Considere-se um sistema de corpos completamente isolado, como é o caso, por exemplo, de um recipiente de paredes rígidas no qual uma metade é cheia com um gás que se encontra a uma determinada temperatura e pressão e a outra, com um gás que se encontra a uma temperatura e pressão maiores. Assume-se que o sistema parte de um estado inicial e, por interacção entre as suas partes, esse estado altera-se com o tempo. Além disso, assumir-se-á que o sistema irá evoluir sempre no sentido de uma situação que corresponda a um estado mais provável até que, no final de um intervalo de tempo suficientemente grande, atinja o seu estado mais provável entre todos.
Suponha-se que energia cinética \(E\) do sistema isolado se distribui pelas suas \(n\) moléculas, considerando que cada uma assuma uma energia cinética cujo valor é múltiplo de uma quantidade \(\varepsilon\). Suponha-se ainda que, após a colisão entre duas moléculas e consequente reconfiguração das suas energias cinéticas, o valor dessas novas energias continua a ser um múltiplo da quantidade \(\varepsilon\). Pretende-se, em primeiro lugar, determinar qual é o número de configurações tais que existam \(w_0\) moléculas com energia \(0\), \(w_1\) moléculas com energia \(\varepsilon\), \(w_2\) moléculas com energia \(2\varepsilon\) e assim sucessivamente até \(w_p\) moléculas com energia \(p\varepsilon\), notando que \(p\le \lambda\) dado que a energia total é também um múltiplo de \(\varepsilon\), isto é, \(E=\lambda\varepsilon\). É claro da descrição do sistema abstracto assim construído que se deve verificar o sistema de equações
\[\left\lbrace\begin{array}{l}w_0+w_1+\cdots+w_p=n\\ w_1+2w_2+\cdots +pw_p=\lambda\end{array}\right.\]
As equações descrevem o simples facto de que o número total de moléculas é considerado igual a \(n\) e a energia total do sistema igual a \(\lambda\varepsilon\). A título de exemplo, considere-se um sistema em que \(n=3\) e \(\lambda=5\). Se se denotar por \(abc\) a configuração em que a primeira molécula tem energia \(a\varepsilon\), a segunda, \(b\varepsilon\) e a terceira, \(c\varepsilon\), observa-se que as configurações possíveis são expressas na seguinte tabela.
Configuração | Número de possibilidades |
---|---|
500 | 3 |
410 | 6 |
320 | 6 |
311 | 3 |
221 | 3 |
A primeira linha corresponde à configuração em que existe uma molécula com energia cinética \(5\varepsilon\) e duas com energia cinética \(0\), isto é, corresponde à configuração dada por \(w_0=2,\ w_5=1\) e \(w_1=w_2=w_3=w_4=0\). O número de possiblidades é três, na medida em que a energia \(5\varepsilon\) pode estar associada a cada uma das três moléculas, tendo as outras duas, uma eneriga igual a \(0\). Observando que o número total de possibilidades é \(24\), a probabilidade correspondente ao estado \(500\) é igual a \(3/24\). Não é difícil determinar que o número de possibilidades para cada configuração é dado por
\[\left(\begin{array}{c}n\\ \begin{array}{cccc}w_0 & w_1 & \cdots & w_\lambda\end{array}\end{array}\right)=\frac{n!}{w_0!w_1!\cdots w_\lambda!}\]
