segunda-feira, 5 de junho de 2023

Conceitos da filosofia natural que predatou a física

A arte surge quando se forma um juízo geral que possa ser referido a casos particulares semelhantes. Por exemplo, a triangularidade é um juízo geral que pode referir todos os objectos particulares que têm forma geométrica triangular. Diz-se que cada objecto triangular é um particular e o juízo geral que caracteriza todos os objectos com a propriedade de terem forma geométrica triangular é um universal, a triangularidade. O juízo geral que se forma a partir de experiências particulares é, portanto, um universal. É universal na medida em que é partilhado por vários particulares, no sentido em que o universal a eles pode ser relacionado de algum modo. A experiência consiste no conhecimento dos particulares e a arte consiste no conhecimento dos universais.

Os empíricos puros, aqueles que se baseiam na experiência, tendem a conhecer apenas o dado de facto puro mas não a sua razão de ser. São capazes de determinar, por exemplo, que um objecto pesado cai mas desconhecem a respectiva causa. De modo a possuir a capacidade de ensinar, é necessário possuir o conhecimento das causas, em especial das causas primeiras. Além das causas das coisas, é necessário possuir também o conhecimento das suas partes e, mais importante, dos elementos, no caso das coisas corpóreas, ou princípios, no caso das coisas em geral, que as constituem. Os que possuem um conhecimento prático possuem um conhecimento adaptado à situação mas não possuem um conhecimento eterno. Não é possível conhecer a verdade sem conhecer a causa.

A formação de um juízo geral a partir das experiências particulares comporta um problema. Com efeito, parece ser impossível formar juízos gerais dos objectos sensíveis, na medida em que estes se encontram em constante mudança. Um homem, por exemplo, não é sempre o mesmo e um rio não é sempre constituído pela mesma água. De modo a procurar uma solução para este problema, é necessário começar pelas várias noções de substância que é a essência intemporal de um objecto e o que pode ser assimilado pelo intelecto.

A substância diz-se dos corpos simples. É substância o que não pode ser predicado de um substracto mas tudo o resto é dela predicado. Por exemplo, bípede pode ser predicado de homem, dado que a sentença "aquele homem é bípede" faz sentido, indicando um homem que é bípede e, deste modo, bípede diz-se predicado de homem. Por seu turno, na sentença "bípede é homem", bípede é desprovido do seu sentido. Mantendo o significado de bípede, homem não pode ser dele predicado. No entanto, dado que a sentença "o bípede tem duas pernas" porta significado, mantendo o conceito de bípede, é possível predicar algo de bípede. Bípede é substância segunda na medida em que dele se pode predicar algo mas ele próprio também pode ser predicado de alguma coisa. As substâncias são aquelas que não podem predicar nada.  Substância é a essência de uma coisa, isto é, a sua definição. A definição é uma noção que exprime algo que é primeiro e algo é primeiro quando nada predica.

A substância é imanente às coisas que não se predicam de um substracto e são causa do seu ser. Da substância dizem-se as partes imanentes a uma coisa e que a delimitam, cuja destruição implica a destruição da própria coisa. Por exemplo, a superfície de um corpo é parte da substâcia sempre que a destruição da superfície implicar a destruição do próprio corpo.

Substância, ainda, é aquilo que, sendo algo determinado, pode ser separável, como a estrutura e a forma da coisa. Não se entende por forma, o formato geométrico da coisa, mas o conjunto das propriedades que a caracterizam, tais como o formato geométrico, a cor ou a textura. O sínolo é constituído pela união da forma e da matéria e está sujeito à geração e corrupção ao passo que a forma não. Não se gera a essência de uma casa mas apenas o seu ser. A matéria é substância em potência (a matéria tem a capacidade de se tornar substância) e a forma é a substância em acto (é, de facto, substância). Uma substância pode ter potência para existir e não exista em acto. Forma é mais natureza do que matéria, uma vez que cada coisa é mais quando em acto do que quando em potência.

