terça-feira, 3 de junho de 2025

Problema de uma partícula que se move em torno de um campo gravítico central

 No texto enlinha Invariantes nas equações do movimento foi observado que o problema geral de uma partícula que se move em torno de um campo gravítico central, cujas soluções dependem de seis condições iniciais, se reduz a um problema mais simples se se considerar uma configuração particular das condições iniciais, obtendo as demais soluções por simples rotação. Suponha-se que \(x\), \(y\) e \(z\) são dados, em coordenadas esféricas, por

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=r\sin\phi\cos\theta\\ y=r\sin\phi\sin\theta\\z=r\cos\phi\end{array}\right.\]

Nestas coordenadas determina-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}l_1=y'z-z'y=r^2\phi'\sin\theta+r^2\theta'\sin\phi\cos\phi\cos\theta\\ l_2=z'x-x'z=-r^2\phi'\cos\theta+r^2\theta'\sin\phi\cos\phi\sin\theta\\l_3=x'y-y'x=-r^2\theta'\sin^2\phi\end{array}\right.\]

Observa-se que as soluções que satisfazem

\[\phi=\frac{\pi}{2}\]

se existirem, são tais que \(l_1=l_2=0\) e \(l_3=-r^2\theta'\), pois \(\phi'=0\). A função \(L\), neste caso, fica da forma

\[L=\frac{1}{2}m\left(r'^2+r^2\theta'^2\right)+\frac{GMm}{r}\]

onde se considera o caso clássico em que a intensidade da força é proporcional ao quadrado da distância ao seu centro,

\[U(r)=\frac{GMm}{r}\]

 Segue-se que

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p_r=\frac{\partial L}{\partial r'}=mr'\\ p_\theta=\frac{\partial L}{\partial \theta'}=mr^2\theta'\end{array}\right.\]

e

\[H=\frac{1}{2m}\left(p_r^2+\frac{1}{r^2}p_\theta^2\right)-\frac{GMm}{r}\]

Procedendo de um modo semelhante ao apresentado enlinha na ligação A função característica para dois osciladores harmónicos independentes, considera-se a equação diferencial às derivadas parciais para \(W\) na forma

\[\frac{1}{2m}\left(\left(\frac{\partial W}{\partial r}\right)^2+\frac{1}{r^2}\left(\frac{\partial W}{\partial\theta}\right)^2\right)-\frac{GMm}{r}-E=0\]

ou

\[\frac{r^2}{2m}\left(\frac{\partial W}{\partial r}\right)^2-GMmr-Er^2+\frac{1}{2m}\left(\frac{\partial W}{\partial\theta}\right)^2=0\]

 Ora, considerando que \(W(r,\theta)=W_r(r)+W_\theta(\theta)\), obtém-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{r^2}{2m}\left(\frac{dW_r}{dr}\right)^2-GMmr-Er^2+\frac{l^2}{2m}=0\\ \frac{dW_\theta}{d\theta}=l\end{array}\right.\]

e, portanto,

\[W=l\left(\theta-\theta_0\right)+\int_{r_0}^r{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}dr}\]

isto é,

\[V=l\left(\theta-\theta_0\right)+\int_{r_0}^r{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}dr}-E\left(t-t_0\right)\]

Dado que \(V\) não depende explicitamente de \(E\) e \(l\), então

\[\frac{\partial V}{\partial l}=\frac{\partial V}{\partial E}=0\]

de onde se extraem as equações

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\theta-\theta_0=\int_{r_0}^r{\frac{l}{r^2\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}}dr}\\ t-t_0=\int_{r_0}^r{\frac{m}{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}}dr}\end{array}\right.\] 

Torna-se claro que a primeira equação provê a órbita da partícula, proporcionando \(r\) em função do ângulo \(\theta\). A substituição

\[r\to\frac{1}{u}\]

permite escrever

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\theta-\theta_0=-\int_{u_0}^u{\frac{l}{\sqrt{2GMm^2u+2mE-l^2u^2}}du}\\ t-t_0=\int_{u_0}^u{\frac{m}{u^2\sqrt{2GMm^2u+2mE-l^2u^2}}du}\end{array}\right.\]

