sábado, 10 de maio de 2014

Partícula num campo uniforme cujo movimento é limitado a uma curva

Num texto anterior apresentei uma solução geral do problema do lançamento de projécteis, no qual é investigada a natureza do movimento de uma partícula que se encontra sujeita a uma força constante na direcção vertical e sentido de cima para baixo. Nesse problema, a partícula pode mover-se livremente. Neste artigo é apresentado o caso no qual a partícula se encontra cingida a mover-se ao longo de uma curva. Fisicamente, este modelo poderá descrever um objecto que se mova sobre uma calha. Suponhamos que a equação da curva se pode escrever na forma
\[\left\{\begin{matrix} x= x(\lambda) \\ y=y(\lambda) \end{matrix}\right.\]
É óbvio que o movimento da partícula pode ser descrito pela função \(t\to\lambda(t)\). Num instante \(t\) fixo, o deslocamento virtual da partícula tem a direcção da tangente à curva na configuração que esta assume nesse instante. Assim, os deslocamentos virtuais ao longo de cada eixo coordenado estão relacionados pelas equações
\[\left\{\begin{matrix}\delta x= \frac{dx}{d\lambda}\delta\lambda \\ \delta y=\frac{dy}{d\lambda}\delta\lambda \end{matrix}\right.\]
Designando por \(\delta\vec{r}=(\delta x,\delta y)\) o deslocamento virtual, sabemos que o movimento da partícula satisfaz o princípio dos trabalhos virtuais cuja equação é, para este caso,
\[\left(m\frac{d^2\vec{r}}{dt^2}-m\vec{g} \right )\cdot\delta\vec{r}=0\]
onde \(\vec{g}=(0,-g)\). Substituindo os deslocamentos virtuais coordenados, vem
\[\left(\frac{d^2x}{dt^2}\frac{dx}{d\lambda}+\frac{d^2y}{dt^2}\frac{dy}{d\lambda}+g \frac{dy}{d\lambda} \right)\delta\lambda=0\]
e, como \(\delta\lambda\) é arbitrário, a equação torna-se equivalente a
\[\frac{d^2x}{dt^2}\frac{dx}{d\lambda}+\frac{d^2y}{dt^2}\frac{dy}{d\lambda}+g \frac{dy}{d\lambda}=0\]
Se multiplicarmos a equação anterior por \(\frac{d\lambda}{dt}\) e tivermos em atenção que \(\frac{dx}{dt}=\frac{dx}{\partial\lambda}\frac{d\lambda}{dt}\) e \(\frac{dy}{dt}=\frac{dy}{d\lambda}\frac{d\lambda}{dt}\), esta poder-se-á escrever como
\[\frac{d}{dt}\left[\frac{1}{2}\left(\frac{dx}{dt}\right)^2+\frac{1}{2}\left(\frac{dy}{dt}\right)^2+gy\right]=0\]
Se integrarmos a equação obtemos imediatamente a equação da conservação da energia, nomeadamente,
\[\frac{1}{2}\left(\frac{dx}{dt}\right)^2+\frac{1}{2}\left(\frac{dy}{dt}\right)^2+gy=E\]
Se substituirmos aqui as funções \(x\) e \(y\) pelas respectivas expressões em \(\lambda\), obtemos
\[\left(\frac{d\lambda}{dt}\right)^2\frac{\left(\frac{dx}{d\lambda}\right)^2+\left(\frac{dy}{d\lambda}\right)^2}{2}+gy=E\]
Uma vez que \(y=y(\lambda)\), estamos na presença de uma equação separável que se pode escrever na forma
\[\frac{\sqrt{\left(\frac{dx}{d\lambda}\right)^2+\left(\frac{dy}{d\lambda}\right)^2}}{\sqrt{2E-2gy}}d\lambda=dt\]
Tendo em conta que o arco de curva assume a forma