A substância não possui nenhum contrário, isto é, não há o contrário de substância do mesmo modo que bom é contrário de mau. Uma substância não é mais nem menos do que ela própria, considerada em si, ou em instantes diferentes. O homem não é mais ou menos homem do que era antes e o rio não é mais ou menos rio do que era antes. Apesar de ser numericamente una, a substância é capaz de receber contrários. Por exemplo, a cor não pode ser branca e preta simultaneamente ou uma acção não pode ser simultaneamente má ou boa. O homem, por seu turno, pode ser quente ou frio, claro ou escuro, mau ou bom. É possível formar um juízo geral da forma, já que esta, por si só, não é sujeita à geração e corrupção.

Três conceitos são importantes nesta filosofia, nomeadamente, o movimento, o tempo e o lugar. São conceitos intimamente ligados e difíceis de definir. É útil iniciar pela definição de movimento. Convém observar que o que deve ser entendido por movimento não se cinge àquilo que vulgarmente se designa por locomoção, que se decompõe nos movimentos de translação e de rotação. O movimento pode também ser entendido como alteração das coisas, como arrefecer, isto é, passar do quente ao frio, ou o resultado de uma reacção química na qual os sínolos dos reagentes se corrompem, dando origem aos sínolos dos produtos da reacção. A própria aprendizagem é um movimento na medida em que aquele que aprende passa de um estado de desconhecimento de alguma coisa para o seu conhecimento.

Algumas coisas são em acto e outras em potência. Um sínolo que se gera, gera-se a partir de um sínolo que se corrompe. Para que isso aconteça, o sínolo que se corrompe tem de ser o sínolo que se gera em potência. Por exemplo, as tábuas de madeira são uma cama em potência. Somente quando estas são trabalhadas numa cama é que se obtém uma cama em acto, isto é, uma cama propriamente dita. O movimento é o acto daquilo que é em potência enquanto potência. Por exemplo, o acto do que é alterável enquanto alterável é a alteração e alteração é movimento. O acto do que é transportável enquanto transportável é locomoção. Quando o construtível se encontra em acto, está a ser construído, isso é construção. É o acto do que é potencial quando já está actualizado e opera, não como si próprio, mas como móvel, que é o movimento. Por exemplo, bronze é potencialmente uma estátua. Mas não é o acto de bronze como bronze que é o movimento. Porque ser bronze e ser uma determinada potencialidade não é a mesma coisa. O movimento ocorre quando a própria acção de tornar a potência em acto ocorre. A actualidade do construtível enquanto construtível é o processo de construção. Quando cessa de ser construível e se torna o construído, o movimento termina, deixa de existir movimento. O acto é o que se encontra em construção ou a casa. Mas quando existe a casa, o construtível não mais aí se encontra, cessando o movimento. As formas, as afecções e o lugar que constituem os termos aos quais tendem os movimentos são imóveis. Não existe movimento da substância uma vez que o movimento se dá entre contrários como, por exemplo, do quente para o frio, de um lugar ao outro ou de branco para preto. O movimento pode-se dar, portanto, segundo a quantidade, a qualidade e o lugar. Tudo o que existe no mundo sensível é passível de locomoção. Todo o movimento de locomoção ou é rectilíneo, ou circular, ou combinação de ambos, dado serem estes os movimentos mais simples.