Uma vez que o número total de possibilidades não varia, o estado mais provável é aquele que permite maximizar a expressão anterior. Com efeito, se se denotar por \(p\) a probabilidade da combinação tem-se
\[p=\frac{\left(\begin{array}{c}n\\ \begin{array}{cccc}w_0 & w_1 & \cdots & w_\lambda\end{array}\end{array}\right)}{\binom{\lambda+n-1}{n}}\]
No exemplo, os estados mais prováveis são segundo, o terceiro e o quarto, com uma probabilidade igual a \(1/4\). Além disso, já que o número de moléculas é considerado constante, o máximo da expressão é atingido quando o denominador assume o seu menor valor possível ou, dado que a função logaritmo é monótona crescente, quando o logaritmo do denominador assume o menor valor possível, isto é, quando é menor o valor
\[P=\sum_{i=0}^\lambda{\log\left(w_i!\right)}\]
De modo a utilizar os resultados do cálculo infinitesimal na determinação do mínimo, considera-se o ajuste dos factoriais pela função gama, isto é,
\[P=\sum_{i=0}^\lambda{\log\Gamma\left(w_i+1\right)}\]
que assume os mesmos valores que a expressão anterior quando os \(w_i\) são números inteiros. A solução do problema original será, de entre as soluções próximas da que foi determinada no problema contínuo, as que proporcionam o menor valor. Pretende-se, pois, determinar o mínimo de
\[P=\sum_{i=0}^\lambda{\log\Gamma\left(w_i+1\right)}\]
sujeito às condições
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\sum_{i=0}^\lambda {w_i}=n\\ \sum_{i=0}^\lambda{iw_i}=\lambda\end{array}\right.\]
Da teoria dos multiplicadores, para determinar o mínimo da função \(P\) quando as variáveis estão sujeitas às condições dadas, consideram-se os multiplicadores \(\alpha\) e \(-\beta\) e constrói-se a função
\[F=\sum_{i=0}^\lambda{\log\Gamma\left(w_i+1\right)}+\alpha\left(n-\sum_{i=0}^\lambda {w_i}\right)-\beta\left(\lambda-\sum_{i=0}^\lambda{iw_i}\right)\]
Sabe-se que, neste caso, os extremos de \(P\) satisfazem a condição
\[\frac{\partial F}{\partial w_i}=0\]
isto é, vale o sistema das \(\lambda+1\) equações
\[\frac{d}{dw_i}\log\Gamma\left(w_i+1\right)-\alpha+i\beta=0\]
para cada valor de \(i=0,1,\cdots,\lambda\).
Observa-se que o problema é de difícil solução se se pretender recorrer à definição da função gama. No entanto, lembrando que a solução analítica encontrada vale para valores de \(w_i\) contínuos e proporcionará apenas uma aproximação da solução inteira procurada, tentar-se-á considerar um problema mais simples que proporcione soluções igualmente aproximadas. Para o efeito, observa-se que
\[\Gamma\left(w_i+1\right)=w_i\left(\log{w_i}-1\right)+\frac{1}{2}\log{2\pi}+\phi\left(w_i\right)\]
onde \(\phi\left(w_i\right)\) é da forma
\[\phi\left(w_i\right)=\frac{1}{2}\log{w_i}-\sum_{k=1}^\infty{\frac{(-1)^kB_{k+1}}{k(k+1)w_i^k}}\]
em que os \(B_k\) são determinados números finitos. Observa-se que, para valores muito elevados de \(w_i\), se tem
\[\frac{d\phi}{dw_i}\approx 0\]
As condições que devem ser observadas nos extremos advêm da forma
