domingo, 23 de julho de 2017

A função característica

Em óptica, um sistema de raios de segunda ordem consiste num conjunto de linhas cuja parametrização é dada por dois parâmetros. Se designarmos por \(\vec{n}\) os vectores de norma unitária que definem as direcções das linhas de um sistema então este é de segunda ordem se, a cada ponto do espaço \((x,y,z)\), corresponder apenas uma direcção \(\vec{n}(x,y,z)\). De facto, a equação vectorial de uma recta geral pode ser escrita na forma

$$(x,y,z)=(a,b,c)+\lambda\left(u_1,u_2,u_3\right)$$

Vemos tratar-se de uma família parametrizda por seis parâmetros. No entanto, diferentes parâmetros representam a mesma recta. Em primeiro lugar, tanto \(\vec{u}=\left(u_1,u_2,u_3\right)\) como \(\alpha\vec{u}\) para algum \(\alpha\) constante parametrizam a mesma recta. Podemos considerar portanto que o vector \(\vec{u}\) possui norma unitária. A mesma equação pode descrever a mesma recta para diferentes pontos. Com efeito, considerando um novo ponto \(\left(a_1,b_1,c_1\right)\) na recta, temos

$$(x,y,z)=\left(a_1,b_1,c_1\right)+\lambda_1\left(u_1,u_2,u_3\right)$$

Como o ponto pertence à recta então verifica a equação

$$\left(a_1,b_1,c_1\right)=(a,b,c)+\lambda\left(u_1,u_2,u_3\right)$$

para algum \(\lambda\). Se considerarmos a representação

$$\left(a_1-a,b_1-b,c_1-c\right)=\alpha\vec{v}_1+\beta\vec{v}_2+\lambda{u}$$

onde \(\vec{v}_1\), \(\vec{v}_2\) e \(\vec{v}_3\) são linearmente independentes, verificarmos imediatamente que ambas as equações representam a mesma recta se e só se \(\alpha=\beta=0\). O conjunto de todas as rectas pode, portanto, ser representado pela família de equações

$$(x,y,z)=(a,b,c)+\alpha\vec{v}_1+\beta\vec{v}_2+\lambda\left(u_1,u_2,u_3\right)$$

onde \((a,b,c)\) é um ponto escolhido arbitrariamente que consideramos ser a origem. Assim, todas as rectas podem ser representadas pela família de equações

$$(x,y,z)=\alpha\vec{v}_1+\beta\vec{v}_2+\lambda\left(u_1,u_2,u_3\right)$$

onde os vectores \(\vec{v}_1\) e \(\vec{v}_2\) são escolhidos em função de \(\vec{u}\). A família de todas as rectas é, portanto, definida por quatro parâmetros onde dois deles definem a direcção e os outros dois, a posição. Se a direcção for dada em função da posição, apenas os dois parâmetros que lhe estão associados são considerados, tratando-se de um sistema de segunda ordem.

Um sistema de segunda ordem diz-se ter congruência normal se for possível encontrar uma superfície que seja normal a todos os seus raios. A importância desta definição reside no teorema de Mauls-Dupin onde é afirmado que a congruência normal se mantém após uma sequência finita de reflexões e refracções. Se essa superfície possuir equação \(f(x,y,z)=k\) com \(k\) contante, sabemos que a condição para que esta seja normal a todos os raios é

$$\vec{\nabla}f=\lambda\vec{n}$$

onde \(\vec{n}\) constitui a direcção do raio associado ao ponto de incidência. A função característica \(U\) foi definida por Hamilton de tal forma que

$$\vec{n}=\vec{\nabla}U$$

É interessante mostrar que esta definição não é desprovida de sentido. Ora, de \(\vec{\nabla}f=\lambda\vec{n}\) concluímos

$$\vec{\nabla}\times\left(\lambda\vec{n}\right)=0=\vec{\nabla}\lambda\times\vec{n}+\lambda\vec{\nabla}\times\vec{n}$$

Como \(\vec{n}\cdot\vec{n}=1\) segue-se que \(\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\vec{n}=0\) e, da identidade

$$\frac{1}{2}\vec{\nabla}\left(\vec{n}\cdot\vec{n}\right)=\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\vec{n}+\vec{n}\times\vec{\nabla}\times\vec{n}$$

obtemos \(\vec{n}\times\vec{\nabla}\times\vec{n}=0\). A mesma identidade, como \(\lambda\vec{n}\) no lugar de \(\vec{n}\) fica na forma

$$\frac{1}{2}\vec{\nabla}\lambda^2=\lambda\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\left(\lambda\vec{n}\right)+\lambda^2\vec{n}\times\vec{\nabla}\times\vec{n}$$

Segue-se que

$$\vec{\nabla}\lambda=\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\left(\lambda\vec{n}\right)$$

Mas como

$$\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\left(\lambda\vec{n}\right)=\lambda\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\vec{n}+\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\lambda\right)\vec{n}$$

então, porque \(\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\vec{n}=0\) ficamos com

$$\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\right)\left(\lambda\vec{n}\right)=\left(\vec{n}\cdot\vec{\nabla}\lambda\right)\vec{n}$$

Concluímos que \(\vec{\nabla}\lambda\times\vec{n}=0\) e, como \(\vec{\nabla}\lambda\times\vec{n}+\lambda\vec{\nabla}\times\vec{n}=0\), também

$$\vec{\nabla}\times\vec{n}=0$$

Segue-se daqui que é possível encontrar uma função \(U\) tal que \(\vec{\nabla}U=\vec{n}\), como pretendido.

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