apartam as características que os diferenciam, é possível convencionar certas propriedades abstractas sobre objectos com formas específicas de modo a que as emoções que lhe estejam associadas sejam semelhantes para aqueles que seguem essa convenção. Dado constituir uma convenção, como foi visto anteriormente, apenas providencia uma hipótese adicional sobre a realidade concreta, não pondo em causa qualquer outro princípio. Objectos com essas propriedades são conhecidos como símbolos. Tratando-se de uma convenção, não traz qualquer conhecimento sobre a realidade concreta. No entanto, porta utilidade na medida em que permite moldar o estado emocional e o próprio comportamento humano. A cruz, por exemplo, tendo uma conotação do bem, auxilia pessoas que acreditam na sua simbologia a aliviar emoções com carácter negativo, normalmente associadas ao mal, que podem resultar, quer a partir de determinadas percepções, quer da capacidade de imaginação de realidades concretas alternativas baseadas no processo de imaginação. A objectos abstractos poderão estar associadas emoções com conotação negativa, isto é, emoções que, por causarem alguma espécie de dor, têm tendência a ser evitadas, em contraste com as emoções positivas que, sendo as que causam prazer, tendem a ser procuradas. Uma grande variedade de seres abstractos que desencadeiem emoções negtivas, tais como o medo ou a ira, pode ser combatida com o auxílio de símbolos que transportem uma conotação positiva, como é o caso da cruz. A utilização de símbolos tem a vantagem de materializar as emoções e torná-las susceptíveis da lógica de acção, causa e efeito que se verifica na realidade concreta. De modo a combater os seus monstros internos, poder-se-iam conceber entidades benignas que lhes sejam antagónicas. No entanto, a utilização de simbologia tem a vantagem de facilitar a convenção, na medida em que esta é realizada sobre objectos que se distinguem por intermédio da percepção, ao contrário das entidades abstractas, que requerem o uso da linguagem. A religião, para além dos símbolos, recorre-se de entidades abstractas nesses sentidos, sendo a sua convenção realizada por intermédio da linguagem na forma de parábolas e confabulações. As práticas mágicas ou rituais usados nas religiões, que não devem ser confundidas com o espectáculo de ilusionismo baseado na ilusão da percepção, actuam, portanto, sobre as partes emocionais dos praticantes.

O homem é facilmente convencido de que é constituído por uma parte material, o corpo, sobre o qual habita uma determinada essência imaterial que designa por alma. Tal divisão é intuitiva, na medida em que, numa percepção, existe aquilo que é observado e aquilo que observa. O corpo faz parte daquilo que é observado, uma vez que é percepcionado. Aquilo que percepciona é a alma, a qual não se percepciona a si própria e é nesta que se origina a intenção que dirige as acções do corpo, que tem a capacidade de se mover por si próprio, no mundo concreto. Na proposta de ontologia é deixado em aberto se uma entidade imaterial existe apesar dos fenómenos relacionados com a percepção ou com a emoção não requererem essa hipótese. A analogia é uma das formas de conceber teorias sobre a realidade concreta e até mesmo sobre a abstracta. De modo análogo à separação entre uma parte material e uma parte imaterial do homem, a realidade também se divide numa parte material que é dirigida por uma parte imaterial, da qual advém a intenção de todas as acções do mundo. Observou-se atrás que se se considerar uma intenção sobre todos os princípios conhecidos, obtém-se uma teoria que explica os mesmos fenómenos. De acordo com a analogia, do mesmo modo que o homem é criado à nascença, também foi criado o mundo e essa criação, à semelhança de qualquer outra acção, foi determinada por uma intenção. Sendo a criação do homem movida pela intenção que criou o mundo, essa intenção é superior ao homem e, portanto, divina. Uma vez que o homem actua de acordo com a sua intenção e que as suas acções podem ser consideradas boas ou más, é natural assumir que existe uma intenção divina para as intenções dos homens. Nas principais religiões é aceite que a intenção divina é que as intenções dos homens sejam boas, isto é, que se algo de mal advier de uma acção humana dirigida, esse mal teria de acontecer por acidente e não por ter sido pretendido. A religião estabelece, portanto, as normas sobre que intenções devem ser consideradas boas ou más, tendo por base uma justificação que se encontra no mundo imaterial, mormente de carácter divino. Essas justificações, por seu turno, tendem a ser consideradas como verdades imutáveis que não são susceptíveis de se submeterem à discussão, as quais, por convenção, teriam sido obtidas do divino por intermédio de determinadas pessoas, ou profetas. Apesar de serem aceites com base na fé pelos que acreditam, padece do problema fundamental de que os profetas possam não ser honestos ou precisos no que se refere à sua suposta ligação ao divino.

No passado remoto, dado o parco conhecimento sobre o mundo concreto, seriam as teorias de analogia que mais se adequassem à determinação dos princípios que regem o mundo. De facto, é razoável atribuir uma intenção divina, admitindo que esta existe, a um terramoto que destruiu uma cidade com a finalidade de erradicar todo o mal que lá se praticava. Tal explicação não pode deixar de ser encarada como racional mas requer a existência de uma entidade abstracta. Um terramoto pode ser explicado pelos princípios da hidrodinâmia, admitindo que a crosta terrestre é constituída por placas, designadas por placas tectónicas, que flutuam num manto líquido, as quais, colidindo entre si, originam terramotos. Esta última explicação, independentemente de certa ou errada, encontra-se livre de uma causa imaterial. Note-se que continua a ser possível atribuir uma intenção ao facto da superfície da terra ser desta forma e não de outra. Porém, numa das explicações, teria sido admitido que existiria um mal na cidade que devia ser eliminado, enquanto de acordo com a outra hipótese, a cidade teria sido destruída por um infeliz acaso. A filosofia permitiu investigar os fenómenos, usando a razão, com o mínimo recurso a entidades sobrenaturais. Esta dividia-se em duas áreas claras, nomeadamente, a filosofia natural, que permitia descrever os fenómenos da realidade concreta, isto é, aqueles fenómenos que se relacionam com a percepção, e a filosofia determinada a investigar, por si, a parte das emoções que permite identificar os objectos como belos ou as acções como boas ou más, bem como os problemas que se colocam sobre a própria percepção dos objectos. A filosofia natural, aliando, à razão, o método empírico, tornou-se na ciência. As demais artes, como a literatura, a poesia, a pintura, a escultura ou a música, estabelecem métodos de como tirar o melhor partido as reacções emocionais às percepções de modo a suscitar prazer. Existe ainda um outro tipo de conhecimento no qual as crenças se assumem como verdadeiras sobre a realidade concreta sem ser proposto um procedimento que as possa ou não corroborar, ou, quando são propostos tais procedimentos e estes não as corroboram, são ignorados em favor da teoria que aceitam como válida. Este tipo de sistema de crenças é denominado por pseudocientífico e os seus argumentos são baseados na exploração de todas as dificuldades que existem no conhecimento da realidade concreta.