segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Calor e trabalho

No artigo enlinha Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica para sistemas reversíveis é considerado o sistema termodinâmico constituído por um gás ideal, sobre o qual as grandezas se determinam como função de duas delas. É, por exemplo, determinado o calor transferido ou a variação da energia interna num processo isotérmico em função do volume e da pressão. Porém, o cálculo de cada uma dessas grandezas efectua-se apenas ao longo de um determinado caminho de evolução do sistema que poderá corresponder a um processo isotérmico, a um isobárico ou a um adiabático. Com efeito, a variação calcula-se só depois de se determinar uma relação entre as variáveis independentes. A energia interna difere do calor pelo simples facto da sua variação não depender do caminho de evolução do sistema. Com efeito, não importando qual é o caminho de evolução que leva do ponto estado \(\left(p_0,v_0\right)\) ao ponto estado \((p,v)\), se tem sempre

\[\Delta U=U(p,v)-U\left(p_0,v_0\right)\]

independentemente do caminho de evolução. A variação do calor, por seu turno, como depende do caminho, o seu valor não poderá ser determinado do mesmo modo.

Considere-se um sistema descrito pelas duas variáveis independentes \(x\) e \(y\) onde a variação de uma quantidade \(dQ\) do ponto \((x,y)\) para o ponto infinitamente vizinho \((x+dx,y+dy)\) se possa escrever, até à primeira ordem,

\[Q(x+dx,y+dy)=Q(x,y)+pdx+qdy\]

ou

\[dQ=pdx+qdy\]

A variação finita da quantidade \(Q\) será dada pela soma infinita das suas variações infinitesimais ao longo de uma determinada curva. Essa variação será independente da curva se se verificar a condição

\[\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}=0\]

pois, neste caso, poder-se-á encontrar uma função \(F\) tal que

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p=\frac{\partial F}{\partial x}\\ q=\frac{\partial F}{\partial y}\end{array}\right.\]

Assim, a variação finita de \(Q\) ao longo do caminho \(C\) é dada pelo integral

\[I=\int_C{pdx+qdy}=\int_C{\frac{\partial F}{\partial x}dx+\frac{\partial F}{\partial y}dy}\]

Se o caminho \(C\) for descrito, de um modo geral, pela parametrização

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=x(t)\\ y=y(t)\end{array}\right.\]

então

\[I=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial F}{\partial x}x'+\frac{\partial F}{\partial y}y'\right)dt}=\int_{t_0}^{t_1}{\frac{dF}{dt}dt}=F_1-F_0\]

em que se fez, para abreviar,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}F_0=F\left(x_0,y_0\right)\\ F_1=F\left(x_1,y_1\right)\end{array}\right.\]

Nesta caso particular, a variação total da quantidade \(Q\) ao longo de um caminho fechado é nula pois \(F_1=F_0\). O mesmo não se verifica no caso em que

\[\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\ne 0\]

Pretende-se determinar a variação total da quantidade \(Q\) quando se considera um caminho fechado tão próximo do ponto \(\left(x_0,y_0\right)\) quanto se queira. Seja esse caminho fechado definido pelas equações paramétricas

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x=x_0+\varepsilon\eta(t)\\ y=y_0+\varepsilon\zeta(t)\end{array}\right.\]

em que \(\eta(t)\) e \(\zeta(t)\) são funções finitas, o parâmetro \(t\) varia desde \(t_0\) até \(t_1\) e \(\varepsilon\) é uma quantidade tão pequena quanto se queira. Da teoria da expansão em série de potências das funções advém a seguinte estimativa

\[\left\lbrace\begin{array}{l}p\left(x_0+\varepsilon\eta,y_0+\varepsilon\zeta\right)=p\left(x_0,y_0\right)+\varepsilon\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta+\frac{\partial p}{\partial y}\zeta\right)+\text{O}\left(\varepsilon^2\right)\\ q\left(x_0+\varepsilon\eta,y_0+\varepsilon\zeta\right)=q\left(x_0,y_0\right)+\varepsilon\left(\frac{\partial q}{\partial x}\eta+\frac{\partial q}{\partial y}\zeta\right)+\text{O}\left(\varepsilon^2\right)\end{array}\right.\]