A solução do primeiro integral é dada por

\[\theta-\theta_0=\arcsin\left(\frac{u_0-\frac{GMm^2}{l^2}}{\sqrt{\frac{2mE}{l^2}+\left(\frac{GMm^2}{l^2}\right)^2}}\right)-\arcsin\left(\frac{u-\frac{GMm^2}{l^2}}{\sqrt{\frac{2mE}{l^2}+\left(\frac{GMm^2}{l^2}\right)^2}}\right)\]

Ora, se se fizer

\[\tau=\arcsin x-\arcsin y\]

isto é,

\[\arcsin y=\tau-\arcsin x\]

então

\[y=-x\cos\tau+\sqrt{1-x^2}\sin\tau\]

que, aplicada à solução encontrada, permite escrevê-la como

\[u-\frac{GMm^2}{l^2}=\left(u_0-\frac{GMm^2}{l^2}\right)\cos\tau-\sqrt{\frac{2mE}{l^2}-u_0^2+\frac{2GMm^2}{l^2}u_0}\sin\tau\]

em que \(\tau=\theta-\theta_0\). Em termos de \(r\) e \(r_0\) tem-se a equação da órbita na forma

\[r=\frac{1}{\frac{GMm^2}{l^2}+\left(\frac{1}{r_0}-\frac{GMm^2}{l^2}\right)\cos\left(\theta-\theta_0\right)-\frac{1}{l}\sqrt{2mE-\frac{l^2}{r_0^2}+\frac{2GMm^2}{r_0}}\sin\left(\theta-\theta_0\right)}\]

 Das equações do movimento associadas à função característica \(V\) obtem-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial V}{\partial r_0}=-\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial r'}\right\rbrack_{t=t_0}\\ \frac{\partial V}{\partial \theta_0}=-\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial \theta'}\right\rbrack_{t=t_0}\end{array}\right.\]

que proporcionam o valor de \(E\) e \(l\) em termos dos valores associados às condições iniciais, nomeadamente,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}E=\frac{1}{2}m{r'}_0^2+\frac{l^2}{2mr_0^2}-\frac{GmM}{r_0}\\ l=mr_0^2\theta'_0\end{array}\right.\]

e que permitem reescrever a equação da órbita como

\[r=\frac{\left(r_0^2\theta'_0\right)^2}{GM+\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)\cos\left(\theta-\theta_0\right)-r_0^2\theta'_0r'_0\sin\left(\theta-\theta_0\right)}\]

Se se fizer

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\cos\eta=\frac{r_0^3{\theta'}_0^2-GM}{\sqrt{\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)^2+\left(r_0^2\theta'_0r'_0\right)^2}}\\ \sin\eta=\frac{r_0^2\theta'_0r'_0}{\sqrt{\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)^2+\left(r_0^2\theta'_0r'_0\right)^2}}\end{array}\right.\]

a equação da órbita pode ser escrita na forma

\[r=\frac{A}{B+C\cos\tau}\]

onde se fez, para abreviar,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}A=r_0^2\theta'_0\\ B=GM\\ C=\sqrt{\left(r_0^3{\theta'}_0^2-GM\right)^2+\left(r_0^2\theta'_0r'_0\right)^2}\\ \tau=\theta-\theta_0+\eta\end{array}\right.\]

Trata-se da equação de uma elipse se \(B>C\), da parábola, se \(B=C\) e da hipérbole, caso \(B<C\). No caso da elipse o semi-eixo das abcissas será dado por

\[a=\frac{AB}{B^2-C^2}\]

e, no da hipérbole, por

\[a=\frac{AB}{B^2+C^2}\]

