sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

A experiência de interferência de Michelson (por H. A. Lorentz)

Como o fez notar Maxwell e o qual se segue de um cálculo simples, o tempo necessário para um raio de luz viajar do ponto \(A\) para o ponto \(B\), regressando a \(A\), tem de variar sempre que ambos os pontos sofram um deslocamento sem arrastar consigo o éter. A diferença é, certamente, de magnitude de segunda ordem mas é suficientemente grande para ser detectada por um método sensível de interferência.
A experiência foi levada a cabo por Michelson em 1881. O seu aparato, uma espécie de interferómetro, era composto por dois braços horizontais, \(P\) e \(O\) com o mesmo comprimento, fazendo, entre si, um ângulo recto. Dos dois raios de luz mutuamente interferentes, um atravessa o braço \(P\) e regressa e o outro atravessa o braço \(O\), regressando novamente. Todo o instrumento, incluindo a fonte de luz e o aparelho para fazer as observações pode ser revolvido em torno de um eixo vertical; e as posições nas quais os braços \(P\) ou \(O\) estão o mais proximamente orientados com a direcção do movimento da Terra são tidas com especial consideração. Com base na teoria de Fresnel antecipou-se que, quando o aparato é rodado de uma dessas posições principais para outra, dar-se-ia um deslocamento nas franjas de interferência.
Mas acerca de tal deslocamento - que brevemente designaremos por deslocamento de Maxwell - devido à variação dos tempos de propagação, nenhum rastro foi encontrado, e, concordante com a experiência, Michelson assumiu que, enquanto a Terra se move, o éter não se encontra em repouso. A validade desta interferência foi cedo posta em causa pois, por descuido, Michelson tomou para a diferença de fase, que seria de esperar de acordo com a teoria, um valor duplo do correcto. Se fizermos as correcções necessárias, chegamos a deslocamentos não superiores àqueles que se originam por erros de medição.
Subsequentemente, Michelson retomou a investigação juntamente com Morley, melhorando a precisão da experiência, forçando cada feixe de luz a ser reflectido entre um número de espelhos. Deste modo, tiraram o mesmo proveito que tirariam se os braços fossem consideravelmente maiores. Os espelhos foram montados em discos maciços de pedra, flutuando em mercúrio e facilmente rodáveis. Cada feixe tinha de percorrer a distância total de 22 metros e, de acordo com a teoria de Fresnel, o deslocamento que seria de esperar passando de uma posição principal para outra seria 0,4 da distância entre franjas de interferência. Contudo, a rotação não produzia deslocamentos superiores a 0,02 desta distância e estes são atribuíveis a erros de observação.
Ora, será que este resultado nos dá o direito de assumir que o éter toma parte no movimento da Terra e que, portanto, a teoria da aberração de Stokes é a correcta?
As dificuldades que esta teoria encontra ao explicar a aberração parecem ser demasiado grandes para que partilhe essa opinião e, ao invés, tentarei remover a contradição entre a teoria de Fresnel e o resultado de Michelson. Uma hipótese que trouxe a lume há algum tempo atrás, a qual, como subsequentemente percebi, também ocorreu a Fitzgerald, possibilita-nos fazê-lo. O próximo parágrafo estabelecerá esta hipótese.
De modo a simplificar a questão, assumiremos que estamos a trabalhar com o aparato empregue na primeira experiência e que, numa das posições principais, o braço \(P\) se encontra exactamente na direcção do movimento da Terra. Seja \(\nu\) a velocidade deste movimento, \(L\) o comprimento de cada braço e, consequentemente, vale \(2L\) o comprimento atravessado pelo raio de luz. De acordo com a teoria, a rotação do aparato de 90º causa que o tempo que o feixe leva a percorrer o braço \(P\) nos dois sentidos seja maior que o tempo que o outro feixe leva a fazer a sua jornada de uma quantidade igual a
\[\frac{Lv^2}{c^3}\]
Dar-se-ia esta mesma diferença se a translação não tivesse qualquer influência e o braço \(P\) fosse maior que o braço \(O\) de
\[\frac{1}{2}\frac{Lv^2}{c^2}\]
e similarmente para a outra posição principal. Então vemos que as diferenças de fase esperadas pela teoria também surgem se, quando o aparato é revolvido, primeiro um braço e depois o outro é o mais comprido. Segue-se que as diferenças de fase podem ser compensadas por mudanças contrárias das dimensões.
Se assumirmos que o braço que está orientado com o movimento da Terra é mais pequeno que o outro de \(\frac{1}{2}\frac{Lv^2}{c^2}\) e que, ao mesmo tempo, a translação tenha a influência que é esperada da teoria de Fresnel então o resultado da experiência de Michelson fica completamente explicado.