A consideração do caminho especificado e da série de potências conduz ao resultado

\[\int_C{pdx+qdy}=\varepsilon I_1+\varepsilon^2I_2+\text{O}\left(\varepsilon^3\right)\]

onde

\[\left\lbrace\begin{array}{l}I_1=\int_{t_0}^{t_1}{\left(p_0\eta'+q_0\zeta'\right)dt}=0\\I_2=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta\eta'+\frac{\partial p}{\partial y}\zeta\eta'+\frac{\partial q}{\partial x}\eta\zeta'+\frac{\partial q}{\partial y}\zeta\zeta'\right)dt}\end{array}\right.\]

O primeiro integral é nulo na medida em que \(\eta\left(t_0\right)=\eta\left(t_1\right)\) e \(\zeta\left(t_0\right)=\zeta\left(t_1\right)\). Por seu turno, pode-se escrever

\[I_2=\frac{1}{2}\varepsilon^2\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)\int_{t_1}^{t_2}{\left(\zeta\eta'-\eta\zeta'\right)dt}+J\]

Porém, e pelo mesmo motivo,

\[J=\int_{t_0}^{t_1}{\left(\frac{\partial p}{\partial x}\eta^2+\left(\frac{\partial q}{\partial x}+\frac{\partial p}{\partial y}\right)\eta\zeta+\frac{\partial q}{\partial x}\zeta^2\right)'dt}=0\]

Segue, portanto, que

\[\Delta Q=\int_C{pdx+qdy}=\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)dA+\text{O}\left(\varepsilon^3\right)\]

onde

\[dA=\frac{1}{2}\varepsilon^2\int_{t_1}^{t_2}{\left(\zeta\eta'-\eta\zeta'\right)dt}\]

é o elemento de área delimitado pelo caminho considerado. Observe-se que se obtém o mesmo resultado, atendendo ao conhecido teorema que proporciona

\[\int_C{pdx+qdy}=\int_S{\left(\frac{\partial p}{\partial y}-\frac{\partial q}{\partial x}\right)dxdy}\]

onde \(C\) é o caminho fechado e \(S\) é a superfície no plano delimitada pelo caminho \(C\).

Se um sistema, ao realizar um ciclo, partindo e retornando ao mesmo estado, o excedente de calor deve ser compensado pelo excedente do trabalho realizado, do sistema no exterior e do exterior no sistema e, portanto,

\[\Delta(Q-W)=0\]

Ora, se se fizer

\[\left\lbrace\begin{array}{l}dQ=Q_xdx+Q_ydy\\ dW=W_xdx+W_ydy\end{array}\right.\]

a equação anterior reduz-se a

\[\frac{\partial U_x}{\partial y}-\frac{\partial U_y}{\partial x}=0\]

Se se fizer

\[dU=U_xdx+U_ydy\]

observa-se que se trata de um diferencial total, pois a sua variação entre dois pontos estado de um sistema não depende do caminho. A primeira lei da termodinâmica assume a forma

\[dQ=dU+dW\]

Deste ponto de vista, é suficiente considerar que deve ser nulo o balanço entre o calor transferido e o trabalho realizado quando o sistema realiza um ciclo sem a necessidade de postular, à partida, a existência de uma energia interna cuja variação não depende do caminho de evolução do sistema.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Uma visão alternativa da transformação que deixa invariante as equações do electromagnetismo

 No passado, postei enlinha o texto Transformações em electrodinâmica onde são obtidas as transformações de coordenadas espaciais e temporal que deixam invariantes as equações do electromagnetismo, considerando transformações simples que envolvem apenas duas dessas coordenadas. É claro que a transformação geral constitui um grupo e este é gerado pela composição daquele tipo de transformações. Pretendo aqui expor o tema de um ponto de vista diferente, considerando directamente o caso mais geral.