\[\frac{d}{dw_i}\left(w_i\log{w_i}\right)-(\alpha+1)+\beta i=0\]
que são as equações que se obtêm, ao tentar determinar os extremos da função
\[S=\sum_{i=0}^{\lambda}{w_i\log{w_i}}\]
sujeita às condições consideradas. A solução das equações correspondentes às condições é dada por
\[w_i=e^\alpha e^{-\beta i}\]
A substituição na primeira equação das condições permite obter
\[e^\alpha=\frac{n}{\sum_{j=0}^\lambda{e^{-\beta j}}}\]
Note-se que, se se considerar que \(\lambda\to\infty\), o que corresponde a uma aproximação real quando se considera um número cada vez maior de valores possível para a energia, tem-se
\[e^\alpha=n\left(1-e^{-\beta}\right)\]
e, portanto,
\[\frac{w_i}{n}=\left(1-e^{-\beta}\right)e^{-\beta i}\]
Por outro lado, como
\[\sum_{i=0}^\infty{ie^{-\beta i}}=-\frac{d}{d\beta}\sum_{i=0}^{\infty}{e^{-\beta i}}=-\frac{d}{d\beta}\left(\frac{1}{1-e^{-\beta}}\right)=\frac{e^{-\beta}}{\left(1-e^{-\beta}\right)^2}\]
segue-se, substituindo \(w_i/n\) na segunda condição,
\[e^{-\beta}=\frac{\frac{\lambda}{n}}{1+\frac{\lambda}{n}}\]
e, portanto, tem-se a solução aproximada para o extremo na forma
\[\frac{w_i}{n}=\frac{1}{1+\frac{\lambda}{n}}\left(\frac{\frac{\lambda}{n}}{1+\frac{\lambda}{n}}\right)^i\]
É interessante averiguar até que ponto é boa a aproximação dada por esta última expressão ao caso de valores de \(n\) e \(\lambda\) suficientemente elevados. Não será aqui apresentado qualquer exemplo numérico. No entanto, no caso contínuo, considera-se que a quantidade \(w_i/n\) correponde à probabilidade de, escolhida uma partícula ao acaso, esta ter uma energia igual a \(E_i=\varepsilon i\) e, define-se, portanto, \(\rho(E)\) como a distribuição dessa probabilidade em função da energia. Neste sentido, designando por \(\rho_i=\rho\left(E_i\right)\), a quantidade \(\rho_i dE\) proporciona a probabilidade de que, escolhida uma partícula ao acaso, a sua energia estará compreendida entre \(E_i\) e \(E_i+dE\). Note-se que esse valor é dado por \(w_i/n\) em que \(w_i\) é o número de partículas cujo valor da energia se encontra nesse mesmo intervalo.
O mesmo argumento usado anteriormente vale aqui, notando que as condições são agora dadas por
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\sum_{i=0}^{r}{\rho_i dE}=1\\ \sum_{i=0}^r{E_i\rho_i dE}=\bar{E}\end{array}\right.\]
O valor de \(r\) é o número de partições que se considera sobre a eneriga e \(\bar{E}\) é a energia média por partícula, suposta finita. A função a minimizar será, portanto
\[S=\sum_{i=0}^{r}{\rho_i dE\log{\rho_i}}+\log{dE}\sum_{i=0}^{r}{\rho_i dE}=\sum_{i=0}^{r}{\rho_i dE\log{\rho_i}}+\log{dE}\]
No caso limite em que os intervalos de partição são cada vez menores e \(r\to\infty\), o problema reduz-se à minimização de
\[\int_0^\infty{\rho(E)\log\rho(E) dE}\]
sujeito às condições
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\int_0^\infty{\rho(E)dE}=1\\ \int_{0}^\infty{E\rho(E)dE}=\bar{E}\end{array}\right.\]
já que \(\log dE\) é uma constante no processo de minimização.