O segundo integral, nomeadamente,

 \[t-t_0=\int_{r_0}^r{\frac{m}{\sqrt{\frac{2GMm^2}{r}+2mE-\frac{l^2}{r^2}}}dr}\]

permite determinar a dependência temporal de \(r\) mas é muito mais trabalhoso. No entanto, da equação

\[\frac{\partial V}{\partial \theta}=\frac{\partial L}{\partial\theta'}\]

obtém-se a equação diferencial seperável

\[mr^2\theta'=l\]

cuja solução para \(\theta\) se escreve como

\[\frac{l}{m}\left(t-t_0\right)=\int_{\theta_0}^\theta{\frac{A^2}{\left(B+C\cos\left(\theta-\theta_0+\eta\right)\right)^2}d\theta}\]

Dado que o integral representa o dobro área da secção da órbita definida pelo raio vector com origem no foco quando roda desde o ângulo \(\theta_0\) até ao ângulo \(\theta\), osberva-se que, com efeito, essa área aumenta linearmente com o tempo.  

quarta-feira, 2 de abril de 2025

A função característica para dois osciladores harmónicos independentes

 Considere-se o sistema mecânico de uma partícula descrito pela função (ver Uma simplificação do princípio dos trabalhos virtuais aplicados à Dinâmica)

\[L=\frac{1}{2}m\left(x'^2+y'^2\right)-\frac{1}{2}m\left(\omega_1^2x^2+\omega_2^2y^2\right)\]

Como habitual, determinam-se os momentos como

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p_x=\frac{\partial L}{\partial x'}=mx'\\ p_y=\frac{\partial L}{\partial y'}=my'\end{array}\right.\]

De acordo com o que foi apresentado em A função característica em mecânica, constrói-se a função

\[H=x'p_x+y'p_y-L=\frac{1}{2m}\left(p_x^2+p_y^2\right)+\frac{1}{2}m\left(\omega_1^2x^2+\omega_2^2y^2\right)\]

uma vez que as componentes das velocidades se calculam, em função dos momentos, como

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=\frac{p_x}{m}\\ y'=\frac{p_y}{m}\end{array}\right.\]

A equação diferencial às derivadas parciais que permite determinar a equação característica \(V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)\) é dada, portanto, por

\[\frac{1}{2m}\left(\left(\frac{\partial V}{\partial x}\right)^2+\left(\frac{\partial V}{\partial y}\right)^2\right)+\frac{1}{2}\left(\omega_1^2x^2+\omega_2^2y^2\right)=-\frac{\partial V}{\partial t}\]

 Observa-se que

\[H\left(x,y,x',y'\right)=H\left(x,x'\right)+H\left(y,y'\right)\]

onde

\[\left\lbrace\begin{array}{l} H\left(x,x'\right)=\frac{1}{2m}p_x^2+\frac{1}{2}m\omega_1^2 x^2\\ H\left(y,y'\right)=\frac{1}{2m}p_y^2+\frac{1}{2}m\omega_2^2 y^2\end{array}\right.\]

Considera-se, portanto, a solução da equação diferencial às derivadas parciais da forma

\[V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)=W_1\left(x,x_0,E_1\right)+W_2\left(y,y_0,E_2\right)-\left(E_1+E_2\right)\left(t-t_0\right)\]

Como \(V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)\) não depende explicitamente de \(E_1\) ou \(E_2\), isto é, como

\[\frac{\partial V}{\partial E_1}=\frac{\partial V}{\partial E_2}=0\]

segue-se uma das equação do movimento

\[\frac{\partial W_1}{\partial E_1}=\frac{\partial W_2}{\partial E_2}=t-t_0\]

A substituição da solução proposta na equação diferencial às derivadas parciais conduz ao sistema de equações diferenciais independentes

\[\left\lbrace\begin{array}{l} \frac{1}{2m}\left(\frac{\partial W_1}{\partial x}\right)^2-\frac{1}{2}m\omega_1^2 x^2=E_1\\ \frac{1}{2m}\left(\frac{\partial W_1}{\partial y}\right)^2-\frac{1}{2}m\omega_2^2 y^2=E_2\end{array}\right.\]

