quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Determinação do potencial criado por uma distribuição esférica de carga com densidade constante

O estudo matemático rigoroso do electromagnetismo foi iniciado por Poisson na sua memória «Mémoire sur la distribution de l'électricité à la surface des corps conducteurs», o qual estendeu as principais ideias da mecânica celeste sobre a teoria do potencial aos fenómenos da electrostática. De facto, a forma para o potencial eléctrico criado por uma carga num ponto do espaço de acordo com a lei de Coulomb é semelhante em forma ao potencial gravítico criado por uma massa, satisfazendo a lei da atracção de Newton. Neste contexto, Poisson calculou o potencial criado por uma distribuição de carga em qualquer ponto do espaço, incluindo os pontos sobre os quais se situa essa distribuição. A partir desse cálculo, conseguiu generalizar a equação de Laplace naquela que hoje recebe o seu nome. Neste texto, apresento o cálculo do potencial de uma esfera uniformemente carregada em qualquer ponto do espaço, incluindo aqueles no interior e superfície da esfera.
Começamos por considerar uma esfera de raio \(R\) carregada com densidade de carga constante e um ponto \(P\) no espaço. Consideramos um referencial cuja origem coincide com o centro da esfera alinhado de modo que o ponto \(P\) esteja contido no eixo do Z. Neste referencial, o ponto \(P\) tem coordenadas \((0,0,z)\).
O potencial criado pela esfera no ponto \(P\) é dado pelo integral triplo, sobre a esfera
\[\frac{\rho}{4\pi\epsilon_0}\int_{Esfera}{\frac{dx'dy'dz'}{\sqrt{x'^2+y'^2+\left(z-z'\right)^2}}}\]
onde \(\rho\) corresponde à densidade de carga. Queremos efectuar a integração sobre o conjunto de pontos que satisfazem a condição \(x'^2+y'^2+z'^2\le R^2\). Para o efeito, como é habitual, consideramos as coordenadas esféricas
\[\left\lbrace\begin{array}{l} x'=r\sin\theta\cos\phi\\ y'=r\sin\theta\sin\phi\\ z'=r\cos\theta \end{array}\right.\]
De modo que as novas coordenadas cubram a esfera - com excepção do centro (notar que apenas um ponto não contribui para o valor de um integral) - \(r\) terá de variar entre \(0\) e \(r\), \(\varphi\) terá de variar entre \(0\) e \(2\pi\) e \(\theta\) terá de variar entre \(0\) e \(\pi\). O determinante do jacobiano, isto é, o elemento de volume é dado por \(r^2\sin\theta\). O integral, nestas coordenadas, pode ser reiterado do seguinte modo:
\[\frac{\rho}{4\pi\epsilon_0}\int_{0}^R{\int_{0}^{\pi}{\int_{0}^{2\pi}{\frac{r^2\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\phi}d\theta}dr}\]
Resolvemos o integral interior, vindo
\[\frac{\rho}{2\epsilon_0}\int_{0}^R{\int_{0}^{\pi}{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}rdr}\]
Determinamos a primitiva
\[\int{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}=\frac{1}{z}\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}+K\]
Quando o valor de \(z\) é superior a \(R\), a expressão no denominador do integrando é sempre positivo e nunca se anula, uma vez que \(\left|z-r\right|\le\sqrt{r^2+z^2-2rz\cos\theta}\le z+r\). Para este caso, obtemos o potencial
\[\frac{\rho}{2z\epsilon_0}\int_0^R{\left\lbrack z+r-\left(z-r \right )\right\rbrack dr}=\frac{\rho}{2z\epsilon_0}\frac{R^3}{3}=\frac{Q}{4\pi\epsilon_0}\frac{1}{z}\]
onde \(Q\) representa a carga total da esfera, dada pelo produto do volume pela densidade de carga.
Por outro lado, quando \(z\) está no interior da esfera, temos de dividir a expressão para o potencial do seguinte modo:
\[\frac{\rho}{2\epsilon_0}\left\lbrack\int_0^z{\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}rdr}+\int_z^R{\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}rdr} \right\rbrack\]
Na primeira parcela temos \(z>r\) e na segunda temos \(r>z\). Logo, para o primeiro caso vem
\[\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}=\frac{(z+r)-(z-r)}{z}=\frac{2r}{z}\]
Quanto à outra parcela, temos
\[\int_0^\pi{\frac{r\sin\theta}{\sqrt{r^2+z^2-2zr\cos\theta}}d\theta}=\frac{(r+z)-(r-z)}{z}=2\]
Substituímos no integral reiterado para obtermos o potencial
\[\frac{\rho}{2\epsilon_0}\left[\int_0^z{\frac{2r^2}{z}dr}+\int_z^R{2rdr} \right ]=\frac{\rho}{2\epsilon_0}\left(R^2-\frac{z^2}{3} \right )\]
Se dissermos que \(r\) é a distância do ponto \(P\) ao centro da esfera, então o potencial \(V(r)\) criado em \(P\) vale
\[V(r)=\left\lbrace\begin{array}{l} \frac{\rho}{3\epsilon_0r}, r\le R\\ \frac{\rho}{2\epsilon_0}\left(R^2-\frac{r^2}{3} \right ) \end{array}\right.\]
Como \(r=\sqrt{x^2+y^2+z^2}\), facilmente verificamos que \(\nabla^2r^2=6\) e \(\nabla^2 1/r=0\). Daqui resulta que, no exterior da esfera temos \(\nabla^2V=0\) e no interior temos \(\nabla^2 V=\rho/\epsilon_0\).
Se estivermos na presença de uma distribuição arbitrária de carga, em cada ponto dessa distribuição é possível arranjar uma esfera cujo raio podemos fazer tão pequeno quanto queiramos. Fora dessa pequena esfera, o laplaciano do potencial por ela criado é nulo. No entanto, no seu interior, a densidade pode ser considerada constante e o laplaciano toma o valor calculado. Foi este o argumento de Poisson para afirmar que a equação diferencial para o potencial é válida para qualquer distribuição de carga.

Sem comentários:

Enviar um comentário