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segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Uma visão alternativa da transformação que deixa invariante as equações do electromagnetismo

 No passado, postei enlinha o texto Transformações em electrodinâmica onde são obtidas as transformações de coordenadas espaciais e temporal que deixam invariantes as equações do electromagnetismo, considerando transformações simples que envolvem apenas duas dessas coordenadas. É claro que a transformação geral constitui um grupo e este é gerado pela composição daquele tipo de transformações. Pretendo aqui expor o tema de um ponto de vista diferente, considerando directamente o caso mais geral.

Denotando por i=1 a unidade imaginária, as equações da electrodinâmica no vazio podem ser escritas na forma

{(icD)=icρ×H(icD)(ict)=JH=0×(icD)H(ict)=0

onde D é o vector de deslocamento eléctrico, H é o vector da intensidade do campo magnético,

c=1ε0μ0

 sabe-se ser igual à velocidade de propagação de uma onda electromagnética no vazio, ρ e J são, respectivamente, as densidades de carga e de corrente, e o operador é escrito como

=e1x+e2y+e3z

As equações acima apresentadas admitem uma representação mais simples quando consideradas no âmbito dos multivectores. No texto enlinha As transformações de coordenadas no produto exterior apresentei as leis de transformação deste género de entidades, incluindo algumas considerações adicionais.

Faz-se

{(x1,x2,x3,x4)=(x,y,z,ict)(J1,J2,J3,J4)=(Jx,Jy,Jz,icρ)

e

{F{1,4}=icDx,F{2,4}=icDy,F{3,4}=icDzF{1,2}=Hz,F{1,3}=Hy,F{2,3}=Hx

Constroem-se os multivectores

{F=αI2({1,2,3,4})FαeαF=αI2({1,2,3,4})Fαˆeα

onde ei não dependem do ponto de aplicação, isto é, são vectores do espaço plano descrito por coordenadas rectangulares, notando que as equações da electrodinâmica acima consideradas são válidas nesse âmbito. Além disso, segue-se aqui a notação do artigo supracitado. Pela regra da derivada da função composta, não é difícil concluir que, considerando que as coordenadas xi são contravariantes, então são covariantes as quantidades

xi

Então, é invariante o operador

=4i=1eixi

e são invariantes as equações

{F=0F=αI3({1,2,3,4})Jαˆeα

mediante transformações de coordenadas lineares se se assumir que as quantidades Fα, Fα e Jα se transformam segundo a natureza dos multivectores que compõem. Estas são as equações da electrodinâmica se se considerar que Fα=Fα.

Para que não se altere a forma das equações da electrodinâmica, é necessário ainda que se mantenha a identidade Fα=Fα após a transformação. Sendo M a matriz que lhe é associada, mostrou-se, no artigo supracitado, que essa transformação satisfaz a equação matricial

MTM=I

onde I é a matriz identidade. Note-se que a transformação assim obitda é válida, considerando que a entrada x4=ict é um número complexo. Pretende-se, portanto, determinar a transformação, considerando apenas as quantidades reais correspondentes. Ora, tem-se

[rict]=[AbeTd][rict]=[AribcteTr+idct]

onde r é o vector coluna dado pelas coordenadas espaciais, A é uma matriz do tipo 3×3b e c são vectores coluna de três entradas e d é um escalar. De modo que r e t sejam constituídos por quantidades reais, as entradas dos vectores b e c deverão ser imaginários puros. Assim,

[rict]=[AibieTd][rict]

que conduz à transformação para as quantidades reais na forma

[rct]=[AbeTd][rct]

Ora, a matriz original satisfaz a equação matricial

[ATieibTd][AibieTd]=[AATeeTi(Ab+de)i(Ab+de)Td2bbT]=I

As relações entre as quantidades reais correspondentes podem ser escritas como

[ATebTd][I3001][AbeTd]=[I3001]

Não é um exercício difícil verificar que o conjunto das matrizes M que satisfazem esta relação, munido com o produto de matrizes habitual, forma um grupo. Denote-se por Λ a matriz

Λ=[I3001]

onde I3 representa a submatriz 3×3 da identidade. Da identidade acima obtém-se

[rt]MTΛM[ρτ]=[rt]Λ[ρτ]

isto é,

[rt]Λ[ρτ]=[rt]Λ[ρτ]

onde

[ρτ]=M[ρτ]