A solução de cada uma das equações pode ser encontrada por simples quadratura e, portanto,

\[V\left(x,y,x_0,y_0,t-t_0\right)=W\left(x,y,x_0,y_0,E_1,E_2\right)-\left(E_1+E_2\right)\left(t-t_0\right)\]

onde

\[W=\int_{x_0}^x{\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2 x^2}dx}+\int_{y_0}^y{\sqrt{2mE_2-m^2\omega_2^2 y^2}dx}\]

As equações do movimento do sistema obtêm-se desta função na forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial W}{\partial E_1}=\int_{x_0}^x{\frac{m}{\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2x^2}}dx}=t-t_0\\ \frac{\partial W}{\partial E_2}=\int_{y_0}^y{\frac{m}{\sqrt{2mE_2-m^2\omega_2^2y^2}}dx}=t-t_0\\ \frac{\partial W}{\partial x}=\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2x^2}=mx'\\ \frac{\partial W}{\partial y}=\sqrt{2mE_2-m^2\omega_2^2y^2}=my'\\ \frac{\partial W}{\partial x_0}=\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2x_0^2}=mx_0'\\ \frac{\partial W}{\partial y_0}=\sqrt{2mE_1-m^2\omega_1^2y_0^2}=my_0'\end{array}\right.\]

As quatro últimas equações discriminam a conservação da energia. As duas últimas, em particular, permitem determinar \(E_1\) e \(E_2\) como função das posições e velicidades iniciais, isto é,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}E_1=\frac{1}{2}mx_0'^2+\frac{1}{2}m\omega_1^2x_0^2\\ E_2=\frac{1}{2}my_0'^2+\frac{1}{2}m\omega_2^2y_0^2\end{array}\right.\]

A resolução da primeira equação resulta numa que pode ser colocada na forma

\[\omega_1\left(t-t_0\right)=\arcsin\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x-\arcsin\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x_0\]

A equação assim obtida permite determinar a dependência temporal da coordenada \(x\). Uma forma mais simples é determinada, aplicando as funções trignonométricas a cada um dos seus membros, vindo

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\cos\omega_1\left(t-t_0\right)=\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x^2}\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0^2}+\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0x\\ \sin\omega_1\left(t-t_0\right)=\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0^2}\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x-\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x^2}\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x_0\end{array}\right.\]

Se se eliminar o termo

\[\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x^2}\]

de ambas as equações, obtém-se

\[\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x_0\cos\omega_1\left(t-t_0\right)+\sqrt{1-\frac{m\omega_1^2}{2E_1}x_0^2}\sin\omega_1\left(t-t_0\right)=\sqrt{\frac{m\omega_1^2}{2E_1}}x\]

isto é,

\[x=x_0\cos\omega_1\left(t-t_0\right)+\sqrt{\frac{2E_1-m\omega_1^2x_0^2}{m\omega_1^2}}\sin\omega_1\left(t-t_0\right)\]

que, atendendo à equação que permite escrever \(E_1\) como função de \(x_0\) e \(x'_0\), fica

\[x=x_0\cos\omega_1\left(t-t_0\right)+\frac{x'_0}{\omega_1}\sin\omega_1\left(t-t_0\right)\]

O mesmo procedimento conduz à solução para \(y\) na forma

 \[y=y_0\cos\omega_2\left(t-t_0\right)+\frac{y'_0}{\omega_2}\sin\omega_2\left(t-t_0\right)\]

O método apresentado neste exemplo vale para qualquer sistema que seja descrito pela função \(H\) que pode ser decomposta numa soma de funções, cada uma, dependendo de um subconjunto independente de variáveis.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Calor e trabalho

