segunda-feira, 27 de maio de 2019

Sobre a projecção da sombra de um gnómon

É indiscutível a importância do Almagesto tanto na história da astronomia como da trigonometria. Neste tratado é apresentado, pela primeira vez, um método para o cálculo de uma tabela com os valores do seno com uma precisão considerável. Esse importante resultado matemático serve aí como ferramenta imprescindível na resolução de problemas relacionados com a descrição dos movimentos dos astros na Esfera Celeste observados a partir de lugares com diferentes latitudes.

O Almagesto descreve a posição dos corpos celestes com base no modelo geocêntrico onde se considera que os movimentos se realizam sobre esferas centradas na Terra imóvel, cuja dimensão se considera desprezável relativamente à dimensão do Cosmos. Assim, as estrelas estão sujeitas a dois tipos de movimento. O movimento diário cujas trajectórias são círculos menores paralelos ao equador e um movimento com periodicidade anual que é reconhecido relativamente a determinadas configurações estelares ou constelações. De acordo com este modelo, por exemplo, o Sol move-se sobre um círculo menor paralelo ao plano do equador. O seu movimento anual, considerado relativamente ao pano de fundo definido pelas constelações é realizado ao longo de um círculo máximo, inclinado de cerca de 23º relativamente ao plano do equador e que recebe a designação específica de eclíptica. É quando o Sol se encontra nos pontos de intersecção da eclíptica com o círculo máximo do equador que ocorrem os equinócios. Os solstícios, por seu turno, ocorrem quando o Sol se encontra nos dois outros quadrantes da eclíptica.

O primeiro problema astronómico a ser resolvido no tratado supracitado consiste na descrição de um método para a determinação da inclinação da eclíptica. Para determinar a inclinação da eclíptica, utiliza-se um astrolábio para determinar a altura do Sol ao meio-dia, isto é, o menor ângulo medido a partir do zénite ao longo do dia. Os dois valores extremos dos ângulos medidos durante um ano ocorrerão nos solstícios e o valor intermédio nos equinócios. A inclinação da eclíptica será, portanto, metade do ângulo medido entre os valores extremos. O ângulo médio proporcionará a latitude do lugar onde se realiza a observação dado que, ocorrendo durante os equinócios, o ponto associado se encontra no plano do equador.

É claro que a medição do ângulo sobre a superfície esférica não está livre de complicações técnicas. De facto, o dispositivo deverá ser colocado sobre uma base perfeitamente horizontal, o que se consegue facilmente mediante recurso a um fio de prumo. Além disso, deverá estar alinhado segundo o meridiano que contém a sua posição, isto é, ao longo da direcção norte-sul. Nos dias de hoje, essa direcção é facilmente determinada com o auxílio do GPS. Num passado não muito distante recorria-se à bússola para a determinação do norte magnético e aplicavam-se as correcções necessárias de acordo com o lugar para obter a direcção pretendida. Porém, na antiguidade clássica apenas a luz do sol servia como instrumento nessa determinação e é assumido como conhecido de quem lê o Almagesto.

Um pouco de investigação conduz ao Corpus Agrimensorum Romanorum como fonte de informação sobre o método que era comum na antiguidade clássica para a determinação da direcção este-oeste e, por intermédio da determinação de perpendiculares, da direcção norte-sul. Aí é apresentado um método alternativo substancialmente mais simples.  No sítio Cartography Unchained encontra-se uma descrição ilustrada e detalhada de ambos os métodos.

Como achei curioso o método clássico para a determinação da direcção do meridiano, procurei por uma demonstração. No sítio de cartografia supracitado é feita uma referência ao facto de que o ponto construído sobre a direcção este-oeste se encontra simultaneamente no plano do horizonte e num plano paralelo ao plano do equador. No entanto, a justificação apresentada afigura-se-me deveras vaga. Fui então levado a analisar com algum cuidado o problema sobre a projecção das sombras durante um ano, tendo por pano de fundo o modelo actualmente aceite sobre o movimento de rotação e translação da Terra em torno do centro de massa que se encontra muito próximo do centro do Sol. Compilei as conclusões no texto Sobre a projecção da sombra de um gnómon. Aí, apresento uma justificação mais sólida sobre o método clássico na determinação da direcção do meridiano que passa pelo lugar onde é realizada a medição.

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