quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Simetrias quebradas e as massas de bosões de aferição

Tem sido muito badalada a experiência levada a cabo no CERN cujo objectivo se prende com a averiguação experimental de um bosão que se deduz teoricamente do Modelo Padrão através da aplicação do mecanismo de Anderson-Brout–Englert–Higgs-Guralnik-Hagen-Kibble (este nome pomposo serve apenas para enfatizar o facto de que o mecanismo foi desenvolvido por uma série de pessoas). Este mecanismo foi idealizado por Anderson e o respectivo tratamento relativista foi envidado independentemente pelos outros autores.
Entre os artigos basilares das teorias que envolvem quebras espontâneas de simetria, um, Broken symmetries and the masses of guage bosons de Higgs ou Simetrias quebradas e as massas de bosões de aferição, encontra-se disponível.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Equivalência entre massa e energia

Como já o referi anteriormente, é frequente encontrar na web diversos textos onde é posto em causa a possibilidade de Einstein ter formulado a Teoria da Relatividade numa única manifestação de génio mas tendo-se inspirado numa série de autores que trabalharam no assunto antes dele sem fazer as devidas citações. É, contudo, esta a particularidade mais marcante do seu artigo Sobre a electrodinâmcia dos corpos em movimento, no qual não encontramos, para além da referência à teoria de Maxwell e da experiência de Michelson-Moreley. De facto, construiu a teoria sobre o princípio da relatividade muito antes defendido por Poincaré no decurso das suas críticas à Teoria de Lorentz e sobre o princípio da constância da velocidade da luz também considerado por Poincaré mas não como um princípio fundamental. Aqui também descreve o conceito de sumultaneidade e sincronização de relógios atribuídos a vários observadores por intermédio de sinais de luzes cuja reflexão levou alguns anos a maturar com Poincaré (ver A medição do tempo e A teoria de Lorentz e o Princípio da Reacção - faltando a tradução do artigo La Science et l'Hyptothèse - para fazer uma ideia dos pensamentos deste autor).
Depois desta discussão passamos à lei de equivalência entre massa e energia dada pela famigerada expressão E=mc2. Poincaré, no artigo A teoria de Lorentz e o Princípio da Reacção, discutiu a violação do princípio da reacção, calculando a energia contida num impulso electromagnético do ponto de vista de um observador em movimento recorrendo-se da Teoria de Lorentz e verifica que o campo electromagnético se comporta como um fluido com densidade de massa igual a E/c2. O autor verificou que uma massa que emite um impulso electromagnético deveria sofrer um recuo o qual estaria em contradição com o princípio da reacção, uma vez que o impulso deveria ser desprovido de massa e procurou uma explicação no éter. Foi Enstein quem começou a desanuviar o paradoxo (apesar de, tendo em conta as citações que faz - nenhumas - não estar ciente dele) no seu artigo: Dependerá a inércia de um corpo do seu conteúdo energético?
De acordo com este trabalho, um corpo que emite radiação perde massa de acordo com a conhecida fórmula. Resta fazer a pergunta: terá sido Einstein o verdadeiro autor desta ideia que resolveu o paradoxo de Poincaré?
Ora, em 1903, Olinto de Pretto, um industrialista e físico amador elaborou o artigo Hipótese do éter na vida do Universo no qual apresenta a sua teoria cosmogónica do espaço celeste. Neste artigo, o autor explica a origem da gravitação de uma forma muito semelhante à de Le Sage, como sendo o resultado das vibrações de um fluido de partículas designado por éter. Na página 14, o autor assume que a matéria, devido à sua interacção com o éter, consegue armazenar uma quantidade de energia dada por E=mc2 antes do referido artigo de Einstein. De Pretto vai ainda mais longe, na tentativa de explicar a luminosidade das nebulosas (página 34) que matéria e éter, isto é, matéria e energia são diferentes manifestações de uma mesma coisa.
Por incrível que possa parecer, Umberto Bartocci descobriu uma estranha relação entre Olinto de Pretto e Einstein. Vejamos:
  • Olinto de Pretto era irmão de Augusto de Pretto;
  • Augusto de Pretto era colega de trabalho e amigo de Beniamino Besso;
  • Beniamino Besso era tio de Michele Angelo Besso;
  • Michel Angelo Besso era colega de trabalho e amigo de Einstein no escritório de patentes onde ambos trabalhavam.
O facto de Einstein conhecer o trabalho de Olinto de Pretto é deveras provável e poder-se-á ter recorrido deste para assumir, numa base física mais coerente com o pensamento científico corrente, a equivalência entre a massa e a energia, explicando desta forma o paradoxo de Poincaré.
É, porventura, frequente considerar Einstein como um raro génio que revolucionou o pensamento físico. Contudo, pouco do que apresentou nesses dois artigos é verdadeiramente da sua autoria (não descurando a relativa mas não absoluta importância do seu trabalho), nos quais se recusou a mencionar as suas fontes de inspiração.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sobre a relação entre a emissividade e a absorção pelos corpos para o calor e a luz

A primeira hipótese no sentido de uma Teoria Quântica foi dada por Planck com o propósito de explicar a sua expressão para a distribuição da energia da radiação do corpo negro. O seu trabalho teve dois percursores fundamentais, nomeadamente, Kirchhoff e Boltzmann. O segundo autor desenvolveu a teoria cinética dos gases, a qual era criticada por Planck. O primeiro, mostrou que, numa situação de equilíbrio térmico, os poderes de emissão e de absorção dos corpos são iguais e independentes dos mesmos. Com base neste pressuposto, Planck, para estudar o problema, aproximou os corpos por um conjunto de osciladores aos quais aplicou a teoria cinética de Boltzmann. Esta aproximação é válida uma vez que o processo não depende do corpo escolhido.
Assim, é frequente traçar o início da Teoria Quântica até ao artigo de Kirchhoff (1860), Sobre a emissividade e absorção pelos corpos para o calor e a luz (para descarregar, escolher File->Download Original).
Como é óbvio, apesar de Kirchhoff tentar uma demonstração do princípio, este já era conhecido bastante antes. Nos finais do século XVIII, Pictet elaborou uma experiência que lhe permitiu concluir que o frio, tal como o calor, pode ser reflectido por espelhos. Prévost, para explicar o fenómeno sem atribuir a qualidade da radiação ao frio levou-o a enunciar o princípio do Equilíbrio móvel do calor, actualmente designado por Teoria das trocas que descreve a forma como o calor é trocado entre os corpos. Alvitrou ele que, quando um corpo se encontra em equilíbrio térmico com o seu meio envolvente, a quantidade de calor que recebe tem de igualar a quantidade de calor que emite. Este é basicamente o princípio que Kirchhoff se propôs demonstrar no trabalho supracitado.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A forma correcta de determinar as massas relativas das várias moléculas

Gay-Lussac na sua Memória sobre a combinação das substâncias gasosas propõe, com base nas suas observações experimentais, a lei que estabelece uma razão racional entre os volumes de espécies químicas no estado gasoso que se combinam. Por exemplo, 100 unidades de volume de oxigénio combinam-se com 200 unidades de volume de hidrogénio para formar 100 unidades de volume de vapor de água, isto é, um volume de oxigénio combina-se com o dobro do de hidrogénio. As proporções de todas as outras combinações químicas no estado gasoso são também de um para um ou de um para dois, ou de um para três, ou de dois para três, em suma, admitem sempre um valor racional.
Foi com base nesta descoberta experimental que Avogagdro apresentou, no seu artigo Uma forma de determinar as massas relativas das moléculas elementares dos corpos, e as proporções segundo as quais estas entram nas combinações, uma alteração à teoria das combinações de Dalton (o qual reintroduziu a teoria atómica de modo a explicar a lei das combinações de Proust). Segundo Dalton, as substâncias elementares combinar-se-iam átomo a átomo levando-o a propôr valores erróneos para os pesos atómicos. Por seu turno, Avogadro assumiu que mesmo as substâncias elementares poderiam ser constituídas por combinações de átomos em moléculas, aventando também a hipótese de que números iguais de moléculas de gases ocupam iguais volumes. Estas ideias permitiram a determinação de pesos atómicos mais exactos.
As descobertas de Gay-Lussac e as ideias de Avogadro foram rejeitadas pela comunidade científica de então. Um pouco mais tarde, desconhecendo o trabalho de Avogrado, o físico e matemático Ampère (cujo trabalho mais conhecido versa sobre electromagnetismo) sugere a agregação de moléculas em partículas obtendo uma explicação muito semelhante à de Avogrado. Encontra-se no texto Memória sobre a combinação das substâncias gasosas o excerto duma carta que Ampère dirigiu a Berthollet expondo as suas ideias sobre o assunto.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Memória sobre a Teoria das Ondas

Uma onda consiste numa perturbação que se propaga no espaço, com o auxílio ou não de um suporte material. Um flagrante exemplo constitui as ondulações produzidas à superfície da água originadas pela submersão de um corpo sólido onde a perturbação causada pelo sólido no ponto onde este é mergulhado se propaga na superfície do líquido. Um exemplo de ondas que não supõem a existência de um suporte material é-nos proporcionado pelos fenómenos electromagnéticos aos quais pertence a luz e as ondas de rádio.
É frequente descrever a forma e evolução de uma onda por uma função sinusoidal. Esta visão, apesar de simplicista, atavia-se de uma carácter geral motivado por um resultado desenvolvido por Fourier aquando do seu estudo analítico do calor. Os métodos apresentados por este último autor permitiram a Poisson apresentar uma teoria elaborada das ondas à superfície de um fluido na sua Memória sobre a teoria das ondas na qual o autor critica os resultados de Newton e Lagrange sobre o tema.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Medição da velocidade da luz à superfície da Terra

