quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Electromagnetismo - de Mileto a Poisson

Antes do conhecimento da electricidade, o homem estava ciente dos choques causados pelos peixes eléctricos. Estes fenómenos foram estudados mais tarde na antiguidade grega, romana e árabe.
Nas culturas mediterrânicas antigas era conhecido o facto de que, esfregando uma rodela de âmbar com pêlos ou lã, esta adquiria a propriedade de atrair objectos ligeiros como penas. O grego Thales de Miletos realizou uma série de observações em electricidade estática das quais concluiu que a fricção tornava o âmbar magnético em contraste com a magnetite que não carecia de tal fricção. Apesar do seu pressuposto estar incorrecto, hoje é conhecida a estreita relação entre as duas manifestações, a electricidade e o magnetismo. Estes fenómenos não passaram de meras curiosidades até ao início do século XVII, altura em que se dava uma revolução profunda nos modos de pensamento.
Ainda na era medieval, destaca-se o trabalho de Petrus Peregrinus sobre o magnetismo o qual se tornou deveras popular nos meios escolásticos. Este autor descreveu o procedimento do seguinte modo:
A magnetite tem uma propriedade semelhante aos céus. Aí sobressaem dois pontos relativamente a todos os outros sobre os quais revolvem as esferas celestes. Tais pontos recebem a designação de pólos norte e sul. Também na magnetite sobressaem dois pontos como é possível observar, seguindo um conjunto simples de preceitos. Recorrendo aos instrumentos usados para arredondar cristais, talha-se, numa pedra de magnetite, uma forma globular, a qual é polida. Coloca-se uma agulha sobre a pedra numa qualquer posição e deixa-se girar livremente. Traça-se uma linha ao longo da direcção da agulha. Repete-se o processo em outro ponto da pedra, resultando, do mesmo, uma outra linha. O processo é repetido tantas vezes quantas aprouver. Todas as linhas geradas intersectam-se em dois pontos do mesmo modo que os meridianos azimutais se encontram nos pólos. Para determinar qual dos pólos da pedra é o norte ou o sul, coloca-se a pedra num prato de madeira, flutuando num recipiente com água. Se deixarmos o prato girar livremente, ao fim de algum tempo, o pólo norte da pedra aponta no sentido do norte celeste, acontecendo o mesmo ao pólo sul.
Uma vez identificados os pólos, conseguiu determinar a famigerada lei:
Pólos de nomes contrários atraem-se e pólos do mesmo nome repelem-se.
A bússola é o instrumento que se baseia na orientação dos pólos magnéticos de uma pedra do género e já era conhecida muito anteriormente pelos chineses ou ainda antes pelos olmecas.
Historicamente, considera-se o início do estudo detalhado da electricidade e do magnetismo com William Gilbert que introduziu o termo “eléctrico”. Este autor é o primeiro a propor a hipótese de que a Terra se comporta como um grande magnete. Desenvolve os resultados de Pedrus, os quais são enquadrados numa descrição filosófica por Descartes, de acordo com a sua teoria dos vórtices de matéria. Nesta descrição, um vórtice de matéria sai de um dos pólos e reentra no outro. Este vórtice age sobre o ferro ou o aço, uma vez que estas substâncias possuem a capacidade de lhe oferecer uma enorme resistência. Curiosamente, esta teoria, não desvaneceu durante muitos anos e, tanto Euler como os Bernoulli, explicaram as suas teorias do magnetismo com base nesta simples ideia.
Por seu turno, Niccolo Cabeo parece ter sido o primeiro a observar que os corpos electrizados tanto se repelem como se atraem em conformidade com o magnetismo, apesar da sua diferente natureza ser já conhecida na altura. De facto, a magnetite atrai os corpos ferrosos quando interpomos uma folha de papel ou quando se encontra submergida em água. Ao contrário, os corpos electrizados cessam tais propriedades nas mesmas condições. A explicação física de Gilbert para o fenómeno baseava-se na emanação de um eflúvio que, apesar de não causar a diminuição de massa do corpo electrizado, era suficientemente potente para levitar os vários materiais. Esta explicação estava tão arraigada nas mentes da altura que a teoria da atracção universal de Newton não inspirou qualquer hipótese alternativa. Uma teoria bizarra mas interessante foi aventada por Gravesand segundo a qual o vidro contém no seu seio e em seu torno uma certa atmosfera que é excitada pela fricção e posta em movimento vibratório de modo a atrair e a repelir corpos pequenos. As ínfimas partes do vidro são agitadas pela fricção e, dada a sua natureza elástica, o seu movimento é vibratório que é comunicada à atmosfera supracitada.
Um pouco mais tarde, Gray e Desaguliers desenvolvem experiências que permitem concluir a existência de materiais capazes de transportar as propriedades eléctricas dos materiais entre dois pontos distintos bastante separados. Este último autor denominou-os de condutores. O resultado permitiu refutar a hipótese de que o eflúvio eléctrico estava condicionado aos objectos que seriam friccionados e poderia mover-se livremente entre os diferentes corpos. Foi Du Fay quem descobriu a natureza bivalente da electricidade, isto é, descobriu que existem dois tipos de electricidade. Este realizou experiências de contacto entre tubos de vidro e vários materiais. Folhas de ouro e o vidro tinham um comportamento oposto face aos materiais resinosos. A uns, designou por vítreos e a outros deu-lhes a designação de resinosos.
No seguimento destas experiências surge uma que merece alguma reflexão. O físico Pieter Van Musschenbroek, com o intuito de preservar as propriedades eléctricas, elabora uma experiência que viria permitir tanto amplificar a força eléctrica como armazená-la.