 O grupo das matrizes M deixa invariante esta última forma bilinear e é um caso particular de uma família de grupos que pode ser definida pelas matrizes M que satisfazem uma equação do género

MTJM=J

No exemplo a duas coordenadas tem-se, de um modo geral,

[aebd]Λ[abed]=[a2e2(ab+ed)(ab+ed)b2d2]=Λ

isto é,

{a2e2=1ab+ed=0b2c2

A solução geral do sistema que conduz a uma transformação cuja matriz associada tem determinante positivo é dada por

{b=±a21e=a21d=a

que corresponde à transformação de coordenadas da forma

{x=ax±a21ctct=±a21x+act

A origem do referencial R encontra-se no ponto (vt,t) no referencial R se aquele se mover com velocidade v relativamente a este e, portanto,

0=avt±a21(ct)

de onde se obtém

a=±11(vc)2

Como x=x se v=0 então a assumirá o valor positivo. Se se convencionar que a velocidade v é positiva se se der na direcção do crescimento do eixo das abcissas então a transformação final será da forma

{x=11(vc)2xv/c1(vc)2ctct=v/c1(vc)2x+11(vc)2ct

Trata-se de um caso particular das transformações mais gerais.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Partícula num poço de potencial

Por um procedimento em tudo semelhante ao que foi apresentado no texto O oscilador harmónico em mecânica quântica, se a dinâmica do sistema mecânico clássico a uma dimensão for descrito pela função

L=TU

então a função de onda pode ser escrita como

φ(x,t)=ψ(x)eiEth

em que ψ(x) satisfaz a equação diferencial

22md2ψdx2+Uψ=Eψ

O caso particular de uma partícula que se encontra num poço de potencial é descrito pela função

U(x)={,x<00,0xa,x>a

Começa-se por considerar o caso particular em que U=k é constante. A equação diferencial assume a forma

d2ψdx2=2m(Ek)2ψ

Trata-se da equação diferencial que descreve o movimento do oscilador harmónico simples clássico. A solução da família de equações diferenciais é dada por

ψ={Ae2m(kE)x+BAe2m(kE)x,k<EA+Bx,k=EAcos2m(Ek)x+Bsin2m(Ek)x,k>E

A solução do problema inicial deverá ser tal que se verifique ψ(x)0 quando |x| de modo que seja normalizável. Ora, se k, ψ(x)=0 é a única solução da equação diferencial que satisfaz o requisito e, portanto, fora do intervalo [0,a], a função de onda anula-se. No interior do intervalo, com k=0, a condição fronteira obtém-se do facto de que a função de onda deve ser contínua em todo o domínio. Então, anulando-se a função fora do intervalo, ψ(0)=ψ(a)=0. Da condição ψ(0)=0 observa-se que

ψ(x)=Bsin2mEx

Por seu turno, ψ(a)=0 conduz à equação

Bsin2mEa=0

cuja solução é dada por

2mEa=nπ

onde n é um número inteiro positivo na medida em que é positiva a quantidade descrita pelo primeiro membro da equação. Atendendo a que

=h2π

tem-se, para os valores da energia,

E=n2h28ma2

e, para solução procurada,

ψ(x)=Bsinnπxa

A constante B resulta do processo de normalização. Com efeito,

+ψ2(x)dx=a0B2sin2nπxadx=1

ou

B2=2a

As soluções estacionárias da equação de onda para o caso do poço de potencial são dadas, portanto, por

φn(x,t)=2asinnπxaein2ht8ma2

A equação de onda independente do tempo para o caso tridimensional com U=0 pode ser escrita na forma

2ψ+2m2Eψ=0

O método da separação das variáveis, escrevendo

ψ(x,y,z)=X(x)Y(y)Z(z)

conduz à equações diferenciais ordinárias

{1XdXdx=kx1YdYdy=ky1ZdZdz=kz

em que

kx+ky+kz=2mE2

Se se considerar o caso em que U=0 no cubo definido pelos vértices (0,0,0) e (a,a,a), e no exterior, os argumentos usados no caso unidimensional permitem concluir que as funções de onda estacionárias se anulam no seu exterior e, no seu interior, vêm dadas por

φ(x,y,z,t)=(2a)3sinnxπxasinnyπyasinnzπzaeih(n2x+n2y+n2z)8ma2

para valores inteiros não negativos de nx, ny e nz, já que as condições de continuidade exigem que a energia seja da forma

E=h28ma2(n2x+n2y+n2z)