Denotando por \(i=\sqrt{-1}\) a unidade imaginária, as equações da electrodinâmica no vazio podem ser escritas na forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\vec{\nabla}\cdot\left(ic\vec{D}\right)=ic\rho\\ \vec{\nabla}\times\vec{H}-\frac{\partial\left(ic\vec{D}\right)}{\partial (ict)}=\vec{J}\\ \vec{\nabla}\cdot\vec{H}=0\\ \vec{\nabla}\times\vec{\left(ic\vec{D}\right)}-\frac{\partial\vec{H}}{\partial (ict)}=0\end{array}\right.\]

onde \(\vec{D}\) é o vector de deslocamento eléctrico, \(\vec{H}\) é o vector da intensidade do campo magnético,

\[c=\frac{1}{\sqrt{\varepsilon_0\mu_0}}\]

 sabe-se ser igual à velocidade de propagação de uma onda electromagnética no vazio, \(\rho\) e \(\vec{J}\) são, respectivamente, as densidades de carga e de corrente, e o operador \(\vec{\nabla}\) é escrito como

\[\vec{\nabla}=\vec{e}^1\frac{\partial}{\partial x}+\vec{e}^2\frac{\partial}{\partial y}+\vec{e}^3\frac{\partial}{\partial z}\]

As equações acima apresentadas admitem uma representação mais simples quando consideradas no âmbito dos multivectores. No texto enlinha As transformações de coordenadas no produto exterior apresentei as leis de transformação deste género de entidades, incluindo algumas considerações adicionais.

Faz-se

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\left(x^1,x^2,x^3,x^4\right)=\left(x,y,z,ict\right)\\ \left(J^1,J^2,J^3,J^4\right)=\left(J_x,J_y,J_z,ic\rho\right)\end{array}\right.\]

e

\[\left\lbrace\begin{array}{ccc}F_{\lbrace 1,4\rbrace}=icD_x, & F_{\lbrace 2,4\rbrace}=icD_y, & F_{\lbrace 3,4\rbrace}=icD_z\\ F_{\lbrace 1,2\rbrace}=H_z, & F_{\lbrace 1,3\rbrace}=-H_y, & F_{\lbrace 2,3\rbrace}=H_x\end{array}\right.\]

Constroem-se os multivectores

\[\left\lbrace\begin{array}{l}F=\sum_{\alpha\in I_2\left(\lbrace 1,2,3,4\rbrace\right)}{F_\alpha\vec{e}^\alpha}\\ F^{*}=\sum_{\alpha\in I_2\left(\lbrace 1,2,3,4\rbrace\right)}{F^\alpha\hat{e}_\alpha}\end{array}\right.\]

onde \(\vec{e}^i\) não dependem do ponto de aplicação, isto é, são vectores do espaço plano descrito por coordenadas rectangulares, notando que as equações da electrodinâmica acima consideradas são válidas nesse âmbito. Além disso, segue-se aqui a notação do artigo supracitado. Pela regra da derivada da função composta, não é difícil concluir que, considerando que as coordenadas \(x^i\) são contravariantes, então são covariantes as quantidades

\[\frac{\partial}{\partial x^i}\]

Então, é invariante o operador

\[\nabla=\sum_{i=1}^4{\vec{e}^i\frac{\partial}{\partial x^i}}\]

e são invariantes as equações

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\nabla\wedge F=0\\ \nabla\wedge F^{*}=-\sum_{\alpha\in I_{3}\left(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace\right)}{J^\alpha}\hat{e}_\alpha\end{array}\right.\]

mediante transformações de coordenadas lineares se se assumir que as quantidades \(F_\alpha\), \(F^\alpha\) e \(J^\alpha\) se transformam segundo a natureza dos multivectores que compõem. Estas são as equações da electrodinâmica se se considerar que \(F_\alpha=F^\alpha\).