O aparato consistia numa garrafa de água arrolhada, onde era mergulhado um condutor. À extremidade exterior do condutor era aplicada fricção através de um globo giratório de vidro. De facto, na extremidade do condutor eram colocadas pequenas franjas metálicas para facilitar a carga. A ideia do autor consistia em carregar a massa de água, mantendo a carga com o auxílio do vidro. O seu colaborador, enquanto lavava a garrafa, toca por acidente na extremidade do condutor, apanhando um violento choque eléctrico. Tinha sido descoberto um método para armazenar e amplificar a propriedade eléctrica. Verificou-se que era possível aumentar o efeito se se revestisse parcialmente o exterior da garrafa com uma folha metálica.
As subsequentes experiências de Watson e Franklin recorriam a tal engenho e permitiram-lhes concluir que a electricidade é parte integrante dos corpos e conserva-se durante qualquer processo. A fricção dos corpos eléctricos apenas permite transferir, com maior ou menor dificuldade, electricidade entre eles. Ficava, assim assente o princípio da conservação da carga eléctrica. Outras experiências permitiram concluir que, quando um corpo electrizado se aproximava de um condutor, este adquiria, na vizinhança do corpo, características eléctricas opostas. Por exemplo, se se aproximasse um corpo electrizado resinoso de uma das extremidades de um condutor, este adquiria propriedades eléctricas vítreas.
O físico francês Coulomb recorreu à balança de torção para determinar, com a exactidão necessária, a relação entre as propriedades eléctricas, as distâncias e as forças originadas entre elas. Actualmente a lei de Coulomb escreve-se

Trata-se de uma forma semelhante à lei da atracção gravítica. É interessante notar que este autor era adepto da versão afim à teoria dos dois fluxos eléctricos. A constante de proporcionalidade e conceito de carga eléctrica surgiu mais tarde.
Pela mesma altura, Galvani descobriu acidentalmente que o músculo da coxa de uma rã previamente dissecada se contraía quando era submetida a uma descarga da garrafa de Leyden. Tal facto levou-o a indagar se seria possível obter as mesmas contracções de uma atmosfera eléctrica. Para o verificar, suspendeu de uma barra de ferro, por um gancho, uma coxa de rã. Quando tocava com o músculo da coxa na mesma barra, este contraía-se. Explicou o fenómeno considerando que o músculo da rã formava algo semelhante a uma garrafa de Leyden. O físico italiano Volta, na sequência das suas experiências com condutores, conclui que estes se classificam electricamente em dois tipos. Os de primeira espécie nos quais se contam o carbono e os metais e os de segunda espécie aos quais designou por electrólitos. Descobriu a possibilidade da produção de uma corrente eléctrica semelhante àquela produzida durante a descarga de uma garrafa de Leyden. Para o efeito, era suficiente interpor dois condutores da primeira espécie com um condutor electrolítico. Com este resultado em vista, foi imediata a criação da primeira pilha eléctrica, a qual é constituída por pares de discos de cobre (ou prata) e zinco (ou estanho) separados por um material húmido com uma solução salina.
Este autor viveu o tempo suficiente para ver os desenvolvimentos matemáticos desta área, os quais começaram a ser desenvolvidos por Poisson.

Sem comentários:

Enviar um comentário