sábado, 2 de maio de 2015

As leis da reflexão e refracção em forma vectorial

Aqui há tempos publiquei um texto sobre a dedução da lei da refracção a partir do princípio do menor tempo (ver aqui). Agora, apresentarei uma demonstração semelhante da qual resultam as mesmas leis na forma vectorial.

A lei da reflexão na forma vectorial

Suponhamos que um raio de luz parte do ponto A, é reflectido no ponto P de uma superfície no espaço e chega ao ponto B. Se o raio viajar sempre no mesmo meio, o tempo de viagem entre os pontos A e B é dado por
\[\tau=\frac{1}{c}\left(\|\vec{r}_P-\vec{r}_A\|+\|\vec{r}_B-\vec{r}_P\|\right)\]
onde \(\vec{r}_A=\left(x_A,y_A,z_A\right)\) e \(\vec{r}_B=\left(x_B,y_B,z_B\right)\) nos dão respectivamente as coordenadas dos pontos A e B e
\[\vec{r}_P=\left(x(u,v),y(u,v),z(u,v)\right)\]
dá-nos as coordenadas do ponto P mapeada pelos parâmetros \(u\) e \(v\) da superfície. O ponto P que minimiza o tempo percorrido pelo raio de luz é aquele que satisfaz as equações
\[\left\lbrace\begin{matrix}\frac{d\tau}{du}=0\\ \frac{d\tau}{dv}=0\end{matrix}\right.\]
Se definirmos
\[\begin{matrix}\vec{i}=\frac{\vec{r}_P-\vec{r}_A}{\left\|\vec{r}_P-\vec{r}_A\right\|}, & \vec{r}=\frac{\vec{r}_B-\vec{r}_P}{\left\|\vec{r}_B-\vec{r}_P\right\|}\end{matrix}\]
o sistema anterior escreve-se na forma equivalente
\[\left\lbrace\begin{matrix}\left(\vec{i}-\vec{r}\right)\cdot\frac{\partial\vec{r}_P}{\partial u}=0\\ \left(\vec{i}-\vec{r}\right)\frac{\partial\vec{r}_P}{\partial v}=0\end{matrix}\right.\]
Este resultado permite-nos concluir que o vector \(\vec{i}-\vec{r}\) é colinear com a normal \(\vec{n}\) à superfície. Convencionamos que esta normal tem o sentido tal que \(\vec{i}\cdot\vec{n}<0\). Sendo \(\alpha\) o factor da colinearidade, temos
\[\vec{i}-\vec{r}=\alpha\vec{n}\]
Se multiplicarmos escalarmente a equação por \(\vec{i}\) e \(\vec{r}\), e somarmos obtemos a conhecida lei da reflexão, nomeadamente,
\[\vec{i}\cdot\vec{n}+\vec{r}\cdot\vec{n}=0\]
e, portanto,
\[\alpha=2\vec{i}\cdot\vec{n}\]
Por fim, a lei da reflexão na forma vectorial vem dada pela expressão
\[\vec{r}=\vec{i}-2\left(\vec{i}\cdot\vec{n}\right)\vec{n}\]