No artigo enlinha Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica para sistemas reversíveis é considerado o sistema termodinâmico constituído por um gás ideal, sobre o qual as grandezas se determinam como função de duas delas. É, por exemplo, determinado o calor transferido ou a variação da energia interna num processo isotérmico em função do volume e da pressão. Porém, o cálculo de cada uma dessas grandezas efectua-se apenas ao longo de um determinado caminho de evolução do sistema que poderá corresponder a um processo isotérmico, a um isobárico ou a um adiabático. Com efeito, a variação calcula-se só depois de se determinar uma relação entre as variáveis independentes. A energia interna difere do calor pelo simples facto da sua variação não depender do caminho de evolução do sistema. Com efeito, não importando qual é o caminho de evolução que leva do ponto estado \(\left(p_0,v_0\right)\) ao ponto estado \((p,v)\), se tem sempre

\[\Delta U=U(p,v)-U\left(p_0,v_0\right)\]

independentemente do caminho de evolução. A variação do calor, por seu turno, como depende do caminho, o seu valor não poderá ser determinado do mesmo modo.

Considere-se um sistema descrito pelas duas variáveis independentes \(x\) e \(y\) onde a variação de uma quantidade \(dQ\) do ponto \((x,y)\) para o ponto infinitamente vizinho \((x+dx,y+dy)\) se possa escrever, até à primeira ordem,

\[Q(x+dx,y+dy)=Q(x,y)+pdx+qdy\]

ou

\[dQ=pdx+qdy\]

A variação finita da quantidade \(Q\) será dada pela soma infinita das suas variações infinitesimais ao longo de uma determinada curva. Essa variação será independente da curva se se verificar a condição

\[\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}=0\]

pois, neste caso, poder-se-á encontrar uma função \(F\) tal que

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p=\frac{\partial F}{\partial x}\\ q=\frac{\partial F}{\partial y}\end{array}\right.\]

Assim, a variação finita de \(Q\) ao longo do caminho \(C\) é dada pelo integral

\[I=\int_C{pdx+qdy}=\int_C{\frac{\partial F}{\partial x}dx+\frac{\partial F}{\partial y}dy}\]

Se o caminho \(C\) for descrito, de um modo geral, pela parametrização

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=x(t)\\ y=y(t)\end{array}\right.\]

então

\[I=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial F}{\partial x}x'+\frac{\partial F}{\partial y}y'\right)dt}=\int_{t_0}^{t_1}{\frac{dF}{dt}dt}=F_1-F_0\]

em que se fez, para abreviar,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}F_0=F\left(x_0,y_0\right)\\ F_1=F\left(x_1,y_1\right)\end{array}\right.\]

Nesta caso particular, a variação total da quantidade \(Q\) ao longo de um caminho fechado é nula pois \(F_1=F_0\). O mesmo não se verifica no caso em que

\[\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\ne 0\]

Pretende-se determinar a variação total da quantidade \(Q\) quando se considera um caminho fechado tão próximo do ponto \(\left(x_0,y_0\right)\) quanto se queira. Seja esse caminho fechado definido pelas equações paramétricas

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=x_0+\varepsilon\eta(t)\\ y=y_0+\varepsilon\zeta(t)\end{array}\right.\]

em que \(\eta(t)\) e \(\zeta(t)\) são funções finitas, o parâmetro \(t\) varia desde \(t_0\) até \(t_1\) e \(\varepsilon\) é uma quantidade tão pequena quanto se queira. Da teoria da expansão em série de potências das funções advém a seguinte estimativa

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p\left(x_0+\varepsilon\eta,y_0+\varepsilon\zeta\right)=p\left(x_0,y_0\right)+\varepsilon\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta+\frac{\partial p}{\partial y}\zeta\right)+\text{O}\left(\varepsilon^2\right)\\ q\left(x_0+\varepsilon\eta,y_0+\varepsilon\zeta\right)=q\left(x_0,y_0\right)+\varepsilon\left(\frac{\partial q}{\partial x}\eta+\frac{\partial q}{\partial y}\zeta\right)+\text{O}\left(\varepsilon^2\right)\end{array}\right.\]