O tempo está intrinsecamente ligado ao movimento. O tempo é uma medida do movimento e, sendo o movimento contínuo, será contínuo o tempo, sendo dado por um número real. O tempo marca o movimento e o movimento marca o tempo e, se o tempo é medida do movimento, também é medida do repouso. Há coisas que são sempre, como a incomensurabilidade da diagonal do quadrado (e outros teoremas e definições), cujos contrários, nunca se verificando, se encontram fora do tempo. A questão da existência do tempo na ausência da consciência é remetida para a questão do movimento nas mesmas circunstâncias. Se existir movimento sem a necessidade de uma consciência, então existe o tempo. O tempo de duas alterações (ou locomoções) é o mesmo se forem iguais e simultâneas. Dizem-se iguais dois movimentos rectilíneos, um entre os pontos \(A\) e \(B\) e o outro, entre os pontos \(C\) e \(D\), se o primeiro movimento se iniciar em \(A\) em simultâneo com o início do segundo movimento em \(C\) e o primeiro movimento se finalizar em \(B\) em simultâneo com a finalização do segundo movimento em \(D\). O tempo decorrido em ambos os movimentos é o mesmo. Se a distância entre \(A\) e \(B\) for maior do que a distância entre \(C\) e \(D\), diz-se que o primeiro movimento é mais rápido. O movimento circular uniforme é o que melhor se adequa à medida do tempo, uma vez que o seu número pode ser melhor conhecido. É impossível que uma coisa perfaça um movimento finito num tempo infinito, do mesmo modo que não é possível efectuar um movimento infinito num tempo finito. Uma coisa está em repouso durante um tempo finito. Não é possível dizer que uma coisa se encontra em repouso num determinado instante. Uma coisa indivisível não se pode encontrar em movimento de locomoção, uma vez que tudo o que se move deverá percorrer uma distância igual a si próprio. Um ponto, por exemplo, não pode encontrar-se em movimento. Nenhum movimento é infinito e contínuo, com excepção do movimento de rotação. O movimento rectilíneo não poderá ser contínuo na medida em que a coisa que se move do ponto A ao ponto B e volte de novo a A, dever-se-á encontrar em repouso em B.

Tudo o que está em movimento deve ser movido por algo. Se não contiver em si a fonte do movimento, deverá ser movido por algo além de si. Existem duas formas de movimento, nomeadamente, o natural e o violento. O movimento natural é aquele movimento que as coisas adquirem por natureza. As coisas pesadas movem-se para baixo, no sentido do centro, já que se considera estar a Terra no centro de tudo, e as coisas leves movem-se para cima. Cada coisa move-se naturalmente para o seu lugar. Se o movimento for diferente do natural, diz-se violento. As coisas animadas, por seu turno, possuem em si, a causa do seu movimento natural.

O conceito de lugar é difícil de definir. Porém, não é possível prescindir dele, na medida em que entra no princípio do movimento natural das coisas, isto é, no princípio de que tudo se move para o seu lugar natural. Lugar que um corpo ocupa é a fronteira que está em contacto com esse corpo. Pode ser encarado como um contentor que não se move. Se um corpo se encontrar limitado por uma determinada fronteira, isto é, estiver num determinado lugar, a fronteira de nenhum outro corpo se poderá sobrepôr àquela em simultâneo. Dois corpos diferentes não podem participar simultaneamente do mesmo lugar.

Existem quatro causas primeiras das coisas. Em primeiro lugar, é causa a substância, a causa formal. O porquê das coisas reduz-se, em última análise, à forma. Em segundo lugar, causa é matéria e substracto, a causa material. Em terceiro lugar, causa é o princípio do movimento, a causa motora. A quarta causa é contrária à anterior, isto é, é o fim do movimento, a causa final. Os elementos, por exemplo, são a causa material do mundo sensível. A causa final da natureza é o bem. As causas não são infinitas quer em indivíduos, quer em espécies. Por exemplo, no que concerne à causa material, não é possível derivar carne da terra, terra do ar, ar do fogo e assim sucessivamente até ao infinito. O mesmo acontece com a causa motora como o homem ser movido pelo ar que, por sua vez, é movido pelo sol, o sol pela discórdia, sem que se encontre um termo deste processo. Existe, portanto, uma causa primeira ou princípio, algo eterno (uma ou mais coisas), que é causa de movimento mas se encontra em repouso. O mesmo pode ser dito da causa final, isto é, que a caminhada, por exemplo, é realizada com vista à saúde, a saúde com vista à felicidade e a felicidade em vista de outra coisa, e assim sucessivamente. O mesmo se passa com a causa formal, na medida em que uma definição não pode ser reduzida, até ao infinito, a uma definição mais ampla no seu enunciado. A física pretende determinar as causas das coisas sensíveis.