Para que não se altere a forma das equações da electrodinâmica, é necessário ainda que se mantenha a identidade \(F'_\alpha=F'^\alpha\) após a transformação. Sendo \(M\) a matriz que lhe é associada, mostrou-se, no artigo supracitado, que essa transformação satisfaz a equação matricial

\[M^TM=I\]

onde \(I\) é a matriz identidade. Note-se que a transformação assim obitda é válida, considerando que a entrada \(x^4=ict\) é um número complexo. Pretende-se, portanto, determinar a transformação, considerando apenas as quantidades reais correspondentes. Ora, tem-se

\[\left\lbrack\begin{array}{c}r'\\ ict'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ict\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{c}Ar-ibct\\ e^Tr+idct\end{array}\right\rbrack\]

onde \(r\) é o vector coluna dado pelas coordenadas espaciais, \(A\) é uma matriz do tipo \(3\times 3\),  \(b\) e \(c\) são vectores coluna de três entradas e \(d\) é um escalar. De modo que \(r'\) e \(t'\) sejam constituídos por quantidades reais, as entradas dos vectores \(b\) e \(c\) deverão ser imaginários puros. Assim,

\[\left\lbrack\begin{array}{c}r'\\ ict'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & ib\\ ie^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ict\end{array}\right\rbrack\]

que conduz à transformação para as quantidades reais na forma

\[\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ct\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & -b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ct\end{array}\right\rbrack\]

Ora, a matriz original satisfaz a equação matricial

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}A^T & ie\\ ib^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}A & ib\\ ie^T & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}AA^T-ee^T & i(Ab+de)\\ i(Ab+de)^T & d^2-bb^T\end{array}\right\rbrack=I\]

As relações entre as quantidades reais correspondentes podem ser escritas como

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}A^T & e\\ -b^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}A & -b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\]

Não é um exercício difícil verificar que o conjunto das matrizes \(M\) que satisfazem esta relação, munido com o produto de matrizes habitual, forma um grupo. Denote-se por \(\Lambda\) a matriz

\[\Lambda=\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\]

onde \(I_3\) representa a submatriz \(3\times 3\) da identidade. Da identidade acima obtém-se

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}r  & t\end{array}\right\rbrack M^T\Lambda M\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}r & t\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]

isto é,

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}r' & t'\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho'\\ \tau'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}r & t\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]

onde

\[\left\lbrack\begin{array}{c}\rho'\\ \tau'\end{array}\right\rbrack=M\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]

 O grupo das matrizes \(M\) deixa invariante esta última forma bilinear e é um caso particular de uma família de grupos que pode ser definida pelas matrizes \(M\) que satisfazem uma equação do género

\[M^TJM=J\]

No exemplo a duas coordenadas tem-se, de um modo geral,

\[\left\lbrack\begin{array}{cc}a & e\\ -b & d\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{cc}a & -b\\ e & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}a^2-e^2 & -(ab+ed)\\ -(ab+ed) & b^2-d^2\end{array}\right\rbrack=\Lambda\]

isto é,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}a^2-e^2=1\\ ab+ed=0\\ b^2-c^2\end{array}\right.\]

A solução geral do sistema que conduz a uma transformação cuja matriz associada tem determinante positivo é dada por

\[\left\lbrace\begin{array}{l}b=\pm\sqrt{a^2-1}\\ e=\mp\sqrt{a^2-1}\\ d=a\end{array}\right.\]

que corresponde à transformação de coordenadas da forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=ax\pm\sqrt{a^2-1}ct\\ ct'=\pm\sqrt{a^2-1}x+act\end{array}\right.\]

A origem do referencial \(R'\) encontra-se no ponto \((vt,t)\) no referencial \(R\) se aquele se mover com velocidade \(v\) relativamente a este e, portanto,

\[0=avt\pm\sqrt{a^2-1}(ct)\]

de onde se obtém

\[a=\pm\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}\]

Como \(x=x'\) se \(v=0\) então \(a\) assumirá o valor positivo. Se se convencionar que a velocidade \(v\) é positiva se se der na direcção do crescimento do eixo das abcissas então a transformação final será da forma

\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}x-\frac{v/c}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}ct}\\ ct'=-\frac{v/c}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}x+\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}ct\end{array}\right.\]

Trata-se de um caso particular das transformações mais gerais.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Partícula num poço de potencial

