sexta-feira, 1 de maio de 2020

A esfera celeste

Introdução

A esfera celeste tem sido um elemento fulcral em astronomia. Desde muito cedo se observou que os astros são animados de um movimento diário aparente circular e uniforme no sentido de este para oeste. Por seu turno, alguns dos astros, tal como o Sol, a Lua ou os restantes planetas parecem estar animados de um movimento anual relativamente às estrelas mais longínquas. Esse movimento aparenta dar-se sobre uma esfera que se centra no observador.
A consideração da rotação da Terra de oeste para este permite explicar o movimento médio de rotação de todos os restantes astros no sentido de este para oeste. Muitos filósofos da Grécia Antiga partilhavam esta opinião. Concebido o conceito de rotação diária, resta a questão da sua posição. O facto de que os outros planetas ora se encontram mais próximos, ora mais afastados, sustenta a conclusão de que a Terra poderá não ocupar a posição central da esfera celeste. É concebível, deste modo, que se possa encontrar animada de um movimento de translação. Tal hipótese teria já sido sustentada na Antiguidade Grega, tendo ganho mais notoriedade durante o Renascimento.
Os movimentos dos corpos celestes parecem centrar-se em vários pontos distintos, o que permite concluir que o centro de gravidade da Terra pode não coincidir com o centro dos movimentos universais. A gravidade poderá ser uma propriedade que não lhe seja exclusiva, mas que se estende ao Sol, à Lua ou aos restantes planetas. A ordenação em altura dos planetas, considerando que os planetas interiores, cujas elongações (desvios angulares aparentes máximos) do Sol são limitadas, se encontram abaixo do Sol e os planetas exteriores acima, não é suficiente para explicar o facto de que a Lua, que constitui o astro mais baixo, apresenta todos os valores da elongação. A ordenação obtida do princípio de que os astros mais elevados possuem períodos maiores parece ser violada quando se considera o modelo geocêntrico, mas mantém-se se se considerar o modelo heliocêntrico. A consideração de que os planetas interiores orbitam o Sol teria já sido considerada por escritores do Império Romano.
A ordem dos movimentos parece melhor ser explicada pela consideração de que a Lua orbita a Terra num movimento circular e que o conjunto dos dois astros se encontram animados de um movimento de translação em torno do Sol, encontrando-se aí o centro dos movimentos dos restantes planetas.
A Terra, por seu turno, encontra-se animada de um movimento duplo. O movimento de rotação permite explicar o movimento médio diário dos restantes astros. O seu centro encontra-se animado de um movimento de translação ao longo da eclíptica de oeste para este. O eixo de rotação possui uma inclinação relativamente ao eixo do movimento de translação. A inclinação do eixo mantém-se essencialmente constante durante um intervalo de tempo da ordem do ano. O mesmo se passa com a direcção da projecção do eixo de rotação no plano da órbita que também se mantém constante na mesma ordem de intervalos de tempo. Na realidade, o eixo de rotação também se encontra animado de um movimento à semelhança do que acontece com um peão.