Temos então que imaginar que o movimento de um corpo sólido (como uma haste de bronze ou o disco de pedra empregue na experiência posterior) através do éter em repouso exerce sobre as dimensões desse corpo uma influência que varia de acordo com a orientação desse corpo no que respeita à direcção do movimento. Se, por exemplo, as dimensões paralelas a esta direcção fossem alteradas na proporção de 1 para 1+δ e as perpendiculares de 1 para 1+ε então deveríamos ter a equação
\[\epsilon-\delta=\frac{1}{2}\frac{v^2}{c^2}\]
na qual o valor de uma das quantidades δ ou ε teria de permanecer indeterminada. Poderia acontecer que ε=0, \(\delta=-\frac{1}{2}v^2/c^2\), mas também \(\epsilon=\frac{1}{2}v^2/c^2\), δ=0 ou \(\epsilon=\frac{1}{4}v^2/c^2\) e \(\delta=-\frac{1}{4}v^2/c^2\). Por mais surpreendente que esta hipótese possa parecer à primeira vista, mesmo assim temos de admitir que não é, de forma alguma, rebuscada, desde que assumamos que as forças moleculares são também transmitidas através do éter como as forças eléctricas e magnéticas sobre as quais somos capazes de fazer definitivamente tal asserção nos tempos de hoje. Se elas são assim transmitidas, a translação irá, muito provavelmente, afectar a acção entre duas moléculas ou átomos de uma forma que se assemelha à atracção ou repulsão entre partículas carregadas. Ora, como a forma e dimensões dum corpo sólido são, em último plano, condicionadas pela intensidade das acções moleculares, não pode cessar de se dar uma mudança de dimensões.
Do ponto de vista teórico não existe qualquer objecção à hipótese. No que concerne à sua demonstração experimental devemos, em primeiro lugar, fazer notar que os aumentos de diminuições de comprimento em questão são extraordinariamente pequenos. Temos \(v^2/c^2=10^{-8}\) e então, se ε=0, a diminuição dum diâmetro terrestre seria aproximadamente de 6,5 cm. O comprimento de um metro de haste variará, quando movido de uma posição principal para outra, aproximadamente 1/200 micron. Não podemos aspirar a grande sucesso ao tentar aperceber-nos de tão ínfimas quantidades senão por intermédio dum método de interferência. Devemos operar com duas hastes perpendiculares e com dois feixes de luz mutuamente interferentes fazendo com que um deles viaje ao longo da primeira haste e volte e o outro viaje, da mesma forma, ao longo da segunda haste. Mas deste modo, voltamos de novo à experiência de Michelson e, girando o aparato, não dos devemos aperceber de qualquer deslocamento das franjas. Revertendo a nota anterior, podemos dizer que o deslocamento produzido pelas alterações do comprimento é compensado pelo deslocamento de Maxwell.
Vale a pena fazer ver que somos conduzidos às mesmas alterações de dimensões como foi acima presumido se, primeiro, sem ter em conta o movimento molecular, assumirmos que num corpo sólido deixado a si, as forças, atracções ou repulsões, actuando sobre qualquer molécula, mantêm-nas em equilíbrio e segundo - embora para ter a certeza, não há nenhuma razão para não o fazer - se aplicarmos a estas forças a lei que, em outro lugar, deduzimos para as acções electrostáticas. Porque se entendermos por \(S_1\) e \(S_2\) não, como ateriormente, dois sistemas de partículas carregadas mas duas moléculas - a segunda em repouso e a primeira movendo-se com velocidade v na direcção do eixo do x - entre aquelas dimensões sobre as quais a relação subsiste como previamente estabelecido; e se assumirmos que em ambos os sistemas as componentes x das forças são as mesmas, enquanto as componentes y e z diferem uma da outra por um factor igual a \(\sqrt{1-v^2/c^2}\), então é claro que as forças em \(S_1\) estarão em equilíbrio desde que estejam em equilíbrio em \(S_2\). Se, portanto, \(S_2\) se encontra no estado de equilíbrio de um corpo sólido em repouso, então as moléculas em \(S_1\) têm precisamente as posições nas quais podem persistir sob a influência da translação. O deslocamento trará, naturalmente, a disposição de moléculas ao seu acordo e então efectuando um encurtamento na direcção do movimento numa proporção de 1 para \(\sqrt{1-v^2/c^2}\) de acordo com as fórmulas dadas no parágrafo precedente. Isto leva aos valores
\[\delta=-\frac{1}{2}\frac{v^2}{c^2},\ \ \ \ \epsilon=0\]
Na realidade, as moléculas de um corpo não estão em repouso, mas em qualquer "estado de equilíbrio" existe um movimento estacionário. Que influência esta circunstância poderá ter no fenómeno que temos vindo a considerar é uma questão que aqui não abordámos; de qualquer das formas, as experiências de Michelson e Morley, como consequência de erros de observação inevitáveis, permitem uma latitude considerável para os valores de δ e ε.

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