Por um procedimento em tudo semelhante ao que foi apresentado no texto O oscilador harmónico em mecânica quântica, se a dinâmica do sistema mecânico clássico a uma dimensão for descrito pela função

\[L=T-U\]

então a função de onda pode ser escrita como

\[\varphi(x,t)=\psi(x)e^{\frac{iEt}{h}}\]

em que \(\psi(x)\) satisfaz a equação diferencial

\[-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2\psi}{dx^2}+U\psi=E\psi\]

O caso particular de uma partícula que se encontra num poço de potencial é descrito pela função

\[U(x)=\left\lbrace\begin{array}{ll}\infty, & x<0\\ 0, & 0\le x\le a\\ \infty, & x>a\end{array}\right.\]

Começa-se por considerar o caso particular em que \(U=k\) é constante. A equação diferencial assume a forma

\[\frac{d^2\psi}{dx^2}=-\frac{2m(E-k)}{\hbar^2}\psi\]

Trata-se da equação diferencial que descreve o movimento do oscilador harmónico simples clássico. A solução da família de equações diferenciais é dada por

\[\psi=\left\lbrace\begin{array}{ll}Ae^{\frac{\sqrt{2m(k-E)}}{\hbar}x}+BAe^{-\frac{\sqrt{2m(k-E)}}{\hbar}x}, & k<E\\ A+Bx, & k=E\\ A\cos{\frac{\sqrt{2m(E-k)}}{\hbar}x}+B\sin{\frac{\sqrt{2m(E-k)}}{\hbar}x}, & k>E\end{array}\right.\]

A solução do problema inicial deverá ser tal que se verifique \(\psi(x)\to  0\) quando \(|x|\to \infty\) de modo que seja normalizável. Ora, se \(k\to\infty\), \(\psi(x)=0\) é a única solução da equação diferencial que satisfaz o requisito e, portanto, fora do intervalo \([0,a]\), a função de onda anula-se. No interior do intervalo, com \(k=0\), a condição fronteira obtém-se do facto de que a função de onda deve ser contínua em todo o domínio. Então, anulando-se a função fora do intervalo, \(\psi(0)=\psi(a)=0\). Da condição \(\psi(0)=0\) observa-se que

\[\psi(x)=B\sin\frac{\sqrt{2mE}}{\hbar}x\]

Por seu turno, \(\psi(a)=0\) conduz à equação

\[B\sin\frac{\sqrt{2mE}}{\hbar}a=0\]

cuja solução é dada por

\[\sqrt{2mE}{\hbar}a=n\pi\]

onde \(n\) é um número inteiro positivo na medida em que é positiva a quantidade descrita pelo primeiro membro da equação. Atendendo a que

\[\hbar=\frac{h}{2\pi}\]

tem-se, para os valores da energia,

\[E=\frac{n^2h^2}{8ma^2}\]

e, para solução procurada,

\[\psi(x)=B\sin\frac{n\pi x}{a}\]

A constante \(B\) resulta do processo de normalização. Com efeito,

\[\int_{-\infty}^{+\infty}\psi^2(x)dx=\int_0^a{B^2\sin^2\frac{n\pi x}{a}dx}=1\]

ou

\[B^2=\sqrt{\frac{2}{a}}\]

As soluções estacionárias da equação de onda para o caso do poço de potencial são dadas, portanto, por

\[\varphi_n(x,t)=\sqrt{\frac{2}{a}}\sin\frac{n\pi x}{a}e^{\frac{in^2ht}{8ma^2}}\]

A equação de onda independente do tempo para o caso tridimensional com \(U=0\) pode ser escrita na forma

\[\nabla^2\psi+\frac{2m}{\hbar^2}E\psi=0\]

O método da separação das variáveis, escrevendo

\[\psi(x,y,z)=X(x)Y(y)Z(z)\]

conduz à equações diferenciais ordinárias

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{1}{X}\frac{dX}{dx}=-k_x\\ \frac{1}{Y}\frac{dY}{dy}=-k_y\\ \frac{1}{Z}\frac{dZ}{dz}=-k_z\end{array}\right.\]

em que

\[k_x+k_y+k_z=\frac{2mE}{\hbar^2}\]