A lei da refracção na forma vectorial

Se designarmos por \(v_i\) a velocidade da luz no meio \(i\) e por \(c\) a sua velocidade no vazio, definimos o índice de refracção \(\eta_i\) associado ao meio \(i\) por intermédio da expressão
\[v_i=\frac{c}{\eta_i}\]
Se um raio partir do ponto A situado no meio \(1\), for refractado no ponto P de uma superfície de separação entre os meios e chega ao ponto B situado no meio \(2\), o tempo que este demora a realizar o percurso é dado por
\[\tau=\frac{1}{c}\left(\eta_1\|\vec{r}_P-\vec{r}_A\|+\eta_2\|\vec{r}_B-\vec{r}_P\|\right)\]
Se definirmos o versor de transferência pela expressão
\[\vec{t}=\frac{\vec{r}_B-\vec{r}_P}{\left\|\vec{r}_B-\vec{r}_P\right\|}\]
o processo de minimização habitual conduz-nos ao sistema de equações
\[\left\lbrace\begin{matrix}\left(\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{t}\right)\cdot\frac{\partial\vec{r}_P}{\partial u}=0\\ \left(\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{t}\right)\cdot\frac{\partial\vec{r}_P}{\partial v}=0\end{matrix}\right.\]
isto é,
\[\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{t}=k\vec{n}\]
Se aplicarmos, à equação, o produto externo por \(\vec{n}\), obtemos a identidade
\[\eta_1\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)=\eta_2\left(\vec{t}\times\vec{n}\right)\]
Como todos os vectores considerados nos produtos vectoriais possuem norma unitária, a expressão anterior resume-se em
\[\eta_1\sin{\alpha_1}=\eta_2\sin{\alpha_2}\]
onde \(\alpha_1\) e \(\alpha_2\) são os ângulos formados pelos vectores de incidência e de refracção com a normal à superfície, respectivamente. Esta é a famosa lei da refracção.
Para resolvermos o problema a que nos propusermos, teremos de determinar o valor de \(k\). Voltemos então à equação de colinearidade
\[\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{t}=k\vec{n}\]
Multiplicamos escalarmente a equação por \(\eta_1\vec{i}\), depois por \(\eta_2\vec{t}\), somamos os resultados e reorganizamos os temos para obtermos
\[\eta_2\vec{t}\cdot\vec{n}=\frac{\eta_1^2-\eta_2^2}{k}-\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}\]
Se multiplicarmos escalarmente a mesma equação por \(\vec{n}\) obtemos
\[k=\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}-\eta_2\vec{t}\cdot\vec{n}\]
a qual, combinada com a equação anterior, nos proporciona a equação de segundo grau para \(k\),
\[k^2-2k\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}+\eta_1^2-\eta_2^2=0\]
A fórmula resolvente permite-nos escrever
\[k=\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}\pm\sqrt{\eta_2^2-\eta_1^2\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)^2}\]
uma vez que
\[\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)^2=\left|\begin{matrix}\vec{i}\cdot\vec{i} & \vec{i}\cdot\vec{n}\\ \vec{n}\cdot\vec{i} & \vec{v}\cdot\vec{n}\end{matrix}\right|=1-\left(\vec{i}\cdot\vec{n}\right)^2\]
Tendo calculado o valor de \(k\), temos então
\[\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{t}=\left(\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}\pm\sqrt{\eta_2^2-\eta_1^2\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)^2}\right)\vec{n}\]
Resta-nos determinar qual das soluções para \(k\) nos proporciona a expressão correcta. Para o efeito, multiplicamos escalarmente a equação anterior por \(\vec{n}\), surgindo a identidade
\[-\eta_2\vec{n}\cdot\vec{t}=\pm\sqrt{\eta_2^2-\eta_1^2\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)^2}\]
Como estamos a considerar que o raio de luz se move no sentido do meio com índice de refracção \(\eta_2\) e o vector normal aponta no sentido do outro meio, concluímos que nos interessa a solução com o sinal positivo, isto é,
\[\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{t}=\left(\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}+\sqrt{\eta_2^2-\eta_1^2\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)^2}\right)\vec{n}\]
ou
\[\vec{t}=\frac{\eta_1}{\eta_2}\vec{i}-\frac{1}{\eta_2}\left(\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}+\sqrt{\eta_2^2-\eta_1^2\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)^2}\right)\]
se pretendermos determinar a direcção do raio refractado, conhecendo as direcções dos raios incidente e normal.

Ângulo crítico

A fórmula da refracção atrás apresentada vale apenas no domínio
\[\eta_2^2-\eta_1^2\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)\ge0\]
Ora, se considerarmos um raio que incida na superfície paralelamente à direcção normal, o raio refractado será dado por \(\vec{t}=\vec{i}\). À medida que o raio de incidência se afasta da normal, o raio refractado afasta-se da normal até que seja atingido o ângulo de incidência \(\theta_i\) tal que
\[\sin\theta_i=\frac{\eta_2}{\eta_1}\]
Nestas condições vale a identidade
\[\vec{t}=\frac{\eta_1}{\eta_2}\left\lbrack \vec{i}-\left(\vec{i}\cdot\vec{n}\right)\vec{n}\right\rbrack\]
Para um ângulo \(\theta_i\) nestas condições, designado por ângulo crítico, temos \(\vec{t}\cdot\vec{n}=0\), isto é, o raio refractado tem a direcção tangente à superfície. Todos os raios que incidam na superfície, fazendo um ângulo com a normal superior ao ângulo crítico, são reflectidos.

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