quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Espira que roda num campo magnético

Algumas bicicletas, em particular as pasteleiras, trazem um dínamo que permite gerar uma corrente eléctrica quando lhe é transferido movimento da roda da frente. Um circuíto eléctrico é montado, tendo o dínamo como gerador que alimenta um farol com um selector que permite regular a intensidade da luz. Porém, quanto maior for a intensidade da luz definida no selector, maior será a resistência ao movimento da roda da frente causado pelo dínamo. Este facto pode ser explicado com base na lei da conservação da energia. Com efeito, desprezando outras formas de dissipação, a energia dissipada pela lâmpada advém do trabalho realizado pela força que a roda da bicicleta exerce sobre o dínamo. A força total necessária para manter a bicicleta a uma velocidade constante terá, portanto, de incluir a parte da força responsável por acender a lâmpada.
É interessante averiguar, do ponto de vista do electromagnetismo, qual é a origem dessa força, considerando, como aproximação, uma espira que se encontra a rodar num campo mangético uniforme. Nos exercícios habituais, calcula-se a força electromotriz produzida na espira pela rotação. No entanto, não é tão frequente encontrar uma determinação da força aplicada sobre a espira quando o circuito eléctrico é fechado por uma resistência. Será aqui feito um esboço dessa determinação.
Considere-se a espira circular de raio \(\rho\) definida pelas equações paramétricas
\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=\rho\cos\lambda\\ y=0\\ z=\rho\sin\lambda\end{array}\right.\]
que se supõe rodar, com velocidade angular constante \(\omega\), em torno do eixo das cotas. Ao fim do tempo \(t\), cada ponto da espira parametrizado pelo parâmetro \(\lambda\), encontrar-se-á na posição dada por
\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=\rho\cos\lambda\cos\left(\omega t\right)\\ y=\rho\cos\lambda\sin\left(\omega t\right)\\ z=\rho\sin\lambda\end{array}\right.\]
O vector tangente à espira é dado pela derivada da posição em ordem ao parâmetro \(\lambda\), isto é,
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial x}{\partial\lambda}=-\rho\sin\lambda\cos\left(\omega t\right)\\ \frac{\partial y}{\partial\lambda}=-\rho\sin\lambda\sin\left(\omega t\right)\\ \frac{\partial z}{\partial\lambda}=\rho\cos\lambda\end{array}\right.\]
O produto vectorial da posição pelo vector tangente permite determinar a direcção da normal ao círculo definido pelo condutor. Tem-se, portanto,
\[\left\vert\begin{array}{ccc}\vec{i} & \vec{j} & \vec{k}\\ \rho\cos\lambda\cos\left(\omega t\right) & \rho\cos\lambda\sin\left(\omega t\right) & \rho\cos\lambda\end{array}\right\vert=\rho\sin\left(\omega t\right)\vec{i}-\rho\cos\left(\omega t\right)\vec{j}\]
onde \(\vec{i}\), \( \vec{j}\) e \(\vec{k}\) são, respectivamente, os versores ao longo do eixo das abcissas, do das ordenadas e do das cotas. O versor normal é dado, portanto, por
\[\vec{n}=\sin\left(\omega t\right)\vec{i}-\cos\left(\omega t\right)\vec{j}\]
Seja \(\vec{B}=B\vec{j}\) o campo magnético que se supõe uniforme e direccionado ao longo do eixo das ordenadas. O fluxo \(\phi\) do campo sobre o círculo definido pelo condutor é dado por
\[\phi=\int_S\vec{B}\cdot\vec{n}dS=\int_S B\vec{j}\cdot\left(\sin\left(\omega t\right)\vec{i}-\cos\left(\omega t\right)\vec{j}\right)dS\]
isto é,
\[\phi=-\pi\rho^2B\cos\left(\omega t\right)\]
A força electromotriz obtém-se a partir da variação temporal do fluxo do campo magnético ao longo da superfície. Esta é dada por
\[\mathcal{E}=-\frac{d\phi}{dt}=-\pi\rho^2B\omega\sin\left(\omega t\right)\]
Se a espira constituir um circuito eléctrico fechado através de uma resistência \(R\), a sua intensidade será dada por
\[I=-\frac{\mathcal{E}}{R}=-\frac{1}{R}\pi\rho^2B\omega\sin\left(\omega t\right)\]
Ora,
\[d\vec{l}=-\rho\sin\lambda\cos\left(\omega t\right)\vec{i}-\rho\sin\lambda\sin\left(\omega t\right)\vec{j}+\rho\cos\lambda\vec{k}\]
A força de interacção entre a corrente que se desloca sobre a espira e o campo magnético calcula-se como
\[\vec{F}_B=Id\vec{l}\times\vec{B}=-\frac{1}{R}\pi\rho^3B\omega\sin\left(\omega t\right)\left\vert\begin{array}{ccc}\vec{i} & \vec{j} & \vec{k}\\ -\sin\lambda\cos\left(\omega t\right) & -\sin\lambda\sin\left(\omega t\right) & \cos\lambda\end{array}\right\vert\]
isto é,
\[\vec{F}_B=-\frac{1}{R}\pi\rho^3B^2\omega\sin\left(\omega t\right)\left(\cos\lambda\vec{i}-\sin\lambda\cos\left(\omega t\right)\right)\]
Para que a espira mantenha uma velocidade de rotação constante é necessária a aplicação de uma força \(\vec{F}=-\vec{F}_B\) em cada um dos seus pontos. O trabalho total realizado pela força \(\vec{F}\) durante o intervalo de tempo \(t\) é dado por
\[W=\int_0^{2\pi}\int_0^t\vec{F}\cdot d\vec{r}d\lambda\]
isto é,
\[\frac{dW}{dt}=\int_0^{2\pi}\vec{F}\cdot\frac{d\vec{r}}{dt}d\lambda\]
onde, calculando a derivada da posição de cada elemento da espira em ordem ao tempo,
\[\frac{d\vec{r}}{dt}=-\rho\omega\cos\lambda\sin\left(\omega t\right)\vec{i}+\rho\omega\cos\lambda\cos\left(\omega t\right)\vec{j}\]
O trabalho desenvolvido pela força que deverá ser aplicada à espira para que esta mantenha a sua velocidade angular constante por unidade de tempo é dado por
\[\frac{dW}{dt}=\int_0^{2\pi}\frac{1}{R}\pi\rho^4B^2\omega^2\sin^2\left(\omega t\right)\cos^2\lambda d\lambda=\mathcal{E}I\]
Este resultado está de acordo com o princípio da conservação da energia, uma vez que \(\mathcal{E}I\) proporciona a potência dissipada pela resistência.