Se se considerar o caso em que \(U=0\) no cubo definido pelos vértices \((0,0,0)\) e \((a,a,a)\), e \(\infty\) no exterior, os argumentos usados no caso unidimensional permitem concluir que as funções de onda estacionárias se anulam no seu exterior e, no seu interior, vêm dadas por

\[\varphi(x,y,z,t)=\left(\sqrt{2}{a}\right)^3\sin{\frac{n_x\pi x}{a}}\sin{\frac{n_y\pi y}{a}}\sin{\frac{n_z\pi z}{a}}e^{\frac{ih\left(n_x^2+n_y^2+n_z^2\right)}{8ma^2}}\]

para valores inteiros não negativos de \(n_x\), \(n_y\) e \(n_z\), já que as condições de continuidade exigem que a energia seja da forma

\[E=\frac{h^2}{8ma^2}\left(n_x^2+n_y^2+n_z^2\right)\]

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica para sistemas reversíveis

A primeira lei da termodinâmica assenta no princípio de que o trabalho pode ser convertido em calor e o calor em trabalho segundo um relação de proporcionalidade. A produção de fogo por fricção ou o funcionamento de máquinas a vapor são exemplos que poderão servir como justificação empírica. A constante de proporcionalidade que permite dar uma medida do trabalho necessário para produzir uma determinada quantidade de calor é unitária se se escolher convenientemente as unidades calorimétrica e de trabalho. Não serão aqui detalhados os processos de medição de quantidades de calor transferidas ou do trabalho realizado nas referidas unidades nem as demonstrações experimentais deste princípio. Debater-se-á apenas as suas consequências.

Se a um sistema for fornecida uma quantidade de calor \(dQ\), esta será usada para aumentar o calor interno \(H\) bem como para realizar trabalho \(L\) sobre as moléculas quando se movimentam contra as forças de coesão. Em equação, tem-se

\[dQ=dH+dL\]

Se, além disso, lhe for impresso trabalho externo \(dW\), vem

\[dQ=dH+dL+dW\]

Sendo conservativas as forças intermoleculares, a variação da função \(L\) em termos das variáveis termodinâmicas não dependerá do caminho seguido pelo sistema. Caso contrário, seria possível obter ou consumir trabalho sem o correspondente consumo ou ganho de calor, hipótese que é considerada impossível do ponto de vista teórico. Com efeito, ainda nenhuma experiência foi concebida que tenha permitido refutá-la. É claro que o mesmo se deverá passar com o calor interno \(H\). Designa-se por energia interna a soma

\[U=H+L\]

que, tratando-se de uma quantidade conservativa, é total o seu diferencial \(dU\). A primeira lei da termodinâmica é, portanto, escrita como

\[dQ=dU+dW\]

Nenhuma consideração termodinâmica permite concluir que \(dQ\) ou \(dW\) sejam diferenciais totais. As quantidades de calor que permitem levar um sistema termodinâmico de um estado inicial a um estado final podem ser diferentes entre si quando são considerados caminhos alternativos desde que os trabalhos externos também o sejam de modo que as diferenças sejam compensadas.

A ideia física subjacente à segunda lei da termodinâmica é mais intrincada e está intimamente relacionada com uma espécie de equivalência que se pode considerar sobre máquinas térmicas reversíveis que trabalham sobre reservatórios a diferentes temperaturas. Fiz um pequeno resumo no texto que coloquei enlinha há anos atrás, Máquinas térmicas e entropia. Do ponto de vista matemático, estabelece-se que existe um factor integrante \(T\) que permite tornar \(dQ\) num diferencial total \(dS\),

\[dS=\frac{1}{T}dQ\]

que recebe a designação de entropia. Tratando-se de um diferencial total, se o sistema termodinâmico reversível evoluir de modo que retorne ao mesmo estado inicial depois de completar um circuito, então \(dS=0\). Se o sistema for irreversível essa identidade não se verifica. No entanto, se se assumir mais uma vez que não é possível obter trabalho sem consumo de calor então, para sistemas arbitrários, é verdade que \(dS\ge 0\).