A consideração do caminho especificado e da série de potências conduz ao resultado

\[\int_C{pdx+qdy}=\varepsilon I_1+\varepsilon^2I_2+\text{O}\left(\varepsilon^3\right)\]

onde

\[\left\lbrace\begin{array}{l}I_1=\int_{t_0}^{t_1}{\left(p_0\eta'+q_0\zeta'\right)dt}=0\\I_2=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta\eta'+\frac{\partial p}{\partial y}\zeta\eta'+\frac{\partial q}{\partial x}\eta\zeta'+\frac{\partial q}{\partial y}\zeta\zeta'\right)dt}\end{array}\right.\]

O primeiro integral é nulo na medida em que \(\eta\left(t_0\right)=\eta\left(t_1\right)\) e \(\zeta\left(t_0\right)=\zeta\left(t_1\right)\). Por seu turno, pode-se escrever

\[I_2=\frac{1}{2}\varepsilon^2\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)\int_{t_1}^{t_2}{\left(\zeta\eta'-\eta\zeta'\right)dt}+J\]

Porém, e pelo mesmo motivo,

\[J=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta^2+\left(\frac{\partial q}{\partial x}+\frac{\partial p}{\partial y}\right)\eta\zeta+\frac{\partial q}{\partial x}\zeta^2\right)'dt}=0\]

Segue, portanto, que

\[\Delta Q=\int_C{pdx+qdy}=\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)dA+\text{O}\left(\varepsilon^3\right)\]

onde

\[dA=\frac{1}{2}\varepsilon^2\int_{t_1}^{t_2}{\left(\zeta\eta'-\eta\zeta'\right)dt}\]

é o elemento de área delimitado pelo caminho considerado. Observe-se que se obtém o mesmo resultado, atendendo ao conhecido teorema que proporciona

\[\int_C{pdx+qdy}=\int_S{\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)dxdy}\]

onde \(C\) é o caminho fechado e \(S\) é a superfície no plano delimitada pelo caminho \(C\).

Se um sistema, ao realizar um ciclo, partindo e retornando ao mesmo estado, o excedente de calor deve ser compensado pelo excedente do trabalho realizado, do sistema no exterior e do exterior no sistema e, portanto,

\[\Delta(Q-W)=0\]

Ora, se se fizer

\[\left\lbrace\begin{array}{l}dQ=Q_xdx+Q_ydy\\ dW=W_xdx+W_ydy\end{array}\right.\]

a equação anterior reduz-se a

\[\frac{\partial U_x}{\partial y}-\frac{\partial U_y}{\partial x}=0\]

Se se fizer

\[dU=U_xdx+U_ydy\]

observa-se que se trata de um diferencial total, pois a sua variação entre dois pontos estado de um sistema não depende do caminho. A primeira lei da termodinâmica assume a forma

\[dQ=dU+dW\]

Deste ponto de vista, é suficiente considerar que deve ser nulo o balanço entre o calor transferido e o trabalho realizado quando o sistema realiza um ciclo sem a necessidade de postular, à partida, a existência de uma energia interna cuja variação não depende do caminho de evolução do sistema.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Uma visão alternativa da transformação que deixa invariante as equações do electromagnetismo

 No passado, postei enlinha o texto Transformações em electrodinâmica onde são obtidas as transformações de coordenadas espaciais e temporal que deixam invariantes as equações do electromagnetismo, considerando transformações simples que envolvem apenas duas dessas coordenadas. É claro que a transformação geral constitui um grupo e este é gerado pela composição daquele tipo de transformações. Pretendo aqui expor o tema de um ponto de vista diferente, considerando directamente o caso mais geral.