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica para sistemas reversíveis

A primeira lei da termodinâmica assenta no princípio de que o trabalho pode ser convertido em calor e o calor em trabalho segundo um relação de proporcionalidade. A produção de fogo por fricção ou o funcionamento de máquinas a vapor são exemplos que poderão servir como justificação empírica. A constante de proporcionalidade que permite dar uma medida do trabalho necessário para produzir uma determinada quantidade de calor é unitária se se escolher convenientemente as unidades calorimétrica e de trabalho. Não serão aqui detalhados os processos de medição de quantidades de calor transferidas ou do trabalho realizado nas referidas unidades nem as demonstrações experimentais deste princípio. Debater-se-á apenas as suas consequências.

Se a um sistema for fornecida uma quantidade de calor dQ, esta será usada para aumentar o calor interno H bem como para realizar trabalho L sobre as moléculas quando se movimentam contra as forças de coesão. Em equação, tem-se

dQ=dH+dL

Se, além disso, lhe for impresso trabalho externo dW, vem

dQ=dH+dL+dW

Sendo conservativas as forças intermoleculares, a variação da função L em termos das variáveis termodinâmicas não dependerá do caminho seguido pelo sistema. Caso contrário, seria possível obter ou consumir trabalho sem o correspondente consumo ou ganho de calor, hipótese que é considerada impossível do ponto de vista teórico. Com efeito, ainda nenhuma experiência foi concebida que tenha permitido refutá-la. É claro que o mesmo se deverá passar com o calor interno H. Designa-se por energia interna a soma

U=H+L

que, tratando-se de uma quantidade conservativa, é total o seu diferencial dU. A primeira lei da termodinâmica é, portanto, escrita como

dQ=dU+dW

Nenhuma consideração termodinâmica permite concluir que dQ ou dW sejam diferenciais totais. As quantidades de calor que permitem levar um sistema termodinâmico de um estado inicial a um estado final podem ser diferentes entre si quando são considerados caminhos alternativos desde que os trabalhos externos também o sejam de modo que as diferenças sejam compensadas.

A ideia física subjacente à segunda lei da termodinâmica é mais intrincada e está intimamente relacionada com uma espécie de equivalência que se pode considerar sobre máquinas térmicas reversíveis que trabalham sobre reservatórios a diferentes temperaturas. Fiz um pequeno resumo no texto que coloquei enlinha há anos atrás, Máquinas térmicas e entropia. Do ponto de vista matemático, estabelece-se que existe um factor integrante T que permite tornar dQ num diferencial total dS,

dS=1TdQ

que recebe a designação de entropia. Tratando-se de um diferencial total, se o sistema termodinâmico reversível evoluir de modo que retorne ao mesmo estado inicial depois de completar um circuito, então dS=0. Se o sistema for irreversível essa identidade não se verifica. No entanto, se se assumir mais uma vez que não é possível obter trabalho sem consumo de calor então, para sistemas arbitrários, é verdade que dS0.

Suponha-se que o estado do sistema é descrito por uma equação do tipo f(p,v,T)=0 que permite escrever, por exemplo, a pressão p como função da temperatura absoluta T e do volume v. A energia e a entropia poderão, portanto, ser dadas como funções destas duas quantidades. Sendo dU e dS diferenciais totais, valem as condições

{DTvU=2UvT2UTv=0DTvS=2SvT2STv=0

Da equação dQ=dU+dW obtém-se

DTvQ=DTvW

Se a força externa for constante ao longo da superfície do volume que contém o gás então dW=pdv. Assim,

{Wv=pWT=0

e, portanto,

DTvW=pT

Por seu turno, da equação dQ=TdS e do facto de dS ser um diferencial total, tem-se

DTvQ=Sv=1TQv

A combinação de ambas as equações permite obter

Qv=TpT

No caso dos gases ideais a equação de estado, determinada a partir de resultados experimentais, é dada por pv=RT. Daqui segue-se que

pT=Rv=pT

que, quando inserido na equação anterior, proporciona

Qv=p=Uv+p

em que a segunda igualdade resulta directamente da equação associada à primeira lei da termodinâmica para este caso especial. Desta equação resulta que, no caso dos gases ideiais quando considerados sobre o domínio dos processos reversíveis,

Uv=0

e, portanto, a energia interna depende apenas da temperatura. Designa-se por capacidade térmica a volume constante a quantidade