Galileu é vulgarmente creditado com sendo o primeiro cientista a tentar determinara velocidade da luz. No tempo que lhe precedeu, os estudiosos acreditavam que o conceito de velocidade da luz era absurdo uma vez que esta era capaz de percorrer qualquer distância instantaneamente. A experiência de Galileu consistiu basicamente em enviar um sinal de luz a um assistente afastado de si de uma distância conhecida, o qual, após a sua recepção enviaria um sinal de volta. O intervalo de tempo entre o instante em que o sinal era enviado para o assistente e o instante em que o sinal era recebido de volta iria permitir determinar a velocidade da luz. Este método mostrou-se obviamente infrutífero, o que levou Galileu a concluir que se a luz não for instantânea, pelo menos a sua velocidade é extraordinariamente grande.
A primeira determinação efectiva desta velocidade foi feita por Roemer com base na observação de eclipses das luas de Júpiter. Este cientista verificou que a duração de um eclipse dependia da posição relativa entre a Terra e Júpiter, explicando o fenómeno com base na existência de um valor finito para a velocidade da luz. Assim, quando a Terra se encontra mais afastada de Júpiter, a transmissão dos sinais que indicam o início e o fim de um eclipse levam mais tempo para atingir a Terra.
A primeira medição à superfície da Terra que levou a um resultado relativamente preciso foi elaborada por Fizeu numa experiência que descreveu no seu artigo Sobre uma experiência relativa à velocidade da luz. Fizeu construiu um sistema de duas lunetas, colocando um espelho no foco de uma delas e um vidro transparente, inclinado a 45 graus entre o foco e a ocular da outra que permite receber a luz do Sol ou de uma lâmpada.
A luz é gerada por uma fonte, é reflectida pelo vidro transparente passando pelo foco, é reflectida a 8633 metros de distância e volta a passar pelo foco, atravessando o vidro transparente até uma ocular. No foco é interposta uma roda dentada com 720 dentes de modo que uma reentrância permita a passagem da luz enquanto um dente a bloqueia. A roda é colocada em rotação com o auxílio de um sistema mecânico de pesos.
Existe uma velocidade de rotação mínima para a qual não se dá qualquer passagem de luz através da roda dentada. Supondo que, quando a luz parte da fonte chega ao foco e encontra uma reentrância da roda e, enquanto a luz percorre os 17266 metros (ida e volta), a roda dentada revolve 1/720 de volta. Deste modo, quando a luz regressar ao foco irá ser bloqueada por um dente.
Se aumentarmos a velocidade de rotação, iremos ter uma velocidade múltipla da primeira segundo a qual, enquanto a luz percorre os 17266 metros, a roda gira de 2/720 de volta. Neste caso também nenhuma luz atravessa a roda dentada para a ocular.
Se w for a menor velocidade de rotação em rotações por segundo do disco para a qual não é observada luz pela ocular então a velocidade da luz vem dada por v=172266.720/w.

sábado, 20 de agosto de 2011

Sobre o princípio do último multiplicador e sobre o seu uso como novo princípio geral da dinâmica (por Jacobi)

No texto Sobre a Teoria dos Quanta apresentei um dos dois únicos artigos de Poincaré sobre a teoria quântica onde o autor demonstra que, para se verificar a lei de Planck para a radiação do corpo negro é necessário abandonar a descrição dos fenómenos mecânicos e electromagnéticos com base na aplicação de equações diferenciais - demonstrou-o, tendo em conta possíveis desvios à lei dentro dos parâmetros da tolerância experimental.
Contudo, construiu todo o seu edifício em torno daquilo que se designa por princípio do último multiplicador de Jacobi. Depois de algumas pesquisas, descobri um artigo de Jacobi no Journal des mathématiques pures et appliquées no qual este apresenta o seu método sobre equações diferenciais aplicável aos problemas da dinâmica genialmente utilizado por Poincaré.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Electromagnetismo - de Mileto a Poisson

Antes do conhecimento da electricidade, o homem estava ciente dos choques causados pelos peixes eléctricos. Estes fenómenos foram estudados mais tarde na antiguidade grega, romana e árabe.
Nas culturas mediterrânicas antigas era conhecido o facto de que, esfregando uma rodela de âmbar com pêlos ou lã, esta adquiria a propriedade de atrair objectos ligeiros como penas. O grego Thales de Miletos realizou uma série de observações em electricidade estática das quais concluiu que a fricção tornava o âmbar magnético em contraste com a magnetite que não carecia de tal fricção. Apesar do seu pressuposto estar incorrecto, hoje é conhecida a estreita relação entre as duas manifestações, a electricidade e o magnetismo. Estes fenómenos não passaram de meras curiosidades até ao início do século XVII, altura em que se dava uma revolução profunda nos modos de pensamento.
Ainda na era medieval, destaca-se o trabalho de Petrus Peregrinus sobre o magnetismo o qual se tornou deveras popular nos meios escolásticos. Este autor descreveu o procedimento do seguinte modo:
A magnetite tem uma propriedade semelhante aos céus. Aí sobressaem dois pontos relativamente a todos os outros sobre os quais revolvem as esferas celestes. Tais pontos recebem a designação de pólos norte e sul. Também na magnetite sobressaem dois pontos como é possível observar, seguindo um conjunto simples de preceitos. Recorrendo aos instrumentos usados para arredondar cristais, talha-se, numa pedra de magnetite, uma forma globular, a qual é polida. Coloca-se uma agulha sobre a pedra numa qualquer posição e deixa-se girar livremente. Traça-se uma linha ao longo da direcção da agulha. Repete-se o processo em outro ponto da pedra, resultando, do mesmo, uma outra linha. O processo é repetido tantas vezes quantas aprouver. Todas as linhas geradas intersectam-se em dois pontos do mesmo modo que os meridianos azimutais se encontram nos pólos. Para determinar qual dos pólos da pedra é o norte ou o sul, coloca-se a pedra num prato de madeira, flutuando num recipiente com água. Se deixarmos o prato girar livremente, ao fim de algum tempo, o pólo norte da pedra aponta no sentido do norte celeste, acontecendo o mesmo ao pólo sul.
Uma vez identificados os pólos, conseguiu determinar a famigerada lei:
Pólos de nomes contrários atraem-se e pólos do mesmo nome repelem-se.
A bússola é o instrumento que se baseia na orientação dos pólos magnéticos de uma pedra do género e já era conhecida muito anteriormente pelos chineses ou ainda antes pelos olmecas.
Historicamente, considera-se o início do estudo detalhado da electricidade e do magnetismo com William Gilbert que introduziu o termo “eléctrico”. Este autor é o primeiro a propor a hipótese de que a Terra se comporta como um grande magnete. Desenvolve os resultados de Pedrus, os quais são enquadrados numa descrição filosófica por Descartes, de acordo com a sua teoria dos vórtices de matéria. Nesta descrição, um vórtice de matéria sai de um dos pólos e reentra no outro. Este vórtice age sobre o ferro ou o aço, uma vez que estas substâncias possuem a capacidade de lhe oferecer uma enorme resistência. Curiosamente, esta teoria, não desvaneceu durante muitos anos e, tanto Euler como os Bernoulli, explicaram as suas teorias do magnetismo com base nesta simples ideia.
Por seu turno, Niccolo Cabeo parece ter sido o primeiro a observar que os corpos electrizados tanto se repelem como se atraem em conformidade com o magnetismo, apesar da sua diferente natureza ser já conhecida na altura. De facto, a magnetite atrai os corpos ferrosos quando interpomos uma folha de papel ou quando se encontra submergida em água. Ao contrário, os corpos electrizados cessam tais propriedades nas mesmas condições. A explicação física de Gilbert para o fenómeno baseava-se na emanação de um eflúvio que, apesar de não causar a diminuição de massa do corpo electrizado, era suficientemente potente para levitar os vários materiais. Esta explicação estava tão arraigada nas mentes da altura que a teoria da atracção universal de Newton não inspirou qualquer hipótese alternativa. Uma teoria bizarra mas interessante foi aventada por Gravesand segundo a qual o vidro contém no seu seio e em seu torno uma certa atmosfera que é excitada pela fricção e posta em movimento vibratório de modo a atrair e a repelir corpos pequenos. As ínfimas partes do vidro são agitadas pela fricção e, dada a sua natureza elástica, o seu movimento é vibratório que é comunicada à atmosfera supracitada.
Um pouco mais tarde, Gray e Desaguliers desenvolvem experiências que permitem concluir a existência de materiais capazes de transportar as propriedades eléctricas dos materiais entre dois pontos distintos bastante separados. Este último autor denominou-os de condutores. O resultado permitiu refutar a hipótese de que o eflúvio eléctrico estava condicionado aos objectos que seriam friccionados e poderia mover-se livremente entre os diferentes corpos. Foi Du Fay quem descobriu a natureza bivalente da electricidade, isto é, descobriu que existem dois tipos de electricidade. Este realizou experiências de contacto entre tubos de vidro e vários materiais. Folhas de ouro e o vidro tinham um comportamento oposto face aos materiais resinosos. A uns, designou por vítreos e a outros deu-lhes a designação de resinosos.
No seguimento destas experiências surge uma que merece alguma reflexão. O físico Pieter Van Musschenbroek, com o intuito de preservar as propriedades eléctricas, elabora uma experiência que viria permitir tanto amplificar a força eléctrica como armazená-la.

O aparato consistia numa garrafa de água arrolhada, onde era mergulhado um condutor. À extremidade exterior do condutor era aplicada fricção através de um globo giratório de vidro. De facto, na extremidade do condutor eram colocadas pequenas franjas metálicas para facilitar a carga. A ideia do autor consistia em carregar a massa de água, mantendo a carga com o auxílio do vidro. O seu colaborador, enquanto lavava a garrafa, toca por acidente na extremidade do condutor, apanhando um violento choque eléctrico. Tinha sido descoberto um método para armazenar e amplificar a propriedade eléctrica. Verificou-se que era possível aumentar o efeito se se revestisse parcialmente o exterior da garrafa com uma folha metálica.
As subsequentes experiências de Watson e Franklin recorriam a tal engenho e permitiram-lhes concluir que a electricidade é parte integrante dos corpos e conserva-se durante qualquer processo. A fricção dos corpos eléctricos apenas permite transferir, com maior ou menor dificuldade, electricidade entre eles. Ficava, assim assente o princípio da conservação da carga eléctrica. Outras experiências permitiram concluir que, quando um corpo electrizado se aproximava de um condutor, este adquiria, na vizinhança do corpo, características eléctricas opostas. Por exemplo, se se aproximasse um corpo electrizado resinoso de uma das extremidades de um condutor, este adquiria propriedades eléctricas vítreas.
O físico francês Coulomb recorreu à balança de torção para determinar, com a exactidão necessária, a relação entre as propriedades eléctricas, as distâncias e as forças originadas entre elas. Actualmente a lei de Coulomb escreve-se