Os círculos notáveis

O movimento de rotação da Terra é dado em torno do eixo que define a direcção norte-sul. Os polos norte e sul deste movimento de rotação projectam-se nos polos norte \(N\) e sul \(S\) na esfera celeste. O círculo máximo com centro na origem da esfera perpendicular ao eixo norte-sul é designado por equador.
O movimento de translação da Terra em torno do Sol é sempre realizado sobre o mesmo plano. Assim, o movimento aparente do Sol relativo às estrelas longínquas dá-se sobre o círculo máximo conhecido por eclíptica. Trata-se de um movimento circular não uniforme cujo período remonta a um ano. A eclíptica intersecta o equador no equinócio da primavera \(H\) e no equinócio do outono \(I\). Os pontos \(A\) e \(B\), a norte e a sul do equador, que distam um quadrante dos equinócios ao longo da eclíptica são designados respectivamente por solstício de verão e solstício de inverno. A eclíptica possui uma inclinação \(\varepsilon\) relativamente ao equador, igual aos ângulos \(PON\) ou \(EOA\), com um valor aproximado de \(23^{\circ}\).
A rotação dos pontos \(A\) e \(B\) que correspondem aos solstícios traçam dois círculos menores designados por trópicos. A rotação do ponto \(A\) define o trópico do caranguejo e a rotação do ponto  \(B\), o trópico do capricórnio. A rotação dos polos \(P\) e \(Q\) da eclíptica, isto é, dos pontos da esfera celeste que estão contidos no eixo que lhe é perpendicular, geram respectivamente o círculo polar ártico e o círculo polar antártico.
O círculo máximo que contém os polos norte e sul bem como os polos da eclíptica é designado por coluro. Trata-se de um círculo máximo contido num plano que é simultaneamente perpendicular aos planos do equador e da eclíptica.

Esfera recta e esfera oblíqua

Em qualquer lugar à superfície da Terra a direcção vertical é aquela que é dada por um fio-de-prumo em equilíbrio. A direcção vertical do lugar define o zénite \(Z\) directamente acima do observador e o nadir \(M\) abaixo. O círculo máximo perpendicular ao eixo \(ZM\) recebe a designação de horizonte. Trata-se do círculo que separa a zona visível da esfera celeste da zona invisível quando observada do lugar em questão. Pode-se considerar que o horizonte se encontra centrado no centro da Terra uma vez que o raio terrestre é, de um modo geral, insignificante quando comparado com as distâncias aos astros. Ao círculo máximo que contém os polos norte e sul e o zénite dá-se a designação de meridiano.
O zénite de um observador que se encontre no equador terrestre está contido no equador celeste. O horizonte é perpendicular ao equador e contém os pólos da esfera celeste. Diz-se que um observador nestas condições se encontra na esfera recta.
O Sol, no seu movimento diário aparente, parte do ponto \(L\) onde se encontra na eclíptica e descreve uma órbita circular paralela ao equador. Esta órbita é dividida em duas partes iguais pelo horizonte de qualquer observador que se encontre na esfera recta. Dado que o movimento de rotação é uniforme, a duração dos dias é igual à duração das noites nesses lugares. Nestes casos, quando o Sol se encontra no equinócio, irá atravessar o meridiano no zénite do observador. Numa metade do ano irá cruzar o meridiano a sul e na outra metade cruzará o meridiano a norte.
Diz-se que um observador se encontra na esfera oblíqua se não se encontrar na esfera recta. Neste caso, o horizonte não é mais perpendicular ao equador.
Na esfera oblíqua, a duração dos dias iguala a duração das noites apenas quando o Sol se encontra nos equinócios e a sua órbita diária parente coincide com o equador.
Se o zénite do observador se encontrar na região limitada pelos trópicos, existem duas alturas no ano em que o Sol passa exactamente sobre o zénite quando atravessa o meridiano. Numa parte do ano o Sol atravessa o meridiano a norte e na outra parte do ano atravessa o meridiano a sul. De um modo geral, quando o zénite do observador se encontra na região delimitada pelos trópicos, incluindo o equador, as sombras são projectadas a norte ou a sul conforme a altura do ano. Os habitantes dessas regiões recebem a designação de anfiscianos.
Se o zénite do observador se encontrar nas regiões delimitadas pelos círculos polares, o horizonte encontra-se delimitado pelo equador e a eclíptica. Nesta situação, existem alturas do ano em que o Sol não cruza o horizonte durante o seu movimento diário, sendo sempre dia ou noite. Como as sombras se podem projectar em qualquer direcção, os habitantes desses lugares são denominados por periscianos.
Os habitantes cujo zénite se encontra entre os círculos polares e os trópicos são designados por heteroscianos uma vez que as suas sombras se projectam sempre a norte ou sempre a sul consoante se encontrem no hemisfério norte ou no hemisfério sul.

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