No passado, postei enlinha o texto Transformações em electrodinâmica onde são obtidas as transformações de coordenadas espaciais e temporal que deixam invariantes as equações do electromagnetismo, considerando transformações simples que envolvem apenas duas dessas coordenadas. É claro que a transformação geral constitui um grupo e este é gerado pela composição daquele tipo de transformações. Pretendo aqui expor o tema de um ponto de vista diferente, considerando directamente o caso mais geral.
Denotando por \(i=\sqrt{-1}\) a unidade imaginária, as equações da electrodinâmica no vazio podem ser escritas na forma
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\vec{\nabla}\cdot\left(ic\vec{D}\right)=ic\rho\\ \vec{\nabla}\times\vec{H}-\frac{\partial\left(ic\vec{D}\right)}{\partial (ict)}=\vec{J}\\ \vec{\nabla}\cdot\vec{H}=0\\ \vec{\nabla}\times\vec{\left(ic\vec{D}\right)}-\frac{\partial\vec{H}}{\partial (ict)}=0\end{array}\right.\]
onde \(\vec{D}\) é o vector de deslocamento eléctrico, \(\vec{H}\) é o vector da intensidade do campo magnético,
\[c=\frac{1}{\sqrt{\varepsilon_0\mu_0}}\]
sabe-se ser igual à velocidade de propagação de uma onda electromagnética no vazio, \(\rho\) e \(\vec{J}\) são, respectivamente, as densidades de carga e de corrente, e o operador \(\vec{\nabla}\) é escrito como
\[\vec{\nabla}=\vec{e}^1\frac{\partial}{\partial x}+\vec{e}^2\frac{\partial}{\partial y}+\vec{e}^3\frac{\partial}{\partial z}\]
As equações acima apresentadas admitem uma representação mais simples quando consideradas no âmbito dos multivectores. No texto enlinha As transformações de coordenadas no produto exterior apresentei as leis de transformação deste género de entidades, incluindo algumas considerações adicionais.
Faz-se
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\left(x^1,x^2,x^3,x^4\right)=\left(x,y,z,ict\right)\\ \left(J^1,J^2,J^3,J^4\right)=\left(J_x,J_y,J_z,ic\rho\right)\end{array}\right.\]
e
\[\left\lbrace\begin{array}{ccc}F_{\lbrace 1,4\rbrace}=icD_x, & F_{\lbrace 2,4\rbrace}=icD_y, & F_{\lbrace 3,4\rbrace}=icD_z\\ F_{\lbrace 1,2\rbrace}=H_z, & F_{\lbrace 1,3\rbrace}=-H_y, & F_{\lbrace 2,3\rbrace}=H_x\end{array}\right.\]
Constroem-se os multivectores
\[\left\lbrace\begin{array}{l}F=\sum_{\alpha\in I_2\left(\lbrace 1,2,3,4\rbrace\right)}{F_\alpha\vec{e}^\alpha}\\ F^{*}=\sum_{\alpha\in I_2\left(\lbrace 1,2,3,4\rbrace\right)}{F^\alpha\hat{e}_\alpha}\end{array}\right.\]
onde \(\vec{e}^i\) não dependem do ponto de aplicação, isto é, são vectores do espaço plano descrito por coordenadas rectangulares, notando que as equações da electrodinâmica acima consideradas são válidas nesse âmbito. Além disso, segue-se aqui a notação do artigo supracitado. Pela regra da derivada da função composta, não é difícil concluir que, considerando que as coordenadas \(x^i\) são contravariantes, então são covariantes as quantidades
\[\frac{\partial}{\partial x^i}\]
Então, é invariante o operador
\[\nabla=\sum_{i=1}^4{\vec{e}^i\frac{\partial}{\partial x^i}}\]
e são invariantes as equações
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\nabla\wedge F=0\\ \nabla\wedge F^{*}=-\sum_{\alpha\in I_{3}\left(\left\lbrace 1,2,3,4\right\rbrace\right)}{J^\alpha}\hat{e}_\alpha\end{array}\right.\]
mediante transformações de coordenadas lineares se se assumir que as quantidades \(F_\alpha\), \(F^\alpha\) e \(J^\alpha\) se transformam segundo a natureza dos multivectores que compõem. Estas são as equações da electrodinâmica se se considerar que \(F_\alpha=F^\alpha\).