Suponha-se que o estado do sistema é descrito por uma equação do tipo \(f(p,v,T)=0\) que permite escrever, por exemplo, a pressão \(p\) como função da temperatura absoluta \(T\) e do volume \(v\). A energia e a entropia poderão, portanto, ser dadas como funções destas duas quantidades. Sendo \(dU\) e \(dS\) diferenciais totais, valem as condições

\[\left\lbrace\begin{array}{l}D_{Tv}U=\frac{\partial^2 U}{\partial v\partial T}-\frac{\partial^2 U}{\partial T\partial v}=0\\ D_{Tv}S=\frac{\partial^2 S}{\partial v\partial T}-\frac{\partial^2 S}{\partial T\partial v}=0\end{array}\right.\]

Da equação \(dQ=dU+dW\) obtém-se

\[D_{Tv}Q=D_{Tv}W\]

Se a força externa for constante ao longo da superfície do volume que contém o gás então \(dW=pdv\). Assim,

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial W}{\partial  v}=p\\ \frac{\partial W}{\partial T}=0\end{array}\right.\]

e, portanto,

\[D_{Tv}W=-\frac{\partial p}{\partial T}\]

Por seu turno, da equação \(dQ=T dS\) e do facto de \(dS\) ser um diferencial total, tem-se

\[D_{Tv}Q=-\frac{\partial S}{\partial v}=-\frac{1}{T}\frac{\partial Q}{\partial v}\]

A combinação de ambas as equações permite obter

\[\frac{\partial Q}{\partial v}=T\frac{\partial p}{\partial T}\]

No caso dos gases ideais a equação de estado, determinada a partir de resultados experimentais, é dada por \(pv=RT\). Daqui segue-se que

\[\frac{\partial p}{\partial T}=\frac{R}{v}=\frac{p}{T}\]

que, quando inserido na equação anterior, proporciona

\[\frac{\partial Q}{\partial v}=p=\frac{\partial U}{\partial v}+p\]

em que a segunda igualdade resulta directamente da equação associada à primeira lei da termodinâmica para este caso especial. Desta equação resulta que, no caso dos gases ideiais quando considerados sobre o domínio dos processos reversíveis,

\[\frac{\partial U}{\partial v}=0\]

e, portanto, a energia interna depende apenas da temperatura. Designa-se por capacidade térmica a volume constante a quantidade

\[C_v=\frac{\partial U}{\partial T}=\frac{\partial Q}{\partial T}\]

que mede o calor que é necessário fornecer ao sistema para que a sua temperatura aumente de um determinado valor, mantendo constante o volume. Assume-se também que não depende da temperatura, resultado em harmonia com o que se observa experimentalmente nas situações mais comuns. A equação associada à primeira lei da termodinâmica advém, atendendo à equação de estado dos gases ideais, na forma

\[dQ=C_vdT+\frac{RT}{v}dv\]

Suponha-se que se evolui o sistema, mantendo a pressão constante \(p_0\). Da equação dos gases ideais resulta que o volume terá de ser directamente proporcional à temperatura, isto é,

\[T=\frac{p_0}{R}v\]

A substituição na equação associada à primeira lei permite obter

\[dQ=\left(C_v+R\right)\frac{p_0}{R}dv\]

cuja integração proporciona a medida do calor que deve ser fornecido para que o sistema altere o seu volume proporcionalmente à temperatura, mantendo constante a pressão,

\[Q=\left(C_v+R\right)\frac{p_0}{R}\left(v-v_0\right)\]

Se se considerar a equação dos gases ideais para escrever \(v\) como função de \(T\), a expressão anterior reduz-se a

\[Q-Q_0=\left(C_v+R\right)\left(T-T_0\right)\]

Neste caso, observa-se que

\[\frac{d Q}{dT}=C_v+R=C_p\]

corresponde à capacidade térmica a pressão constante que mede a quantidade de calor que é necessário fornecer ao sistema para que a sua temperatura aumente de um determinado valor, mantendo a pressão constante. As variações da energia interna e entropia são dadas, respectivamente por

\[U-U_0=C_v\left(T-T_0\right)=\frac{C_vp_0}{R}\left(v-v_0\right)\]

e

\[S-S_0=C_p\log{\frac{T}{T_0}}=C_p\log{\frac{v}{v_0}}\]

já que

\[dS=\frac{dQ}{T}=C_p\frac{dT}{T}\]