Trata-se de uma forma semelhante à lei da atracção gravítica. É interessante notar que este autor era adepto da versão afim à teoria dos dois fluxos eléctricos. A constante de proporcionalidade e conceito de carga eléctrica surgiu mais tarde.
Pela mesma altura, Galvani descobriu acidentalmente que o músculo da coxa de uma rã previamente dissecada se contraía quando era submetida a uma descarga da garrafa de Leyden. Tal facto levou-o a indagar se seria possível obter as mesmas contracções de uma atmosfera eléctrica. Para o verificar, suspendeu de uma barra de ferro, por um gancho, uma coxa de rã. Quando tocava com o músculo da coxa na mesma barra, este contraía-se. Explicou o fenómeno considerando que o músculo da rã formava algo semelhante a uma garrafa de Leyden. O físico italiano Volta, na sequência das suas experiências com condutores, conclui que estes se classificam electricamente em dois tipos. Os de primeira espécie nos quais se contam o carbono e os metais e os de segunda espécie aos quais designou por electrólitos. Descobriu a possibilidade da produção de uma corrente eléctrica semelhante àquela produzida durante a descarga de uma garrafa de Leyden. Para o efeito, era suficiente interpor dois condutores da primeira espécie com um condutor electrolítico. Com este resultado em vista, foi imediata a criação da primeira pilha eléctrica, a qual é constituída por pares de discos de cobre (ou prata) e zinco (ou estanho) separados por um material húmido com uma solução salina.
Este autor viveu o tempo suficiente para ver os desenvolvimentos matemáticos desta área, os quais começaram a ser desenvolvidos por Poisson.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Sobre a aplicação â dinâmica de um método matemático previamente aplicado à óptica

Lagrange introduziu a noção da função potencial com o intuito de simplificar a dedução de algumas propriedades afins ao problema matemático da dinâmica do movimento de corpos que se atraem mutuamente (ver A Teoria do Potencial de Lagrange). Na sua obra Méchanique Analytique elabora as ideias fundamentais de modo a reduzir a determinação das equações diferenciais do movimento à aplicação de operações diferenciais bem definidas sobre um única função - por intermédio das equações que receberam o nome de equações de Euler-Lagrange.
No entanto, apesar da generalidade do método no que concerne à obtenção das equações válidas, não fornece qualquer pista intuitiva sobre os seus integrais intermédios e integrais finais. Com isto em mente, Hamilton estendeu a teoria de modo a contemplar, com o auxílio de uma função que designou por característica (previamente aplicada à óptica), obter os integrais intermédios e finais das equações diferenciais do movimento. Esta função é solução de um sistema de duas equações quadráticas diferenciais parciais nas variáveis iniciais e variáveis finais de primeira ordem.
Os seus resultados aplicados à dinâmica foram apresentados numa série de dois artigos cuja extensão é considerável. Apresento a tradução dum texto que serviu como resumo das suas ideias em Aplicação à dinâmica de um método previamente aplicado à óptica Sobre a aplicação à dinâmica de um método matemático geral privaiamente aplicado à óptica.

O Méchanique Analytique está disponível no Google Books:

domingo, 7 de agosto de 2011

Rudimentos duma Teoria Geral da Relatividade e duma Teoria da Gravitação

No texto Os Fundamentos da Física - Primeira Comunicação apresentei a ligação para a tradução da primeira comunicação de Hilbert onde este expõe, pela primeira vez, as equações gravitacionais correctas. Contudo, como é do conhecimento geral, foi Einstein quem dera maior impulso para a sua formulação em artigos anteriores ao de Hilbert, baseando-se na sua Hipótese da Equivalência entre as massas gravítica e inercial justificada pelas experiências de Eötvös. Neste contexto, é frequente existir referências a uma colaboração entre Einstein e o seu colega de turma, Grossman, com quem aprendeu os fundamentos matemáticos (geometria diferencial) necessários ao desenvolvimento duma teoria do género.
Traduzi um extracto da parte física dum artigo que ambos escreveram em conjunto sobre o tema, o qual coloquei, como é habitual, no skydrive: Rudimentos dum Teoria Geral da Relatividade e duma Teoria da Gravitação.

sábado, 23 de julho de 2011

Os primórdios da Teoria Quântica

É bem conhecido que as origens da Teoria Quântica se traçam até aos artigos de Max Planck nos quais este introduziu a sua hipótese dos quanta (ou elementos) de energia para explicar a fórmula que obteve, a partir do ajuste com dados experimentais para a distribuição da energia na radiação do corpo negro, como alternativa à expressão de Wien.
A fórmula que hoje tem o nome de lei de Planck da radiação do corpo negro foi introduzida numa comunicação que o autor fez em 1900 intitulada Sobre um melhoramento da Equação de Wien para o Espectro. Nesta comunicação reconhece o carácter probabilístico da mesma e propõe-se enveredar por uma explicação que apresenta no artigo de 1901, Sobre a lei da distribuição da energia no espectro normal. É neste artigo que se começa a enveredar por uma separação das ideias clássicas, as quais assumem a continuidade nas transições físicas como sendo um facto fundamental.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Acordo entre as leis da Natureza que até hoje pareciam incompatíveis

Apresento uma tradução da maior parte do texto de Maupertuis (1744) onde o autor expõe o princípio da acção mínima.