\[ds=\sqrt{\left(\frac{dx}{d\lambda}\right)^2+\left(\frac{dy}{d\lambda}\right)^2}d\lambda\]
a equação anterior escreve-se numa forma mais simples como
\[\frac{ds}{\sqrt{2E-2gy}}=dt\]
Esta expressão permite-nos averiguar o movimento de uma partícula que se move ao longo de uma linha recta partindo de um dado ponto com uma velocidade tangencial de módulo \(v\). Suponhamos que a equação dessa linha é da forma
\[\left\{\begin{matrix} x=\alpha\lambda\\ y=h-\beta\lambda \end{matrix}\right.\]
Segue-se que \(ds=\sqrt{\alpha^2+\beta^2}d\lambda\) ficando a equação do movimento na forma
\[\frac{d\lambda}{\sqrt{v^2+2g\beta\lambda}}=\frac{dt}{\sqrt{\alpha^2+\beta^2}}\]
Integrando o primeiro membro da equação entre \(0\) e \(\lambda\) e o segundo entre \(0\) e \(t\), obtemos
\[\frac{\sqrt{v^2+2g\beta\lambda}}{g\beta}-\frac{v}{g\beta}=\frac{t}{\sqrt{\alpha^2+\beta^2}}\]
Resolvendo em ordem a \(\lambda\) fica finalmente
\[\lambda=\frac{1}{2}\frac{g\beta}{\alpha^2+\beta^2}t^2+\frac{v}{\sqrt{\alpha^2+\beta^2}}t\]
Em coordenadas temos
\[\left\{\begin{matrix} x=\frac{1}{2}\frac{g\alpha\beta}{\alpha^2+\beta^2}t^2+\frac{\alpha v}{\sqrt{\alpha^2+\beta^2}}t\\ y=h-\frac{\beta v}{\sqrt{\alpha^2+\beta^2}}t-\frac{1}{2}\frac{g\beta^2}{\alpha^2+\beta^2}t^2 \end{matrix}\right.\]
Claro que, fazendo \(\alpha=0\), forçamos a partícula a assumir a trajectória vertical que corresponde à trajectória da partícula livre que é atirada com uma velocidade vertical \(v\) da altura \(h\). Neste caso, a equação reduz-se a
\[\left\{\begin{matrix} x=0\\ y=h-vt-\frac{1}{2}gt^2 \end{matrix}\right.\]
como seria de esperar.
Suponhamos agora que estamos na presença de dois pontos, \(A\) e \(B\) com coordenadas \(\left(x_1,y_1\right)\) e \(\left(x_2,y_2\right)\) respectivamente e pretendemos determinar a forma da trajectória que torna o tempo de deslocamento entre ambos o menor possível. Este é conhecido como o problema da braquistócrona. Seja a trajectória procurada definida pelas equação \(y=y(x)\). A integração da expressão relativa à conservação da energia dá-nos
\[\int_{x_1}^{x_2}{\frac{\sqrt{1+\left(\frac{dy}{dx}\right)^2}}{\sqrt{2E-2gy}}dx}=t\]
A função que minimiza o integral satisfaz a equação diferencial
\[\frac{d}{dx}\frac{\partial L}{\partial p}-\frac{\partial L}{\partial y}=0\]
onde \(p=\frac{dy}{dx}\) e
\[L\left(p,y\right)=\frac{\sqrt{1+p^2}}{\sqrt{2E-2gy}}\]
Se multiplicarmos a equação diferencial por \(p\) e aplicarmos a regra da derivada do produto, podemos escrevê-la como
\[\frac{d}{dx}\left(p\frac{\partial L}{\partial p}\right)-\frac{dp}{dx}\frac{\partial L}{\partial p}-p\frac{\partial L}{\partial y}=0\]
A regra da derivação da função composta proporciona-nos a expressão
\[\frac{dL}{dx}=\frac{\partial L}{\partial p}\frac{dp}{dx}+\frac{\partial L}{\partial y}p\]
a qual, substituída na equação anterior, transforma-a na seguinte
\[\frac{d}{dx}\left(p\frac{\partial L}{\partial p}-L\right)=0\]