Suponha-se agora que o sistema evolui de modo a que a temperatura seja mantida constante durante o processo. Neste caso, a equação de estado dos gases ideais permite escrever a  pressão em termos do volume como

\[p=\frac{RT_0}{v}\]

e a integração da equação associada à primeira lei da termodinâmica, nomeadamente

\[dQ=RT_0\frac{dv}{v}\]

permite obter

\[Q-Q_0=RT_0\log{\frac{v}{v_0}}=RT_0\frac{p_0}{p}\]

Já que \(dU=C_v dT\), a energia interna mantém-se constante \(U=U_0\). A entropia é dada por

\[S-S_0=\frac{Q-Q_0}{T_0}=R\log{\frac{v}{v_0}}=R\frac{p_0}{p}\]

Se, durante o processo, o volume for mantido constante, a pressão pode ser encarada como função da temperatura através da relação

\[p=\frac{R}{v_0}T\]

O calor transferido e a energia interna vêm dados por

\[Q-Q_0=U-U_0=C_v\left(T-T_0\right)=\frac{C_vv_0}{R}\left(p-p_0\right)\]

É o que seria de esperar, uma vez que, sendo o volume constante, não é realizado qualquer trabalho sobre o sistema e, portanto, a energia interna varia do mesmo modo que o calor fornecido. A entropia, por seu turno, é dada por

\[S-S_0=C_v\log{\frac{T}{T_0}}=C_v\log{\frac{p}{p_0}}\]

Por fim, considera-se o caso das designadas transformações adiabáticas que são processos nos quais não estão envolvidas quaisquer trocas de calor com o meio exterior. Do ponto de vista matemático tem-se a equação \(dQ=0\) que, jutamente com a equação de estado dos gases ideais, permite escrever, por exemplo, o volume em função da temperatura, não esquecendo que, nas equações atrás usadas, se tem considerado sempre que a pressão é função destas duas últimas variáveis. Ora, neste caso é verdade que

\[dQ=C_vdT+\frac{RT}{v}dv=0\]

onde a pressão foi substituída pela sua expressão em termos de \(v\) e \(T\) a partir da equação de estado dos gases ideais. A integração da equação permite obter

\[\left(\frac{T}{T_0}\right)^{C_v}=\left(\frac{v_0}{v}\right)^R\]

Segue-se da equação de estado para os gases ideais que

\[\frac{p}{p_0}\frac{v}{v_0}=\frac{T}{T_0}\]

a qual pode ser usada para obter a relação entre volume e pressão, considerando a temperatura como dependente, ou temperatura e pressão, assumido o volume como dependente. É imediato verificar que a entropia não sofre variação neste caso e, portanto, \(S=S_0\). É por esta razão que a transformação adiabática é muitas vezes referida como isentrópica por ser mantida constante a entropia. A energia interna, por seu turno, é dada por

\[U-U_0=C_v\left(T-T_0\right)=C_vT_0\left(\left(\frac{v_0}{v}\right)^{\frac{R}{C_v}}-1\right)\]

De um modo geral, tem-se sempre

\[U-U_0=C_v\left(T-T_0\right)\]

pois a variação de \(U\) não dependerá do caminhos seguido pelo sistema. O mesmo acontece com a entropia cuja equação diferencial se escreve na forma

\[dS=C_v\frac{dT}{T}+R\frac{dv}{v}\]

Não é tarefa árdua verificar que se trata efectivamente de um diferencial total pois

\[\left\lbrace\begin{array}{l}\frac{\partial S}{\partial T}=\frac{C_v}{T}\\ \frac{\partial S}{\partial v}=\frac{R}{v}\end{array}\right.\]

Da integração do diferencial obtém-se

\[S-S_0=C_v\log{\frac{T}{T_0}}+R\log{\frac{v}{v_0}}\]

Das expressões obtêm-se imediatamente os valores das variações da energia interna e da entropia, considerando apenas os valores iniciais e finais do estado do sistema pois não dependem do caminho intermédio.