Não devemos exigir que os diferentes meios que temos ao nosso dispor para aumentar o conhecimento nos conduzam às mesmas verdades; mas será devastador verificar que o que a Filosofia nos proporciona como verdades fundamentais é desmentido pelos métodos da Geometria ou pelos cálculos da Álgebra.
Um excelente exemplo desta contradição recai sobre um tema dos mais importantes em Física.
Após a renovação das Ciências, mesmo depois da sua primeira origem, não foi feita nenhuma descoberta mais bela do que as leis que descrevem a luz; seja quando se move num meio uniforme, seja quando encontra corpos opacos e é reflectida pelas suas superfícies, seja quando encontra corpos diáfanos e altera a direcção do seu movimento quando os atravessa. Estas leis constituem todos os fundamentos da ciência da luz e das cores.
Mas talvez faça melhor sentir a importância se, em vez de apresentar um tema tão vasto, me concentre apenas em uma parte e apresentar aqui temas mais restritos e bem conhecidos, quando digo que estas leis constituem os princípios sobre os quais se encontra fundamentada esta arte tão admirável que, quando na velhice todos os órgãos se debilitam, aplica ao seu olho a primeira força, lhe aplica uma força que não tenha recebido da Natureza; esta arte que nos estende a vista aos últimos lugares do espaço, que a transporta até sobre as pequenas partes da matéria; e nos faz descobrir objectos onde a vista parece interdita aos homens.
As leis verificadas pela luz, quando se move num meio uniforme, ou quando encontra corpos que não consegue atravessar já eram conhecidas pelos antigos: aquilo que delineia o caminho que segue, quando passa dum meio para outro, é conhecido apenas desde o século passado; foi Snellius quem o descobriu; foi Descartes quem o tentou explicar; foi Fermat quem atacou a sua explicação. De aí até agora esta matéria tem sido objecto das pesquisas dos grandes Geómetras sem que tenhamos concordado esta lei com uma outra que é verificada pela Natureza ainda mais inviolavelmente.
Vejamos que leis são verificadas pela luz.
A primeira é, que num meio uniforme, se move em linha recta.
A segunda, que sempre que a luz encontre um corpo que não possa penetrar é reflectida; e o seu ângulo de reflexão é igual ao ângulo de incidência: isto é o mesmo que dizer que, após a reflexão, esta faz com a superfície do corpo um ângulo igual àquele com que o encontrou.
A terceira é, que sempre que a luz passa de um meio diáfano para outro, o seu trajecto, após o contacto com o novo meio, faz um ângulo com o que tinha no primeiro, e o seno do ângulo de refracção está sempre na mesma razão com o seno do ângulo de incidência.
Se, por exemplo, um raio de luz que passa do ar para a água é quebrado de tal modo que o seno do ângulo de refracção seja três quartos do seno do seu ângulo de incidência; em qualquer outra obliquidade que encontre a superfície da água o seno da sua refracção será sempre três quartos do seno da nova incidência.
A primeira destas leis é comum à luz e a todos os corpos: estes movem-se em linha recta, a menos que uma força estranha os desvie.
A segunda é a mesma que segue uma bala elástica lançada contra uma superfície impenetrável. A Mecânica permite demonstrar que uma bala que encontre uma tal superfície é reflectida segundo um ângulo igual àquele segundo o qual a encontrou; e é isto que é feito pela luz.
Mas é necessário que a terceira lei se explique assim tão facilmente. Quando a luz passa dum meio para outro, os fenómenos são todos diferentes daqueles correspondentes a uma bala que atravessa diferentes meios; e qualquer que seja a maneira que escolhemos para explicar a refracção, deparamo-nos com dificuldades que ainda não foram ultrapassadas. Escuso-me de listar todos os grandes homens que trabalharam neste assunto; os seus nomes constituem uma lista numerosa que corresponderá a um ornamento inútil a esta Memória, e a exposição dos seus sistemas formaria uma obra imensa: mas reduzirei a três classes todas as explicações que estes Autores no deram para a reflexão e refracção da luz.
A primeira classe compreende as explicações daqueles que quiseram deduzir as leis da refracção a partir de simples princípios da Mecânica. A segunda compreende as explicações que, além dos princípios da Mecânica, supõem que existe uma tendência da luz para os corpos, seja por uma atracção da matéria, seja por uma outra causa que possamos imaginar. Por fim, a terceira classe compreende as explicações que tiramos apenas de princípios metafísicos; daquelas leis segundo as quais a Natureza parece estar sujeita por uma Inteligência superior que, aquando da produção dos seus efeitos, fá-los, procedendo da maneira mais simples possível.
Descartes e os que o seguiram enquadram-se na primeira classe: consideraram o movimento da luz à semelhança do movimento duma bola que ricocheteia numa superfície que nunca cede; ou que, quando encontra uma superfície que cede, continua a avançar alterando apenas a direcção do seu movimento. Apesar da maneira como este grande filósofo tentou explicar estes fenómenos ser imperfeita, ele conseguiu o mérito de os tentar deduzir a partir de princípios simples da Mecânica. Inúmeros Matemáticos revelaram algum paralogismo que escapou a Descartes e fizeram ver o seu defeito.
Newton, desesperado por deduzir os fenómenos da refracção daquilo que chega a um corpo que se move contra os obstáculos ou que é empurrado no seio dos meios que lhe resistem de diferentes maneiras, recorreu-se da sua atracção. Esta força generalizada a todos os corpos proporcional à quantidade de matéria, além de expor a insuficiência da explicação cartesiana mas, admitindo uma tendência da luz sobre os corpos diáfanos e considerando-a como sendo causada por uma atmosfera producente dos mesmos efeitos da atracção, deduziu os princípios da refracção com a claridade característica em todos os temas que se debruçou.
Fermat foi o primeiro a notar o defeito na explicação de Descartes. Ele tentou desesperadamente deduzir os fenómenos da refracção a partir duma bola que é impulsionada contra obstáculos ou meios resistentes mas não recorreu às atmosferas em torno dos corpos nem à atracção; tanto quanto saiba, este último princípio não lhe era desconhecido nem desagradável: procurou explicar estes fenómenos sobre um princípio diferente e puramente metafísico.
Toda a gente sabe que quando a luz ou qualquer outro corpo vai dum ponto a outro por uma linha recta, escolhe o caminho e o tempo de percurso o mais curtos possível.
Sabemos também, ou podemos saber, que quando a luz é reflectida, segue então o caminho mais curto e leva o menor tempo. Demonstramos que uma bola que vai de um ponto até outro após ser reflectida num plano deve, para percorrer o caminho mais curto no tempo mais curto possível, fazer sobre este plano um ângulo de reflexão igual ao de incidência: pois se estes dois ângulos forem iguais, o comprimento das duas linhas que a bola segue é o mais curto e aquele que é percorrido em menos tempo que qualquer comprimento de outras duas linhas que fazem ângulos diferentes.
Eis o movimento directo e o movimento reflectido da luz, o qual parece depender duma lei metafísica, que indica que a Natureza, no decurso da produção dos seus efeitos, actua sempre da forma mais simples. Se um corpo vai dum ponto ao outro sem encontrar um obstáculo ou se atinge o ponto após ter embatido num obstáculo intransponível, a Natureza o conduzirá pelo caminho mais curto e pelo tempo mais imediato.
Para aplicar este princípio à refracção, consideramos dois meios penetráveis à luz, separados por um plano que constitui as suas faces comuns: suponhamos que um ponto donde parte um raio de luz esteja num desses meios e aquele que deverá chegar se encontra no outro; mas a linha que une estes dois pontos não seja perpendicular à superfície dos meios: admitimos ainda que, por qualquer que seja a causa, que a luz se move em cada um dos meios com diferentes velocidades. É claro que a linha recta que une os dois pontos é sempre aquela que corresponde ao caminho mais curto para ir de um ao outro mas não corresponderá ao caminho que leva ao tempo mais curto: este tempo depende das velocidades que a luz tem nos diferentes meios, é necessário, se o raio enveredar pelo caminho correspondente ao tempo mais curto possível que, quando encontra a face comum, parte-se de modo que a maior parte do seu trajecto seja percorrida no meio onde a sua velocidade é maior e a menor parte seja percorrida no meio onde se move mais lentamente.
É o que parece ser feito pela luz quando passa do ar para a água: o raio é partido de maneira que a maior parte do seu trajecto é percorrida no ar e a menor parte é percorrida na água. Se então, como é razoável de supor, a luz se move com maior rapidez no seio dos meios mais rarefeitos do que nos mais densos, se se move mais rapidamente no ar do que na água, irá seguir o trajecto que deveria seguir para chegar o mais imediatamente possível do seu ponto de partida ao respectivo ponto de chegada.
Foi com este princípio que Fermat resolveu o problema; por este princípio fidedigno de que a luz, durante a sua propagação e reflexão, percorra o caminho que leve o tempo mais curto possível, seguindo esta mesma lei durante a refracção: não hesitou em crer que a luz se move com maior facilidade e rapidez nos meios mais rarefeitos do que naqueles onde, para o mesmo espaço, encontre uma maior quantidade de matéria. Com efeito, é pertinente crermos à primeira vista que a luz atravessa com maior facilidade e rapidez o cristal e a água do que o ar e o vácuo?
Mas é o que acontece.
Descartes aventou primeiro que a luz se move mais rapidamente sobre os meios mais densos: e embora a explicação da refracção, que ele deduziu, fosse insuficiente, o seu defeito não adveio da suposição que fez. Todos os sistemas que fornecem uma explicação plausível dos fenómenos da refracção pressupõem o paradoxo ou o confirmam. Leibnitz quis conciliar o sentimento de Descartes com as causas finais: mas fê-lo através de suposições insustentáveis que não se enquadram com os outros fenómenos da Natureza.
Posto isto, que a luz se move mais rapidamente sobre os meios mais densos, todo o edifício que Fermat construiu se encontra destruído: a luz, enquanto atravessa diferentes meios não segue, nem o caminho mais curto nem aquele que corresponde ao tempo mais imediato; o raio que passa do ar para a água percorrendo a maior parte do trajecto no ar chega mais tarde do que se tivesse percorrido a menor parte. Podemos ver na Memória que Mayran deu sobre a reflexão e a refracção, a história da disputa entre Fermat e Descartes, o constrangimento e a impotência que tivemos até ora para concordar a refracção com o princípio metafísico. Meditando profundamente sobre esta matéria, pensei que a luz, quando passa dum meio para o outro, abandonando o caminho mais curto que corresponde à linha recta, poderá também não seguir aquele que leva o tempo mais imediato. Com efeito, que preferência deverá ter do tempo sobre o espaço? A luz não poderá seguir simultaneamente pelo caminho mais curto e por aquele que leva ao tempo mais imediato, porque segue um destes caminhos e não o outro? Também pode seguir nenhum dos dois; escolhe um trajecto que tem uma vantagem real: o caminho que toma é aquele para o qual a quantidade de acção é a menor.
É necessário agora explicar o que entendo por quantidade de acção. Quando um corpo é transportado dum ponto para o outro, é necessário para tal uma acção: esta acção depende da velocidade que animou o corpo e do espaço que o corpo percorreu; mas não se trata nem da velocidade nem do espaço escolhidos em separado. A quantidade de acção é tanto maior quanto maior for a velocidade do corpo e o trajecto percorrido; é proporcional ao comprimento dos espaços multiplicados pela velocidade segundo a qual os percorre. É esta quantidade que representa a verdadeira despesa da Natureza; é o que é poupado tanto quanto possível no movimento da luz.
Sejam dois meios diferentes separados por uma superfície representada pela linha CD de modo que a velocidade da luz no meio que se encontra sobre a superfície seja m e a velocidade da luz no meio que se encontra sob a superfície seja n.
Seja um raio de luz que parte do ponto A e que deverá chegar ao ponto B: para encontrar o ponto R onde este se deve quebrar, procuro o ponto onde o raio ao ser partido, a quantidade de acção seja a menor: e tenho mAR+nRB que deverá corresponder a um mínimo.
Ora, tirando sobre a superfície comum aos dois meios, as perpendiculares AC, BD; \(m\sqrt{AC^2+CR^2}+n\sqrt{BD^2+DR^2}=min\). Ora, AC e BD sendo constantes,
\[\frac{mCRdCR}{\sqrt{AC^2+CR^2}}+\frac{mDRdDR}{\sqrt{BD^2+DR^2}}\]
Mas, sendo CD constante temos dCR=-dDR. Temos então mCR/AR-nDR/BR=0 e CR/AR:DR/BR∷n:m que é o mesmo que dizer que o seno de incidência está para o seno de refracção na razão inversa da velocidade que a luz toma nos diferentes meios.

Todos os fenómenos da refracção estão agora de acordo com o grande princípio de que a Natureza, durante a produção dos seus efeitos, age sempre pelos trâmites mais simples. Deste princípio segue-se que quando a luz passa dum meio para outro, o seno do seu ângulo de refracção está para o seno do seu ângulo de incidência na razão inversa das velocidades que a luz porta em cada um dos meios.
Mas estes fundos, esta quantidade de acção que a Natureza economiza no movimento da luz ao longo de diferentes meios, também a poupa quando é reflectida pelos corpos opacos e durante a sua simples propagação? Sim, esta quantidade é sempre a mais pequena possível.
Em ambos os casos da reflexão e da propagação, a velocidade da luz mantém-se a mesma, a menor quantidade de acção corresponde ao caminho mais curto e ao tempo mais imediato. Mas este caminho mais curto e o mais percorrido é apenas uma consequência da menor acção: foi esta consequência que Fermat escolheu para princípio.
Uma vez descoberto o verdadeiro princípio, deduzo todas as leis que segue a luz seja durante a sua propagação, a sua reflexão ou a sua refracção.
Estou ciente da repugnância que muitos Matemáticos têm pelas causas finais aplicadas à Física e concordo mesmo com um certo ponto; admito o perigo que existe ao introduzi-las: o erro cometido pelos homens que sucederam Fermat prova o quanto o seu uso é perigoso. Podemos contudo dizer que não foi o princípio que os enganou, foi a precipitação de escolher as consequências para o princípio.

sábado, 2 de julho de 2011

Sobre a constituição dos átomos e moléculas - Primeira comunicação

No texto Sobre a constituição dos átomos e moléculas apresento a primeira parte do famoso artigo de Bohr de 1913 onde este aplica a teoria quântica ao modelo atómico de Rutherford, obtendo os tão usuais níveis de energia do átomo de hidrogénio sem qualquer tipo de justificação nas disciplinas de Físico-Química do ensino (outrora designado por secundário).
A introdução lê-se:

De modo a explicar os resultados das experiências de espalhamento de raios pela matéria, o Prof. Rutherford proporcionou uma teoria sobre a estrutura dos átomos. De acordo com esta teoria, o átomo é constituído por um núcleo positivamente carregado rodeado por um sistema de electrões unidos por forças atractivas do núcleo; a carga negativa total dos electrões iguala a carga positiva do núcleo. Além disso, assume-se que o núcleo constitui o lugar onde se concentra a maior parte da massa do átomo e possuir uma dimensão linear excessivamente pequena quando comparada com a dimensão linear de todo o átomo. O número de electrões num átomo é deduzido como sendo aproximadamente igual a metade do peso atómico. Um grande interesse é atribuído a este modelo do átomo; pois, como o mostrou Rutherford, o pressuposto da existência do núcleo, como aqueles em questão, parece ser necessário de modo a ter em conta os resultados das experiências no espalhamento de grande ângulo dos raios .
Numa tentativa de explicar algumas das propriedades da matéria com base neste modelo atómico encontramo-nos, contudo, com dificuldades de certa natureza que surgem da aparente instabilidade do sistema de electrões: dificuldades propositadamente evitadas em modelos atómicos previamente considerados, por exemplo, naquele que foi considerado por J. J. Thompson. De acordo com a teoria deste último, o átomo é constituído por uma esfera com electrização positiva uniforme dentro da qual os electrões se movem em órbitas circulares. A principal diferença entre o modelo atómico proposto por Thompson e aquele de Rutherford consiste na circunstância de que as forças que actuam nos electrões no átomo de Thompson permitem certas configurações e movimento dos electrões para o qual o sistema se mantém em equilíbrio estável; tais configurações, contudo, aparentemente não existem para o segundo modelo atómico. A natureza da diferença em questão será talvez encarada com maior clareza notando que entre as quantidades que caracterizam o primeiro átomo surge uma quantidade – o raio da esfera positiva – com dimensões dum comprimento e da mesma ordem de magnitude da extensão linear do átomo, enquanto um comprimento não surge entre as quantidades que caracterizam o segundo átomo, viz. as cargas e massas dos electrões e do núcleo positivo; nem este pode ser completamente determinado com base nestas últimas quantidades.
A maneira de considerar um problema deste género sofreu, contudo, alterações essenciais nos últimos anos devidas ao desenvolvimento da teoria da radiação e a afirmação directa dos novos pressupostos introduzidos nesta teoria, fundamentados por experiências sobre fenómenos muito diferentes como os calores específicos, efeitos fotoeléctricos, raios de Röntgen, etc. O resultado da discussão destas questões parece ser do conhecimento geral da inadequação da electrodinâmica clássica para descrever o comportamento à escala atómica.
Qualquer que seja a alteração nas leis do movimento dos electrões, parece ser necessário introduzir nas leis em questão uma quantidade alheia à electrodinâmica clássica, isto é, a constante de Planck, ou como é também é designada, o quantum elementar de acção. Com a introdução desta quantidade a questão da configuração estável dos electrões nos átomos é essencialmente alterada, uma vez que esta constante tem as dimensões e magnitude de que, juntamente com a massa e carga das partículas pode determinar um comprimento da ordem de magnitude requerida.
Este artigo constitui uma tentativa de mostrar que a aplicação das ideias mencionadas ao modelo atómico de Rutherford suporta uma base para a teoria da constituição dos átomos. Será ainda mostrado que desta teoria somos conduzidos a uma teoria da constituição das moléculas.
Na presente primeira parte do artigo o mecanismo da ligação dos electrões por um núcleo positivo é discutido em relação à teoria de Planck. Será mostrado que é possível deste ponto de vista ter um lugar de forma simples para a lei do espectro de linhas do átomo de hidrogénio. Além disso, serão dadas razões para a hipótese principal sobre a qual as considerações das partes seguintes são baseadas.
Desejo aqui expressar os meus pensamentos ao Prof. Rutherford pelo seu cândido e encorajador interesse neste trabalho.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A teoria da relatividade sem o postulado da constância da velocidade da luz

O princípio da relatividade pode ser lido do seguinte modo:
As leis físicas deverão ser as mesmas quer para um observador fixo, quer para um observador animado com uma velocidade uniforme de modo que não tenhamos nem possamos ter um meio para discernir se nos encontramos ou não animados de um tal movimento.

Este princípio indica que existe uma espécie de equivalência entre sistemas de referência que se movem entre si com velocidades uniformes e estão relacionados por intermédio de uma lei de transformação cinemática. O conjunto de tais transformações deverá constituir um grupo. Com base nesta observação e no princípio da homogeneidade e isotropia do espaço-tempo, V. Lalan mostrou que as únicas leis de transformação que preservam o futuro dos acontecimentos e estão de acordo com todos estes princípios são a transformação de Lorentz e a de Galileu.
Tal prova, apesar de não ser a primeira (realizada por Woldemar Iatowsky em 1910) parece ser suficientemente simples para ser seguida e compreendida. Deste modo, o princípio da constância de velocidade da luz (postulado fundamental que assenta num fenómeno particular) torna-se supérfluo.

Completei uma tradução do artigo de V. Lalan em "Sobre os postulados que estão nas bases das cinemáticas",

Sobre os postulados que estão nas bases das cinemáticas

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ilustrações da teoria dinâmica dos gases (por J. Maxwell)

Uma tradução do artigo de Maxwell onde este apresenta a dedução da lei de distribuição das velocidades e que, porventura, terá sido o ponto de partida para o desenvolvimento da teoria por parte de Botzmann.


Ilustrações da teoria dinâmica dos gases


A introdução é mais ou menos como aqui segue:

Muitas das propriedades da matéria, especialmente quando esta se encontra no estado gasoso, podem ser deduzidas a partir da hipótese segundo a qual as suas diminutas partes se encontram animadas de um rápido movimento cuja velocidade aumenta com a temperatura de tal modo que a exacta natureza deste movimento se torna objecto de uma curiosidade racional. Daniel Bernoulli, Herapath, Joule, Krönig, Clausius, etc. mostraram que as relações entre pressão, temperatura e densidade num gás perfeito podem ser explicadas supondo que as partículas se movem com velocidade uniforme em linhas rectas, colidindo com as paredes do recipiente e assim produzindo pressão. Não é necessário supor que cada partícula viaje longas distâncias na mesma linha recta; pois o efeito de produzir pressão será o mesmo caso as partículas colidam entre si; de modo que a linha recta percorrida poderá ser muito curta. Clausius determinou o livre percurso médio em termos da distância média percorrida pelas partículas, e a distância entre os centros das duas partículas quando se dá a colisão. De presente, não temos maneira de verificar cada uma destas distâncias; mas determinados fenómenos, como a fricção interna dos gases, a condução de calor ao longo de um gás, e a difusão de um gás sobre outro, parecem indicar a possibilidade de determinar rigorosamente o comprimento médio do caminho que uma partícula percorre entre duas colisões. De modo a estabelecer os fundamentos de tais investigações em princípios mecânicos, demonstrarei que as leis do movimento de um número indefinido de esferas pequenas, duras e perfeitamente elásticas actuando entre si apenas durante o impacto.
Se se encontrar uma correspondência entre as propriedades de um tal sistema de corpos e as do gás, uma importante analogia física será estabelecida, a qual poderá levar a um conhecimento mais apurado das propriedades da matéria. Se as experiências sobre os gases forem inconsistentes com as hipóteses destas proposições, então a nossa teoria, apesar de ser consistente no seu conteúdo, mostra-se incapaz de explicar os fenómenos afins aos gases. Em qualquer um dos casos, é necessário estudar as consequências das hipóteses.
Ao invés de afirmar que as partículas são duras, esféricas e elásticas, podemos, se assim o desejarmos, dizer que as partículas são centros de força, para os quais a acção é desprezável excepto para pequenas distâncias, quando aparecem de súbito como forças repulsivas de grande intensidade. É evidente que cada uma das suposições leva aos mesmos resultados. Para evitar a repetição de longas frases sobre estas forças repulsivas, deverei prosseguir com a suposição de que se trata de corpos esféricos perfeitamente elásticos. Se supusermos que as moléculas agregadas que se movem juntas tenham uma superfície limítrofe que não seja esférica, então o movimento de rotação do sistema armazenará uma porção da vis viva, como foi mostrado por Clausius, e desta forma teremos de considerar que o calor específico será maior que no caso da hipótese mais simples.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

A ciência e as restrições políticas não éticas

Apresento aqui um pequeno excerto da parte final capítulo "O modelo da gota, reacções nucleares e cisão" do livro Física Atómica sobre um aspecto político e militar desta disciplina.

(...) O aspecto característico do explosivo nuclear consiste em que é necessária uma acumulação suficiente de material cindível, acima de uma massa «crítica»; para uma massa sub-crítica, o número de neutrões que se escapam através da superfície é excessivamente grande para permitir o arranque da reacção em cadeia. Portanto a bomba [atómica] é formada por, pelo menos, duas massas sub-críticas que têm que juntar-se num lapso de tempo extremamente curto. A detonação que se dá neste momento de contacto é devida aos neutrões em liberdade que estão sempre presentes. A maneira como se efectua esta união brusca das partes da bomba é um dos principais segredos técnicos que envolvem todo o domínio das reacções nucleares. A importância desta nova arma para a política de poder tem tido a mais nefasta influência na liberdade da investigação científica e na comunicação das ideias, e o emprego da bomba na destruição em massa de cidades inteiras e da sua população civil é uma consequência ainda mais lamentável de descobertas originariamente feitas só com o fim de alargar e aprofundar o conhecimento. Serão necessários grandes esforços para se reconstruir a estrutura internacional de uma ciência livre, sem peias nem restrições políticas e militares, como meio de progressão e não de destruição. (...)

sábado, 7 de maio de 2011

Sobre a Teoria dos Quanta (por Henri Poincaré)

Traduzi o artigo Sur la Théorie des Quanta de Poincaré em Sobre a Teoria dos Quanta (seguir ligação para a tradução), como aparece nos Comptes Rendus de l'Académie des Sciences, 1911. Um outro artigo com o mesmo título, estendendo a análise deste, publicou-o no Jounal de Physique théorique et appliquée, série 5, 1912.
Segue a introdução do primeiro artigo:


Sabemos que M. Planck foi levado pelo estudo da radiação do corpo negro a enunciar uma hipótese conhecida pelo nome de teoria dos quanta. De acordo com esta teoria, os elementos dos quais se deve a radiação dos sólidos incandescentes e que se assemelham a osciladores hertzianos, só podem ganhar ou perder energia por saltos bruscos de modo que a energia de um tal oscilador será sempre múltipla de uma quantidade fixa caracterizando o comprimento de onda deste oscilador e designada por quantum; esta energia será então sempre igual a um número inteiro de quanta.