Denotando por \(i=\sqrt{-1}\) a unidade imaginária, as equações da electrodinâmica no vazio podem ser escritas na forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\vec{\nabla}\cdot\left(ic\vec{D}\right)=ic\rho\\ \vec{\nabla}\times\vec{H}-\frac{\partial\left(ic\vec{D}\right)}{\partial (ict)}=\vec{J}\\ \vec{\nabla}\cdot\vec{H}=0\\ \vec{\nabla}\times\vec{\left(ic\vec{D}\right)}-\frac{\partial\vec{H}}{\partial (ict)}=0\end{array}\right.\]

onde \(\vec{D}\) é o vector de deslocamento eléctrico, \(\vec{H}\) é o vector da intensidade do campo magnético,

\[c=\frac{1}{\sqrt{\varepsilon_0\mu_0}}\]

 sabe-se ser igual à velocidade de propagação de uma onda electromagnética no vazio, \(\rho\) e \(\vec{J}\) são, respectivamente, as densidades de carga e de corrente, e o operador \(\vec{\nabla}\) é escrito como

\[\vec{\nabla}=\vec{e}^1\frac{\partial}{\partial x}+\vec{e}^2\frac{\partial}{\partial y}+\vec{e}^3\frac{\partial}{\partial z}\]

As equações acima apresentadas admitem uma representação mais simples quando consideradas no âmbito dos multivectores. No texto enlinha As transformações de coordenadas no produto exterior apresentei as leis de transformação deste género de entidades, incluindo algumas considerações adicionais.

Faz-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\left(x^1,x^2,x^3,x^4\right)=\left(x,y,z,ict\right)\\ \left(J^1,J^2,J^3,J^4\right)=\left(J_x,J_y,J_z,ic\rho\right)\end{array}\right.\]

e

\[\left\lbrace\begin{array}{ccc}F_{\lbrace 1,4\rbrace}=icD_x, & F_{\lbrace 2,4\rbrace}=icD_y, & F_{\lbrace 3,4\rbrace}=icD_z\\ F_{\lbrace 1,2\rbrace}=H_z, & F_{\lbrace 1,3\rbrace}=-H_y, & F_{\lbrace 2,3\rbrace}=H_x\end{array}\right.\]

Constroem-se os multivectores

\[\left\lbrace\begin{array}{l}F=\sum_{\alpha\in I_2\left(\lbrace 1,2,3,4\rbrace\right)}{F_\alpha\vec{e}^\alpha}\\ F^{*}=\sum_{\alpha\in I_2\left(\lbrace 1,2,3,4\rbrace\right)}{F^\alpha\hat{e}_\alpha}\end{array}\right.\]

onde \(\vec{e}^i\) não dependem do ponto de aplicação, isto é, são vectores do espaço plano descrito por coordenadas rectangulares, notando que as equações da electrodinâmica acima consideradas são válidas nesse âmbito. Além disso, segue-se aqui a notação do artigo supracitado. Pela regra da derivada da função composta, não é difícil concluir que, considerando que as coordenadas \(x^i\) são contravariantes, então são covariantes as quantidades

\[\frac{\partial}{\partial x^i}\]

Então, é invariante o operador

\[\nabla=\sum_{i=1}^4{\vec{e}^i\frac{\partial}{\partial x^i}}\]

e são invariantes as equações

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\nabla\wedge F=0\\ \nabla\wedge F^{*}=-\sum_{\alpha\in I_{3}\left(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace\right)}{J^\alpha}\hat{e}_\alpha\end{array}\right.\]

mediante transformações de coordenadas lineares se se assumir que as quantidades \(F_\alpha\), \(F^\alpha\) e \(J^\alpha\) se transformam segundo a natureza dos multivectores que compõem. Estas são as equações da electrodinâmica se se considerar que \(F_\alpha=F^\alpha\).