Para que não se altere a forma das equações da electrodinâmica, é necessário ainda que se mantenha a identidade \(F'_\alpha=F'^\alpha\) após a transformação. Sendo \(M\) a matriz que lhe é associada, mostrou-se, no artigo supracitado, que essa transformação satisfaz a equação matricial
\[M^TM=I\]
onde \(I\) é a matriz identidade. Note-se que a transformação assim obitda é válida, considerando que a entrada \(x^4=ict\) é um número complexo. Pretende-se, portanto, determinar a transformação, considerando apenas as quantidades reais correspondentes. Ora, tem-se
\[\left\lbrack\begin{array}{c}r'\\ ict'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ict\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{c}Ar-ibct\\ e^Tr+idct\end{array}\right\rbrack\]
onde \(r\) é o vector coluna dado pelas coordenadas espaciais, \(A\) é uma matriz do tipo \(3\times 3\), \(b\) e \(c\) são vectores coluna de três entradas e \(d\) é um escalar. De modo que \(r'\) e \(t'\) sejam constituídos por quantidades reais, as entradas dos vectores \(b\) e \(c\) deverão ser imaginários puros. Assim,
\[\left\lbrack\begin{array}{c}r'\\ ict'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & ib\\ ie^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ict\end{array}\right\rbrack\]
que conduz à transformação para as quantidades reais na forma
\[\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ct\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}A & -b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{c}r\\ ct\end{array}\right\rbrack\]
Ora, a matriz original satisfaz a equação matricial
\[\left\lbrack\begin{array}{cc}A^T & ie\\ ib^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}A & ib\\ ie^T & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}AA^T-ee^T & i(Ab+de)\\ i(Ab+de)^T & d^2-bb^T\end{array}\right\rbrack=I\]
As relações entre as quantidades reais correspondentes podem ser escritas como
\[\left\lbrack\begin{array}{cc}A^T & e\\ -b^T & d\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\left\lbrack\begin{array}{cc}A & -b\\ e^T & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\]
Não é um exercício difícil verificar que o conjunto das matrizes \(M\) que satisfazem esta relação, munido com o produto de matrizes habitual, forma um grupo. Denote-se por \(\Lambda\) a matriz
\[\Lambda=\left\lbrack\begin{array}{cc}I_3 & 0\\ 0 & -1\end{array}\right\rbrack\]
onde \(I_3\) representa a submatriz \(3\times 3\) da identidade. Da identidade acima obtém-se
\[\left\lbrack\begin{array}{cc}r & t\end{array}\right\rbrack M^T\Lambda M\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}r & t\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]
isto é,
\[\left\lbrack\begin{array}{cc}r' & t'\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho'\\ \tau'\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}r & t\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]
onde
\[\left\lbrack\begin{array}{c}\rho'\\ \tau'\end{array}\right\rbrack=M\left\lbrack\begin{array}{c}\rho\\ \tau\end{array}\right\rbrack\]
O grupo das matrizes \(M\) deixa invariante esta última forma bilinear e é um caso particular de uma família de grupos que pode ser definida pelas matrizes \(M\) que satisfazem uma equação do género
\[M^TJM=J\]
No exemplo a duas coordenadas tem-se, de um modo geral,
\[\left\lbrack\begin{array}{cc}a & e\\ -b & d\end{array}\right\rbrack\Lambda\left\lbrack\begin{array}{cc}a & -b\\ e & d\end{array}\right\rbrack=\left\lbrack\begin{array}{cc}a^2-e^2 & -(ab+ed)\\ -(ab+ed) & b^2-d^2\end{array}\right\rbrack=\Lambda\]
isto é,
\[\left\lbrace\begin{array}{l}a^2-e^2=1\\ ab+ed=0\\ b^2-c^2\end{array}\right.\]
A solução geral do sistema que conduz a uma transformação cuja matriz associada tem determinante positivo é dada por
\[\left\lbrace\begin{array}{l}b=\pm\sqrt{a^2-1}\\ e=\mp\sqrt{a^2-1}\\ d=a\end{array}\right.\]
que corresponde à transformação de coordenadas da forma
\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=ax\pm\sqrt{a^2-1}ct\\ ct'=\pm\sqrt{a^2-1}x+act\end{array}\right.\]
A origem do referencial \(R'\) encontra-se no ponto \((vt,t)\) no referencial \(R\) se aquele se mover com velocidade \(v\) relativamente a este e, portanto,
\[0=avt\pm\sqrt{a^2-1}(ct)\]
de onde se obtém
\[a=\pm\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}\]
Como \(x=x'\) se \(v=0\) então \(a\) assumirá o valor positivo. Se se convencionar que a velocidade \(v\) é positiva se se der na direcção do crescimento do eixo das abcissas então a transformação final será da forma
\[\left\lbrace\begin{array}{l}x'=\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}x-\frac{v/c}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}ct}\\ ct'=-\frac{v/c}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}x+\frac{1}{\sqrt{1-\left(\frac{v}{c}\right)^2}}ct\end{array}\right.\]
Trata-se de um caso particular das transformações mais gerais.