É fútil fazer notar o quanto tal concepção se afasta das ideias habitualmente aceites porque as equações da física cessam de ser descritas pelas equações diferenciais. É natural que sejamos levados a escapar-nos a esta consequência, sem falar dum rol de dificuldades de detalhe e que nos questionemos se não existirá um meio de explicar doutro modo os factos. Investiguei se não poderemos chegar à lei de Planck por outras hipóteses e cheguei a um resultado negativo.

domingo, 1 de maio de 2011

Sobre uma generalização do conceito de curvatura de Riemann e espaços com torção (nota de Cartan apresentada por Borel)

Numa nota recente mostrei, num universo de Einstein com um ds2 dado o tensor de energia atracado a cada elemento de volume desse universo pode ser definido geometricamente; este é o tensor que, igualado a zero, nos fornece as leis da gravitação num espaço desprovido de matéria. A definição que dei faz com que a curvatura da universo dependa de uma certa rotação associada com todo o contorno infinitesimal fechado e esta rotação foi introduzida na base do conceito de transporte paralelo de Levi-Civita. Este último conceito por si, apesar de ter sido originalmente apresentado com recurso a considerações geométricas, é deveras difícil definir com precisão sem qualquer cálculo. Mas é possível, assim me parece, mostrar a sua maior importância, generalizando mesmo o conceito de espaço; ao mesmo tempo nos conduzirá a imagens geométricas de universos materiais fisicamente mais ricos que o nosso, pelo menos como o é tipicamente considerado; também nos elucidará sobre a verdadeira razão das leis fundamentais que governam o tensor da energia (lei da simetria, lei da conservação).
Restrinjamo-nos  ao caso de três dimensões cuja generalização à quarta dimensão é trivial. Imagine-se um espaço que, numa vizinhança de qualquer ponto, possui todas as características do espaço Euclideano. Os habitantes deste espaço saberão, por exemplo, como localizar pontos infinitamente próximos de um ponto A por intermédio dum sistema de três eixos ortogonal tendo este ponto A como origem; mas suporemos ainda que eles estão munidos com uma lei que os permita orientar, relativamente ao sistema centrado no ponto A, todos os triplos coordenados tendo a sua origem em A' próximo de A; em particular, indicar-lhes-á um sentido para dizerem se duas direcções, uma vinda de A e outra vinda de A', são paralelas. Por último, tal espaço será definido pela lei da orientação mútua (de natureza Euclideana) de dois sistemas de três eixos cujas origens sejam infinitamente próximas.
Um espaço do tipo precedente não está completamente definido pelo seu ds2. O ds2, de facto, determina apenas a parte da operação que permite a passagem dum sistema com origem em A para um sistema infinitamente próximo com origem em A', nomeadamente uma translação A→A'; adicionalmente, como sabemos, fixando ds2, uma rotação pode ser definida de acordo com uma lei arbitrária qualquer.
Com isto em mente, quando descrevemos um contorno infinitesimal fechado começando no ponto A e retornando ao mesmo ponto, a divergência entre o espaço considerado e o espaço Euclideano mostrar-se-á do seguinte modo. Apliquemos um triplo coordenado a qualquer ponto M do contorno; para passar do triplo aplicado em M para o triplo aplicado no ponto infinitamente próximo M', precisamos de fazer uma translação infinitesimal e rotação cujas componentes conhecemos relativamente ao triplo móvel com origem em M.
Imagine-se que esta colecção de deslocamentos infinitesimais é efectuada num espaço Euclideano começando num sistema de três eixos (triplo) inicial arbitrariamente escolhido. Quando o ponto M do espaço não Euclideano que começa em A e lá retorna após ter descrito um caminho fechado, no espaço Euclideano, não recuperaremos o triplo inicial, mas para o obtermos será necessário proceder a um deslocamento complementar cujas componentes serão bem definidas relativamente ao triplo inicial. Este deslocamento complementar é independente da lei segundo a qual atribuímos um triplo a cada ponto M do contorno.
Sumariamente, associadas com cada caminho infinitesimal fechado do espaço em consideração, estão uma translação infinitesimal e rotação (da ordem da magnitude da superfície da área limitada pelo caminho) e que expressa a divergência entre entre este espaço e o espaço Euclideano. A rotação pode ser representada por um vector com origem em A e a translação por um par. Podemos então provar a seguinte lei de conservação: se considerarmos um volume infinitesimal, os vectores e os pares associados com os diferentes elementos da superfície que limita o volume estão em equilíbrio.
Então temos uma imagem geométrica dum meio material contínuo em equilíbrio, unicamente sob a acção de forças elásticas, mas numa situação em que estas forças seriam expressas em cada elemento de superfície, não apenas por uma força única (tensão ou pressão), mas por um par (torsão).
Retornemos ao caso onde somente nos é dado ds2. Um cálculo simples mostra que, entre todas as leis de orientação mútua de dois triplos com origens infinitamente próximas compatível com o ds2 dado, só existe um para o qual a translação associada com um caminho infinitesimal fechado arbitrário é nula. É esta lei que leva ao conceito de deslocamento paralelo de Levi-Civita. O par em questão desaparece e é por isso que o tensor elástico satisfaz a lei de simetria.
No caso geral quando existe uma translação associada com um caminho infinitesimal fechado, podemos dizer que o espaço é diferente do Euclideano em dois aspectos: 1) por uma curvatura no sentido de Riemann, que resulta numa rotação; 2) por uma torção que resulta numa translação.
Num espaço com curvatura e torsão, o método dos triplos móveis, como no espaço Euclideano, permite-nos construir uma teoria de curvatura de curvas (e até mesmo de superfícies). Uma linha recta será caracterizada pela propriedade de ter curvatura (relativa) nula em todos os seus pontos; isto é, de preservar localmente a mesma direcção. Uma linha recta não é mais necessariamente o caminho mais curto de um ponto para outro; é-o num espaço desprovido de torsão; excepcionalmente também o pode ser em determinados espaços com torsão especiais.
Um exemplo muito simples deste último caso é o seguinte. Imaginemos um espaço S que corresponde ponto-a-ponto com o espaço Euclideano E e a correspondência preserva distâncias. A diferença entre os dois espaços será como se segue: dois sistemas ortogonais originados em dois pontos infinitamente próximos A e A' de E serão paralelos quando os sistemas de E podem resultar um do outro por intermédio de uma translação helicoidal a uma dada taxa e num determinado sentido (sentido directo, por exemplo) com a linha que une as suas origens como eixos. As linhas de S, então, correspondem a linhas de E: continuam a ser geodésicas. O espaço S assim definido admite um grupo de transformações a seis parâmetros; será o nosso espaço usual visto pelos observadores cujas percepções serão distorcidas. Mecanicamente iria corresponder a um meio com pressão constante e torsão constante.
Acrescentarei as considerações precedentes, as quais, do ponto de vista da mecânica, estão relacionadas com o belo trabalho dos srs. E. e F. Cosserat sobre a acção Euclideana, também estão relacionados com a teoria dos espaços generalizados de H. Weyl e podem também ser estendidos.

sábado, 16 de abril de 2011

Resolução de um problema de mecânica (por H. N. Abel)

Seja \(BDMA\) uma curva qualquer. Seja a linha \(BC\) horizontal e a linha \(CA\) vertical. Suponhamos que um ponto colocado em movimento pela acção da gravidade se move sob esta curva sendo \(D\) o seu ponto de partida. Seja \(\tau\) o tempo que demorou o móvel a atingir o ponto \(A\) e seja \(a\) a altura \(EA\). O tempo \(\tau\) é então uma função da altura \(a\) que dependerá da forma da curva. Reciprocamente, a forma da curva irá depender desta função. Vamos analisar como, com o auxílio de um integral definido, podemos encontrar a equação da curva para a qual \(\tau\) é uma função contínua da altura \(a\).
Seja \(AM=s\), \(AP=x\) e \(t\) o tempo que o móvel leva a percorrer o arco \(DM\). Com base nas regras da mecânica temos \(-\frac{ds}{dt}=\sqrt{a-x}\), donde vem \(dt=-\frac{ds}{\sqrt{a-x}}\). Segue-se daqui que, integrando de \(x=a\) até \(x=0\),
\[\tau=-\int_a^0{\frac{ds}{\sqrt{a-s}}}=+\int_0^a{\frac{ds}{\sqrt{a-s}}}\]
O sinal \(\int_\alpha^\beta{}\) indica que os limites de integração são para ser tomados entre \(x=\alpha\) e \(x=\beta\). Seja entretanto
\[\tau=\varphi(\alpha)\]
a função procurada para termos
\[\varphi(a)=\int_0^a{\frac{ds}{\sqrt{a-x}}}\]
Nesta equação, \(s\) deve ser encontrado em \(x\). Em vez de considerarmos esta equação, consideraremos uma mais geral,
\[\varphi(a)=\int_0^a{\frac{ds}{\left(a-x \right )^n}}\]
da qual procuraremos \(s\) em \(x\). Designemos por \(\Gamma(\alpha)\) a função
\[\Gamma(\alpha)=\int_0^1{dx\left(\log{\frac{1}{x}} \right )^{\alpha-1}}\]
e temos, como é já conhecido,
\[\int_0^1{y^{\alpha-2}(1-y)^{\beta-1}dy}=\frac{\Gamma(\alpha)\Gamma(\beta)}{\Gamma(\alpha+\beta)}\]
onde \(\alpha\) e \(\beta\) são superiores a zero.
Seja \(\beta=1-n\), encontramos
\[\int_0^1{\frac{y^{\alpha-1}}{\left(1-y \right )^n}dy}=\frac{\Gamma(\alpha)\Gamma(1-n)}{\Gamma(\alpha+1-n)}\]
donde tiramos, fazendo \(z=ay\)
\[\int_0^1{\frac{z^{\alpha-1}}{\left(a-z \right )^n}dz}=\frac{\Gamma(\alpha)\Gamma(1-n)}{\Gamma(\alpha+1-n)}a^{\alpha-n}\]
Multiplicando por \(\frac{da}{(x-a)^{1-n}}\) e integrando desde \(a=0\) até \(a=x\), encontramos:
\[\int_0^x{\frac{da}{(x-a)^{1-n}}}\times\int_0^a{\frac{z^{\alpha-1}dz}{(a-z)^n}}=\frac{\Gamma(\alpha)\Gamma(1-n)}{\Gamma(\alpha+1-n)}\int_0^x{\frac{a^{\alpha-n}da}{(x-a)^{1-n}}}\]
Fazendo \(a=xy\), temos
\[\int_0^x{\frac{a^{\alpha-n}da}{(x-a)^{1-n}}}=x^\alpha\int_0^1{\frac{y^{\alpha-n}dy}{(1-y)^{1-n}}}=x^\alpha\frac{\Gamma(\alpha-n+1)\Gamma(n)}{\Gamma(\alpha+1)}\]
então
\[\int_0^x{\frac{da}{(1-a)^{1-n}}}\times\int_0^a{\frac{z^{\alpha-1}dz}{(a-z)^n}}=\Gamma(n)\Gamma(1-n)\frac{\Gamma(\alpha)}{\Gamma(\alpha+1)}x^\alpha\]
Ora, da famigerada fórmula da função gama, temos
\[\Gamma(\alpha+1)=\alpha\Gamma(\alpha)\]
Temos, então, por substituição
\[\int_0^x{\frac{da}{(1-a)^{1-n}}}\times\int_0^a{\frac{z^{\alpha-1}dz}{(a-z)^n}}=\frac{x^\alpha}{\alpha}\Gamma(n)\Gamma(1-n)\]
Multiplicando por \(\alpha\varphi(\alpha)d\alpha\) e integrando em ordem a α obtemos
\[\int_0^x{\frac{da}{(1-a)^{1-n}}}\times\int_0^a{\frac{\left(\int{\varphi(\alpha)\alpha x^{\alpha-1} d\alpha } \right )dx}{(a-z)^n}}=\Gamma(n)\Gamma(1-n)\int{\varphi\alpha x^\alpha d\alpha}\]
Seja \(\int{\varphi(\alpha)x^\alpha d\alpha}=f(x)\), tiramos, por derivação,
\[\int{\varphi(\alpha)\alpha x^{\alpha-1} d\alpha}=f'(x)\]
então
\[\int{\varphi(\alpha)\alpha z^{\alpha-1} d\alpha}=f'(z)\]
Por consequência:
\[\int_0^x{\frac{da}{(1-a)^{1-n}}}\times\int_0^a{\frac{f'(z)dz}{(a-z)^n}}=\Gamma(n)\Gamma(1-n)f(x)\]
ou porque
\[\Gamma(n)\Gamma(1-n)=\frac{\pi}{\sin n\pi}\]
se tem
\[f(x)=\frac{\sin n\pi}{\pi}\int_0^x{\frac{da}{(x-a)^{1-n}}}\times\int_0^a{\frac{f'(z)dz}{(a-z)^n}}\]
Com o auxílio desta equação será fácil extrair o valor de \(s\) da equação
\[\varphi(\alpha)=\int_0^a{\frac{ds}{(a-s)^n}}\]
Pois que, se multiplicarmos esta equação por \(\frac{\sin n\pi}{\pi}\frac{da}{(x-a)^{1-n}}\) e tomarmos os limites de integração desde \(a=0\) até \(a=x\), teremos
\[\frac{\sin n\pi}{\pi}\int_0^x{\frac{\varphi\alpha d\alpha}{(x-a)^{1-n}}}=\frac{\sin n\pi}{\pi}\int_0^x{\frac{da}{(x-a)^{1-n}}}\times\int_0^a{\frac{dx}{(a-x)^n}}\]
Com base na equação desenvolvida anteriormente, vemos que
\[s=\frac{\sin n\pi}{\pi}\int_0^x{\frac{\varphi(\alpha)d\alpha}{(x-a)^{1-n}}}\]
Seja entretanto \(n=1/2\), obteremos
\[\varphi(a)=\int_0^x{\frac{ds}{\sqrt{a-x}}}\]
e
\[s=\frac{1}{\pi}\int_0^x{\frac{\varphi(\alpha)d\alpha}{\sqrt{x-\alpha}}}\]
Esta equação dá-nos o arco \(s\) para a abcissa \(x\) e, por conseguinte, a curva fica inteiramente determinada.
[...]