Para que não se altere a forma das equações da electrodinâmica, é necessário ainda que se mantenha a identidade \(F'_\alpha=F'^\alpha\) após a transformação. Sendo \(M\) a matriz que lhe é associada, mostrou-se, no artigo supracitado, que essa transformação satisfaz a equação matricial

\[M^TM=I\]

onde \(I\) é a matriz identidade. Note-se que a transformação assim obitda é válida, considerando que a entrada \(x^4=ict\) é um número complexo. Pretende-se, portanto, determinar a transformação, considerando apenas as quantidades reais correspondentes. Ora, tem-se

\[\left\lbrack\begin{array}{c}r'\\ ict'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ict\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{c}Ar-ibct\\ e^Tr+idct\end{array}\right\rbrack\]

onde \(r\) é o vector coluna dado pelas coordenadas espaciais, \(A\) é uma matriz do tipo \(3\times 3\),  \(b\) e \(c\) são vectores coluna de três entradas e \(d\) é um escalar. De modo que \(r'\) e \(t'\) sejam constituídos por quantidades reais, as entradas dos vectores \(b\) e \(c\) deverão ser imaginários puros. Assim,

\[\left\lbrack\begin{array}{c}r'\\ ict'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & ib\\ ie^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ict\end{array}\right\rbrack\]

que conduz à transformação para as quantidades reais na forma

\[\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ct\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & -b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ct\end{array}\right\rbrack\]

Ora, a matriz original satisfaz a equação matricial

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}A^T & ie\\ ib^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}A & ib\\ ie^T & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}AA^T-ee^T & i(Ab+de)\\ i(Ab+de)^T & d^2-bb^T\end{array}\right\rbrack=I\]

As relações entre as quantidades reais correspondentes podem ser escritas como

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}A^T & e\\ -b^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}A & -b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\]

Não é um exercício difícil verificar que o conjunto das matrizes \(M\) que satisfazem esta relação, munido com o produto de matrizes habitual, forma um grupo. Denote-se por \(\Lambda\) a matriz

\[\Lambda=\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\]

onde \(I_3\) representa a submatriz \(3\times 3\) da identidade. Da identidade acima obtém-se

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}r  & t\end{array}\right\rbrack M^T\Lambda M\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}r & t\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]

isto é,

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}r' & t'\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho'\\ \tau'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}r & t\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]

onde

\[\left\lbrack\begin{array}{c}\rho'\\ \tau'\end{array}\right\rbrack=M\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]

 O grupo das matrizes \(M\) deixa invariante esta última forma bilinear e é um caso particular de uma família de grupos que pode ser definida pelas matrizes \(M\) que satisfazem uma equação do género

\[M^TJM=J\]

No exemplo a duas coordenadas tem-se, de um modo geral,

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}a & e\\ -b & d\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{cc}a & -b\\ e & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}a^2-e^2 & -(ab+ed)\\ -(ab+ed) & b^2-d^2\end{array}\right\rbrack=\Lambda\]

isto é,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}a^2-e^2=1\\ ab+ed=0\\ b^2-c^2\end{array}\right.\]

A solução geral do sistema que conduz a uma transformação cuja matriz associada tem determinante positivo é dada por

\[\left\lbrace\begin{array}{l}b=\pm\sqrt{a^2-1}\\ e=\mp\sqrt{a^2-1}\\ d=a\end{array}\right.\]

que corresponde à transformação de coordenadas da forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=ax\pm\sqrt{a^2-1}ct\\ ct'=\pm\sqrt{a^2-1}x+act\end{array}\right.\]

A origem do referencial \(R'\) encontra-se no ponto \((vt,t)\) no referencial \(R\) se aquele se mover com velocidade \(v\) relativamente a este e, portanto,

\[0=avt\pm\sqrt{a^2-1}(ct)\]

de onde se obtém

\[a=\pm\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}\]

Como \(x=x'\) se \(v=0\) então \(a\) assumirá o valor positivo. Se se convencionar que a velocidade \(v\) é positiva se se der na direcção do crescimento do eixo das abcissas então a transformação final será da forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}x-\frac{v/c}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}ct}\\ ct'=-\frac{v/c}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}x+\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}ct\end{array}\right.\]

Trata-se de um caso particular das transformações mais gerais.