Cv=UT=QT

que mede o calor que é necessário fornecer ao sistema para que a sua temperatura aumente de um determinado valor, mantendo constante o volume. Assume-se também que não depende da temperatura, resultado em harmonia com o que se observa experimentalmente nas situações mais comuns. A equação associada à primeira lei da termodinâmica advém, atendendo à equação de estado dos gases ideais, na forma

dQ=CvdT+RTvdv

Suponha-se que se evolui o sistema, mantendo a pressão constante p0. Da equação dos gases ideais resulta que o volume terá de ser directamente proporcional à temperatura, isto é,

T=p0Rv

A substituição na equação associada à primeira lei permite obter

dQ=(Cv+R)p0Rdv

cuja integração proporciona a medida do calor que deve ser fornecido para que o sistema altere o seu volume proporcionalmente à temperatura, mantendo constante a pressão,

Q=(Cv+R)p0R(vv0)

Se se considerar a equação dos gases ideais para escrever v como função de T, a expressão anterior reduz-se a

QQ0=(Cv+R)(TT0)

Neste caso, observa-se que

dQdT=Cv+R=Cp

corresponde à capacidade térmica a pressão constante que mede a quantidade de calor que é necessário fornecer ao sistema para que a sua temperatura aumente de um determinado valor, mantendo a pressão constante. As variações da energia interna e entropia são dadas, respectivamente por

UU0=Cv(TT0)=Cvp0R(vv0)

e

SS0=CplogTT0=Cplogvv0

já que

dS=dQT=CpdTT

Suponha-se agora que o sistema evolui de modo a que a temperatura seja mantida constante durante o processo. Neste caso, a equação de estado dos gases ideais permite escrever a  pressão em termos do volume como

p=RT0v

e a integração da equação associada à primeira lei da termodinâmica, nomeadamente

dQ=RT0dvv

permite obter

QQ0=RT0logvv0=RT0p0p

Já que dU=CvdT, a energia interna mantém-se constante U=U0. A entropia é dada por

SS0=QQ0T0=Rlogvv0=Rp0p

Se, durante o processo, o volume for mantido constante, a pressão pode ser encarada como função da temperatura através da relação

p=Rv0T

O calor transferido e a energia interna vêm dados por

QQ0=UU0=Cv(TT0)=Cvv0R(pp0)

É o que seria de esperar, uma vez que, sendo o volume constante, não é realizado qualquer trabalho sobre o sistema e, portanto, a energia interna varia do mesmo modo que o calor fornecido. A entropia, por seu turno, é dada por

SS0=CvlogTT0=Cvlogpp0

Por fim, considera-se o caso das designadas transformações adiabáticas que são processos nos quais não estão envolvidas quaisquer trocas de calor com o meio exterior. Do ponto de vista matemático tem-se a equação dQ=0 que, jutamente com a equação de estado dos gases ideais, permite escrever, por exemplo, o volume em função da temperatura, não esquecendo que, nas equações atrás usadas, se tem considerado sempre que a pressão é função destas duas últimas variáveis. Ora, neste caso é verdade que

dQ=CvdT+RTvdv=0

onde a pressão foi substituída pela sua expressão em termos de v e T a partir da equação de estado dos gases ideais. A integração da equação permite obter

(TT0)Cv=(v0v)R

Segue-se da equação de estado para os gases ideais que

pp0vv0=TT0

a qual pode ser usada para obter a relação entre volume e pressão, considerando a temperatura como dependente, ou temperatura e pressão, assumido o volume como dependente. É imediato verificar que a entropia não sofre variação neste caso e, portanto, S=S0. É por esta razão que a transformação adiabática é muitas vezes referida como isentrópica por ser mantida constante a entropia. A energia interna, por seu turno, é dada por

UU0=Cv(TT0)=CvT0((v0v)RCv1)

De um modo geral, tem-se sempre

UU0=Cv(TT0)

pois a variação de U não dependerá do caminhos seguido pelo sistema. O mesmo acontece com a entropia cuja equação diferencial se escreve na forma

dS=CvdTT+Rdvv

Não é tarefa árdua verificar que se trata efectivamente de um diferencial total pois

{ST=CvTSv=Rv

Da integração do diferencial obtém-se

SS0=CvlogTT0+Rlogvv0

Das expressões obtêm-se imediatamente os valores das variações da energia interna e da entropia, considerando apenas os valores iniciais e finais do estado do sistema pois não dependem do caminho intermédio.