domingo, 27 de março de 2011

A Teoria do Potencial de Lagrange

De modo a expor os teorema de D'Alembert sobre o movimento de muitos corpos sob a acção de forças centrais inversamente proporcionais ao quadrado das distâncias, no seu artigo "Remarques générales sur le mouvement de plusieurs corps qui s'attirent mutuellement en raison inverse des carrées des distances", Lagrange introduz uma função Ω, da qual obtém as equações dinâmicas do sistema por intermédio de processos de derivação. Esta função receberá mais tarde, por intermédio de Green, a designação de potencial.
Elaborei uma tradução com o título Observações gerais sobre o movimento de muitos corpos que se atraem mutuamente na razão inversa dos quadrados das distâncias. Neste artigo, o autor demonstra, com base na função que introduz, que tanto as coordenadas do centro de massa como a energia (forças vivas) são integrais de movimento. Também mostra que se verifica a lei das áreas para o caso em que o número de corpos é superior a dois. De facto, o integral de movimento associado ao centro de massa deve-se à invariância do potencial aquando de uma translação. Por seu turno, a lei das áreas resulta da invariância do potencial após uma rotação. O seu método, de certo modo, antecipa o Teorema de Noether.
Para resolver, numa aproximação de primeira ordem, o problema de vários grupos de corpos afastados entre si de grandes distâncias, faz uso da desigualdade triangular, nomeadamente,
\[a\alpha+b\beta+c\gamma\le\sqrt{a^2+b^2+c^2}\sqrt{\alpha^2+\beta^2+\gamma^2}\]
para mostrar que, nesta aproximação, os grupos de corpos se movem como um único ponto colocado no centro de massa e cuja massa seja igual à soma das massas desses corpos. Esta igualdade viria a ser posteriormente conhecida como desigualdade de Cauchy-Schwarz e trata-se de uma das desigualdades mais importantes em matemática.
No entanto, foi Laplace quem observou que esta função satisfaz uma equação diferencial em derivadas parciais de segunda ordem, iniciando-se aí o estudo das funções harmónicas.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Os fundamentos da física - primeira comunicação

As equações correctas do campo gravítico na Teoria de Relatividade Geral foram publicadas em 1915. Entre as publicações orientadas para o tema, encontra-se a abordagem axiomática do matemático Hilbert. Neste artigo, o autor parte de dois simples pressupostos como a existência de uma função-mundo H que descreve a evolução dos sistemas físicos e que se trata de uma função invariante mediante qualquer transformação dos parâmetros-mundo. A evolução dos sistemas determina-se a partir das equações variacionais (Euler-Lagrange) obtidas a partir da variação do integral sobre o espaço-tempo:
\[\int{H\sqrt{g}dw_1w_2dw_3dw_4}\]
onde g representa o tensor dos potenciais gravitacionais, intimamente relacionada com a métrica desse espaço. Os parâmetros w representam as três coordenadas do espaço e uma do tempo.
Neste artigo, o autor verifica que quatro das equações lagrangianas ou variacionais são combinações lineares das restantes. De facto, trata-se de uma consequência das identidades de Bianchi que desconhecia. Neste ponto, comete o erro de assumir que a electrodinâmica se trata de uma consequência directa da gravitação.
Para mais detalhes, apresento a tradução da primeira comunicação intitulada Os Fundamentos da Física. Contudo, a compreensão de tal leitura requer conhecimentos relativamente sólidos de cálculo tensorial.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A experiência de interferência de Michelson (por H. A. Lorentz)