que admite o integral imediato
\[p\frac{\partial L}{\partial p}-L=H\]
sendo \(H\) uma constante. Substituindo a função \(L\) e resolvendo, facilmente vemos que vale a expressão
\[(E-gy)\left(1+p^2\right)=\frac{1}{2H^2}\]
Trata-se de uma equação diferencial separável de primeira ordem. Se fizermos \(w=y-\frac{E}{g}\) transformamo-la em
\[(-gw)\left(1+q^2\right)=\frac{1}{2H^2}\]
onde \(q=\frac{dw}{dx}\). Procedendo da forma habitual no csao deste tipo de equações, escrevemos
\[dx=\sqrt{\frac{-gw}{K+gw}}dw\]
onde \(K=\frac{1}{2H^2}\). Resta-nos, pois, integrar as expressões em cada um dos membros, isto é,
\[x=\int{\sqrt{\frac{-gw}{K+gw}}dw}\]
Fazemos a substituição
\[\varphi^2=\frac{-gw}{K+gw}\]
ou, equivalentemente,
\[w=-K\frac{\varphi^2}{1+\varphi^2}\]
Esta transformação permite reduzir o integral de uma função algébrica ao integral da função racional
\[x=-K\int{\frac{2\varphi^2}{\left(1+\varphi^2\right)^2}d\varphi}\]
Se fizermos \(u=\varphi\), \(\frac{dv}{dw}=\frac{2\varphi}{\left(1+\varphi^2\right)^2}\) e aplicarmos a fórmula de integração por partes \(\int{u\frac{dv}{dw}dw}=uv-\int{\frac{du}{dw}vdw}\) obtemos
\[x=K\frac{\varphi}{\varphi^2+1}-K\int{\frac{d\varphi}{1+\varphi^2}}\]
A substituição típica \(\varphi=\tan{\frac{\theta}{2}}\) permite-nos escrever finalmente
\[x=\frac{K}{2}\left(\sin\theta-\theta+A\right)\]
sendo \(A\) a constante de integração. Se fizermos \(\theta=0\) quando \(x=0\), temos \(A=0\), \(\varphi=0\), \(w=0\) e, consequentemente, \(y=\frac{E}{g}\). Neste caso, \(\theta_1\) será o ângulo que, substituído na expressão para \(x\), proporciona \(x_1\). Convém notar que as várias transformações que aplicámos nos permitem escrever \(y\) como função de \(\theta\). Temos, portanto, as equações paramétricas
\[\left\{\begin{matrix} x=-\frac{K}{2}\left(\sin\theta-\theta \right )\\ y=\frac{E}{g}-\frac{K}{2}\left(1-\cos\theta \right ) \end{matrix}\right.\]
O sistema de equações
\[\left\{\begin{matrix} x_2=-\frac{K}{2}\left(\sin\theta_2-\theta_2 \right )\\ y_2=\frac{E}{g}-\frac{K}{2}\left(1-\cos\theta_2 \right ) \end{matrix}\right.\]
permite determinar o valor de \(K\) e \(\theta_2\) de modo que a curva procurada contenha os pontos enunciados no problema. Resta mencionar que a curva procurada recebe o nome de ciclóide. É interessante notar que a introdução da velocidade tangencial inicial \(v\) não nos conduz a um problema mais geral. De facto, Se a partícula partir do ponto \(A\) com velocidade tangencial \(v\) e chega ao ponto \(B\) no menor tempo possível ao longo de uma ciclóide então se esta for largada sem velocidade inicial do ponto \(C\) que fica no prolongamento dessa ciclóide e que tenha uma altura tal que a sua velocidade em \(A\) seja \(v\), reduzimos o problema com velocidade tangencial a um em que esta velocidade é nula.

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