A consideração de que vazio é uma espécie de contentor que, ao invés de estar cheio, contém o espaço que deveria ter sido ocupado pelo que o enchia, contém um problema. Caso assim o seja, vazio, cheio e lugar são uma e a mesma coisa com diferença na essência. A não existência do vazio pode ser mostrada do seguinte modo. Quando um corpo se move num fluido, a sua velocidade é inversamente proporcional à resistência desse fluido. Se a resistência de um fluido for metade da do outro, a velocidade no primeiro será o dobro da do segundo. Segue-se daqui que, no vazio, que é o mesmo que ausência de fluido, a resistência anula-se e a velocidade tornar-se-á infinita, o que não se pode verificar. O vazio também não pode ser causa de movimento. De facto, se o vazio for o lugar desprovido de corpo, não existirá lugar natural para se mover um corpo que aí seja colocado, dado que todos os lugares no vazio são equivalentes. Tudo o que se encontrar no vazio deve-se encontrar em repouso. Qualquer coisa que se movesse no vazio não poderia parar por não existir um lugar especial onde isso possa acontecer.

A investigação dos corpos pelo tangível é referente ao tacto e é sobre as coisas tangíveis que se distinguem os elementos. A visão é anterior ao tacto, de modo que o seu substracto também é anterior. Mas este substracto não é afecção do corpo tangível. As contrariedades tangíveis são quente ou frio, seco ou húmido, pesado ou leve, duro ou mole, viscoso ou friável, áspero ou liso e grosso ou fino. Os elementos têm de ser activos ou passivos por se transformarem uns nos outros. O pesado e o leve não são activos nem passivos. O quente e o frio são activos, e o seco e o húmido são passivos. O quente é o que associa as coisas do mesmo género já que o fogo associa coisas da mesma classe, expulsando as estranhas. O frio associa tanto as coisas do mesmo género com a das classes diferentes. O húmido é o que não é delimitável por um limite próprio apesar de ser facilmente delimitável por outro limite. O seco é delimitável pelo próprio limite mas dificilmente delimitável por outro. A capacidade de preencher é própria do húmido e o fino tem a propriedade de preencher. O fino deriva do húmido e o grosso deriva do seco. O viscoso deriva do húmido e o friável deriva do seco. O mole, cedendo a si próprio, deriva do húmido e o duro deriva do seco. O quente e o frio não podem ser reduzidos a húmido ou seco ou vice-versa. Dados que os pares contrários não podem ser combinados, das seis possibilidades, só são possíveis quatro e atribuem-se aos elementos. Estes são fogo, quente e seco, o ar é quente e húmido, a água é fria e húmida e a terra é fria e seca. Todos os elementos se podem transformar uns nos outros, dado que a geração termina em contrários entre os quais existem intermédios. Cada elemento, portanto, existe em potência nos outros. A chama é fumo a arder e o fumo é ar e terra. Suprimindo o húmido do ar e o frio da terra surge o fogo que é quente e seco. Todos os corpos são constituídos por todos os elementos.

O movimento natural do fogo e do ar é para cima, ao passo que o movimento natural da água e da terra é para baixo. O movimento natural de um corpo composto é o movimento do elemento que prevalece na sua composição. Como o movimento natural dos quatro elementos ou é para baixo ou é para cima consoante o elemento, o movimento circular não é natural a cada um dos quatro elementos. Deve, portanto, ser movimento natural de um quinto elemento. Existe uma substância, o éter, distinta das outras e que lhes seja anterior em princípio. As coisas são leves e pesadas umas relativamente às outras. As mais pesadas são as que mais tendência têm a se aproximar do centro e as mais leves, as que mais tendência têm a se afastar do centro. O corpo que se move no movimento circular não pode possuir leveza ou peso porque não se pode mover naturalmente, quer na direcção do centro, quer na direcção contrária. O corpo não se pode mover na direcção do centro, quer de modo natural, quer de modo não natural. Porque o movimento não natural de seguir para cima é o movimento de seguir para baixo e, dos movimentos, se um for o movimento natural, o não natural será o seu contrário. Tal corpo será não gerado, indestrutível e livre de alteração na medida em que não possui contrários. Não pode aumentar ou diminuir, na medida que aumentaria em contacto com um corpo aparentado. Como se observa que todos os corpos que se alteram são sujeitos a aumento e diminuição, o corpo em questão não é alterável.