Como o fez notar Maxwell e o qual se segue de um cálculo simples, o tempo necessário para um raio de luz viajar do ponto \(A\) para o ponto \(B\), regressando a \(A\), tem de variar sempre que ambos os pontos sofram um deslocamento sem arrastar consigo o éter. A diferença é, certamente, de magnitude de segunda ordem mas é suficientemente grande para ser detectada por um método sensível de interferência.
A experiência foi levada a cabo por Michelson em 1881. O seu aparato, uma espécie de interferómetro, era composto por dois braços horizontais, \(P\) e \(O\) com o mesmo comprimento, fazendo, entre si, um ângulo recto. Dos dois raios de luz mutuamente interferentes, um atravessa o braço \(P\) e regressa e o outro atravessa o braço \(O\), regressando novamente. Todo o instrumento, incluindo a fonte de luz e o aparelho para fazer as observações pode ser revolvido em torno de um eixo vertical; e as posições nas quais os braços \(P\) ou \(O\) estão o mais proximamente orientados com a direcção do movimento da Terra são tidas com especial consideração. Com base na teoria de Fresnel antecipou-se que, quando o aparato é rodado de uma dessas posições principais para outra, dar-se-ia um deslocamento nas franjas de interferência.
Mas acerca de tal deslocamento - que brevemente designaremos por deslocamento de Maxwell - devido à variação dos tempos de propagação, nenhum rastro foi encontrado, e, concordante com a experiência, Michelson assumiu que, enquanto a Terra se move, o éter não se encontra em repouso. A validade desta interferência foi cedo posta em causa pois, por descuido, Michelson tomou para a diferença de fase, que seria de esperar de acordo com a teoria, um valor duplo do correcto. Se fizermos as correcções necessárias, chegamos a deslocamentos não superiores àqueles que se originam por erros de medição.
Subsequentemente, Michelson retomou a investigação juntamente com Morley, melhorando a precisão da experiência, forçando cada feixe de luz a ser reflectido entre um número de espelhos. Deste modo, tiraram o mesmo proveito que tirariam se os braços fossem consideravelmente maiores. Os espelhos foram montados em discos maciços de pedra, flutuando em mercúrio e facilmente rodáveis. Cada feixe tinha de percorrer a distância total de 22 metros e, de acordo com a teoria de Fresnel, o deslocamento que seria de esperar passando de uma posição principal para outra seria 0,4 da distância entre franjas de interferência. Contudo, a rotação não produzia deslocamentos superiores a 0,02 desta distância e estes são atribuíveis a erros de observação.
Ora, será que este resultado nos dá o direito de assumir que o éter toma parte no movimento da Terra e que, portanto, a teoria da aberração de Stokes é a correcta?
As dificuldades que esta teoria encontra ao explicar a aberração parecem ser demasiado grandes para que partilhe essa opinião e, ao invés, tentarei remover a contradição entre a teoria de Fresnel e o resultado de Michelson. Uma hipótese que trouxe a lume há algum tempo atrás, a qual, como subsequentemente percebi, também ocorreu a Fitzgerald, possibilita-nos fazê-lo. O próximo parágrafo estabelecerá esta hipótese.
De modo a simplificar a questão, assumiremos que estamos a trabalhar com o aparato empregue na primeira experiência e que, numa das posições principais, o braço \(P\) se encontra exactamente na direcção do movimento da Terra. Seja \(\nu\) a velocidade deste movimento, \(L\) o comprimento de cada braço e, consequentemente, vale \(2L\) o comprimento atravessado pelo raio de luz. De acordo com a teoria, a rotação do aparato de 90º causa que o tempo que o feixe leva a percorrer o braço \(P\) nos dois sentidos seja maior que o tempo que o outro feixe leva a fazer a sua jornada de uma quantidade igual a
\[\frac{Lv^2}{c^3}\]
Dar-se-ia esta mesma diferença se a translação não tivesse qualquer influência e o braço \(P\) fosse maior que o braço \(O\) de
\[\frac{1}{2}\frac{Lv^2}{c^2}\]
e similarmente para a outra posição principal. Então vemos que as diferenças de fase esperadas pela teoria também surgem se, quando o aparato é revolvido, primeiro um braço e depois o outro é o mais comprido. Segue-se que as diferenças de fase podem ser compensadas por mudanças contrárias das dimensões.
Se assumirmos que o braço que está orientado com o movimento da Terra é mais pequeno que o outro de \(\frac{1}{2}\frac{Lv^2}{c^2}\) e que, ao mesmo tempo, a translação tenha a influência que é esperada da teoria de Fresnel então o resultado da experiência de Michelson fica completamente explicado.
Temos então que imaginar que o movimento de um corpo sólido (como uma haste de bronze ou o disco de pedra empregue na experiência posterior) através do éter em repouso exerce sobre as dimensões desse corpo uma influência que varia de acordo com a orientação desse corpo no que respeita à direcção do movimento. Se, por exemplo, as dimensões paralelas a esta direcção fossem alteradas na proporção de 1 para 1+δ e as perpendiculares de 1 para 1+ε então deveríamos ter a equação
\[\epsilon-\delta=\frac{1}{2}\frac{v^2}{c^2}\]
na qual o valor de uma das quantidades δ ou ε teria de permanecer indeterminada. Poderia acontecer que ε=0, \(\delta=-\frac{1}{2}v^2/c^2\), mas também \(\epsilon=\frac{1}{2}v^2/c^2\), δ=0 ou \(\epsilon=\frac{1}{4}v^2/c^2\) e \(\delta=-\frac{1}{4}v^2/c^2\). Por mais surpreendente que esta hipótese possa parecer à primeira vista, mesmo assim temos de admitir que não é, de forma alguma, rebuscada, desde que assumamos que as forças moleculares são também transmitidas através do éter como as forças eléctricas e magnéticas sobre as quais somos capazes de fazer definitivamente tal asserção nos tempos de hoje. Se elas são assim transmitidas, a translação irá, muito provavelmente, afectar a acção entre duas moléculas ou átomos de uma forma que se assemelha à atracção ou repulsão entre partículas carregadas. Ora, como a forma e dimensões dum corpo sólido são, em último plano, condicionadas pela intensidade das acções moleculares, não pode cessar de se dar uma mudança de dimensões.
Do ponto de vista teórico não existe qualquer objecção à hipótese. No que concerne à sua demonstração experimental devemos, em primeiro lugar, fazer notar que os aumentos de diminuições de comprimento em questão são extraordinariamente pequenos. Temos \(v^2/c^2=10^{-8}\) e então, se ε=0, a diminuição dum diâmetro terrestre seria aproximadamente de 6,5 cm. O comprimento de um metro de haste variará, quando movido de uma posição principal para outra, aproximadamente 1/200 micron. Não podemos aspirar a grande sucesso ao tentar aperceber-nos de tão ínfimas quantidades senão por intermédio dum método de interferência. Devemos operar com duas hastes perpendiculares e com dois feixes de luz mutuamente interferentes fazendo com que um deles viaje ao longo da primeira haste e volte e o outro viaje, da mesma forma, ao longo da segunda haste. Mas deste modo, voltamos de novo à experiência de Michelson e, girando o aparato, não dos devemos aperceber de qualquer deslocamento das franjas. Revertendo a nota anterior, podemos dizer que o deslocamento produzido pelas alterações do comprimento é compensado pelo deslocamento de Maxwell.
Vale a pena fazer ver que somos conduzidos às mesmas alterações de dimensões como foi acima presumido se, primeiro, sem ter em conta o movimento molecular, assumirmos que num corpo sólido deixado a si, as forças, atracções ou repulsões, actuando sobre qualquer molécula, mantêm-nas em equilíbrio e segundo - embora para ter a certeza, não há nenhuma razão para não o fazer - se aplicarmos a estas forças a lei que, em outro lugar, deduzimos para as acções electrostáticas. Porque se entendermos por \(S_1\) e \(S_2\) não, como ateriormente, dois sistemas de partículas carregadas mas duas moléculas - a segunda em repouso e a primeira movendo-se com velocidade v na direcção do eixo do x - entre aquelas dimensões sobre as quais a relação subsiste como previamente estabelecido; e se assumirmos que em ambos os sistemas as componentes x das forças são as mesmas, enquanto as componentes y e z diferem uma da outra por um factor igual a \(\sqrt{1-v^2/c^2}\), então é claro que as forças em \(S_1\) estarão em equilíbrio desde que estejam em equilíbrio em \(S_2\). Se, portanto, \(S_2\) se encontra no estado de equilíbrio de um corpo sólido em repouso, então as moléculas em \(S_1\) têm precisamente as posições nas quais podem persistir sob a influência da translação. O deslocamento trará, naturalmente, a disposição de moléculas ao seu acordo e então efectuando um encurtamento na direcção do movimento numa proporção de 1 para \(\sqrt{1-v^2/c^2}\) de acordo com as fórmulas dadas no parágrafo precedente. Isto leva aos valores
\[\delta=-\frac{1}{2}\frac{v^2}{c^2},\ \ \ \ \epsilon=0\]
Na realidade, as moléculas de um corpo não estão em repouso, mas em qualquer "estado de equilíbrio" existe um movimento estacionário. Que influência esta circunstância poderá ter no fenómeno que temos vindo a considerar é uma questão que aqui não abordámos; de qualquer das formas, as experiências de Michelson e Morley, como consequência de erros de observação inevitáveis, permitem uma latitude considerável para os valores de δ e ε.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Determinação do potencial criado por uma distribuição esférica de carga com densidade constante

O estudo matemático rigoroso do electromagnetismo foi iniciado por Poisson na sua memória «Mémoire sur la distribution de l'électricité à la surface des corps conducteurs», o qual estendeu as principais ideias da mecânica celeste sobre a teoria do potencial aos fenómenos da electrostática. De facto, a forma para o potencial eléctrico criado por uma carga num ponto do espaço de acordo com a lei de Coulomb é semelhante em forma ao potencial gravítico criado por uma massa, satisfazendo a lei da atracção de Newton. Neste contexto, Poisson calculou o potencial criado por uma distribuição de carga em qualquer ponto do espaço, incluindo os pontos sobre os quais se situa essa distribuição. A partir desse cálculo, conseguiu generalizar a equação de Laplace naquela que hoje recebe o seu nome. Neste texto, apresento o cálculo do potencial de uma esfera uniformemente carregada em qualquer ponto do espaço, incluindo aqueles no interior e superfície da esfera.
Começamos por considerar uma esfera de raio \(R\) carregada com densidade de carga constante e um ponto \(P\) no espaço. Consideramos um referencial cuja origem coincide com o centro da esfera alinhado de modo que o ponto \(P\) esteja contido no eixo do Z. Neste referencial, o ponto \(P\) tem coordenadas \((0,0,z)\).
O potencial criado pela esfera no ponto \(P\) é dado pelo integral triplo, sobre a esfera
\[\frac{\rho}{4\pi\epsilon_0}\int_{Esfera}{\frac{dx'dy'dz'}{\sqrt{x'^2+y'^2+\left(z-z'\right)^2}}}\]
onde \(\rho\) corresponde à densidade de carga. Queremos efectuar a integração sobre o conjunto de pontos que satisfazem a condição \(x'^2+y'^2+z'^2\le R^2\). Para o efeito, como é habitual, consideramos as coordenadas esféricas
\[\left\lbrace\begin{array}{l} x'=r\sin\theta\cos\phi\\ y'=r\sin\theta\sin\phi\\ z'=r\cos\theta \end{array}\right.\]
De modo que as novas coordenadas cubram a esfera - com excepção do centro (notar que apenas um ponto não contribui para o valor de um integral) - \(r\) terá de variar entre \(0\) e \(r\), \(\varphi\) terá de variar entre \(0\) e \(2\pi\) e \(\theta\) terá de variar entre \(0\) e \(\pi\). O determinante do jacobiano, isto é, o elemento de volume é dado por \(r^2\sin\theta\). O integral, nestas coordenadas, pode ser reiterado do seguinte modo:
\[\frac{\rho}{4\pi\epsilon_0}\int_{0}^R{\int_{0}^{\pi}{\int_{0}^{2\pi}{\frac{r^2\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\phi}d\theta}dr}\]
Resolvemos o integral interior, vindo
\[\frac{\rho}{2\epsilon_0}\int_{0}^R{\int_{0}^{\pi}{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}rdr}\]
Determinamos a primitiva
\[\int{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}=\frac{1}{z}\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}+K\]
Quando o valor de \(z\) é superior a \(R\), a expressão no denominador do integrando é sempre positivo e nunca se anula, uma vez que \(\left|z-r\right|\le\sqrt{r^2+z^2-2rz\cos\theta}\le z+r\). Para este caso, obtemos o potencial
\[\frac{\rho}{2z\epsilon_0}\int_0^R{\left\lbrack z+r-\left(z-r \right )\right\rbrack dr}=\frac{\rho}{2z\epsilon_0}\frac{R^3}{3}=\frac{Q}{4\pi\epsilon_0}\frac{1}{z}\]
onde \(Q\) representa a carga total da esfera, dada pelo produto do volume pela densidade de carga.
Por outro lado, quando \(z\) está no interior da esfera, temos de dividir a expressão para o potencial do seguinte modo:
\[\frac{\rho}{2\epsilon_0}\left\lbrack\int_0^z{\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}rdr}+\int_z^R{\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}rdr} \right\rbrack\]
Na primeira parcela temos \(z>r\) e na segunda temos \(r>z\). Logo, para o primeiro caso vem
\[\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}=\frac{(z+r)-(z-r)}{z}=\frac{2r}{z}\]
Quanto à outra parcela, temos
\[\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}=\frac{(r+z)-(r-z)}{z}=2\]
Substituímos no integral reiterado para obtermos o potencial
\[\frac{\rho}{2\epsilon_0}\left[\int_0^z{\frac{2r^2}{z}dr}+\int_z^R{2rdr} \right ]=\frac{\rho}{2\epsilon_0}\left(R^2-\frac{z^2}{3} \right )\]
Se dissermos que \(r\) é a distância do ponto \(P\) ao centro da esfera, então o potencial \(V(r)\) criado em \(P\) vale
\[V(r)=\left\lbrace\begin{array}{l} \frac{\rho}{3\epsilon_0r}, r\le R\\ \frac{\rho}{2\epsilon_0}\left(R^2-\frac{r^2}{3} \right ) \end{array}\right.\]
Como \(r=\sqrt{x^2+y^2+z^2}\), facilmente verificamos que \(\nabla^2r^2=6\) e \(\nabla^2 1/r=0\). Daqui resulta que, no exterior da esfera temos \(\nabla^2V=0\) e no interior temos \(\nabla^2 V=\rho/\epsilon_0\).
Se estivermos na presença de uma distribuição arbitrária de carga, em cada ponto dessa distribuição é possível arranjar uma esfera cujo raio podemos fazer tão pequeno quanto queiramos. Fora dessa pequena esfera, o laplaciano do potencial por ela criado é nulo. No entanto, no seu interior, a densidade pode ser considerada constante e o laplaciano toma o valor calculado. Foi este o argumento de Poisson para afirmar que a equação diferencial para o potencial é válida para qualquer distribuição de carga.