Recorrendo, mais uma vez, à teoria dos multiplicadores em cálculo variacional, a solução procurada é tal que seja nula a variação dos seguinte funcional integral
\[\delta\int_0^\infty{\left\lbrack\rho(E)\log\rho(E)+\alpha\rho(E)+\beta E\rho(E)\right\rbrack dE}=0\]
Após determinar a variação, obtém-se a solução
\[\rho(E)=Ae^{-\beta E}\]
Para que a primeira equação seja satisfeita, tem-se
\[\rho(E)=\frac{e^{-\beta E}}{\int_0^\infty e^{-\beta E}dE}=\frac{e^{-\beta E}}{\beta}\]
Da segunda equação segue-se que
\[\beta=\frac{1}{\sqrt{\bar{E}}}\]
e a distribuição final advém da forma
\[\rho(E)=\frac{1}{\sqrt{\bar{E}}}e^{-\frac{E}{\sqrt{\bar{E}}}}\]
Considere-se o caso em que, ao invés de se considerarem as energias das moléculas, são consideradas as componentes tridimensionais das suas velocidades. Se se denotar por \(w_\vec{v}\) o número de moléculas que tem a velocidade dada pelo vector \(\vec{v}\), então o número de configurações será dado por
\[\frac{n!}{\prod_\vec{v}{w_\vec{v}}!}\]
Definindo \(\rho\left(\vec{v}\right)\) como a distribuição de probabilidades e considerando que se pretende a energia cinética média constante e igual a \(\bar{E}\), o raciocínio atrás apresentado permite concluir que a distribuição do equilíbrio é aquela que minimiza o integral triplo
\[\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\rho\left(v_x,v_y,v_z\right)\log\rho\left(v_x,v_y,v_z\right)dv_xdv_ydv_z\]
sujeita às condições
\[\left\lbrace\begin{array}{l}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\rho\left(v_x,v_y,v_z\right)dv_xdv_ydv_z=1\\ \frac{1}{2m}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)\rho\left(v_x,v_y,v_z\right)dv_xdv_ydv_z=\bar{E}\end{array}\right.\]
Para fazer essa determinação, calcula-se
\[\delta \int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\left\lbrack\rho\log\rho -\alpha\rho-\beta\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)\rho\right\rbrack dv_xdv_ydv_z=0\]
A respectiva variação conduz à solução
\[\rho\left(v_x,v_y,v_Z\right)=Ae^{-\beta\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}\]
Da primeira restrição segue-se que
\[\rho\left(v_x,v_y,v_z\right)=\frac{e^{-\beta\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}}{\int\int\int{e^{-\beta\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)} dv_xdv_ydv_z}}=\left(\frac{\beta}{2\pi}\right)^{\frac{3}{2}}e^{-\beta\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}\]
uma vez que
\[\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}{e^{-\beta\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}dv_xdv_ydv_z}=\left(\frac{2\pi}{\beta}\right)^{\frac{3}{2}}\]
Por outro lado, como
\[\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}\int_{-\infty}^{+\infty}{\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)e^{-\beta\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}dv_xdv_ydv_z}= \frac{d}{d\beta}\left(\frac{2\pi}{\beta}\right)^{\frac{3}{2}}=\frac{3\left(2\pi\right)^{\frac{3}{2}}}{2\beta^{\frac{5}{2}}}\]
a segunda condição permite obter \(\beta\) e, portanto,
\[\rho\left(v_x,v_y,v_z\right)=\left(\frac{3m}{8\pi\bar{E}}\right)^{\frac{3}{2}}e^{-\frac{3m}{4\bar{E}}\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}\]
Convém notar que o sistema deve ser descrito, não só pelas velocidades, mas também pelas posições. Com efeito, foi atrás considerado, no processo de minimização, que o número total de estados não varia com o tempo. Isso é verdade na medida em que, de acordo com um teorema conhecido de mecânica, se \(V_1\) for um volume considerado no espaço de fase que se mapeia, ao fim de um tempo \(t\) num volume \(V_2\) através do movimento das suas partes, então \(V_1\) e \(V_2\) serão iguais em magnitude. Neste sentido, ao invés de se considerarem apenas as velocidades, seria pertinente prestar atenção às posições e aos momentos e estes, no caso apresentado, são proporiconais às velocidades. Pouco há a acrescentar no que concerne às posições. As função a mininimizar e as condições são as mesmas com a pequena excepção de que as integrais, ao invés de serem triplas e se estenderem apenas sobre o domínio das velocidades, são sextuplas e estendem-se ao domínio das posições consideradas sobre o volume total do sistema, e das velocidades. Neste caso,
\[\rho\left(x,y,z,v_x,v_y,v_z\right)=\frac{1}{V}\left(\frac{3m}{8\pi\bar{E}}\right)^{\frac{3}{2}}e^{-\frac{3m}{4\bar{E}}\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}\]
onde \(V\) é esse volume. De acordo com o que foi estabelecido, o número total de estados associados à configuração de equilíbrio é dado por
\[f\left(x,y,z,v_x,v_y,v_z\right)=N\rho\left(x,y,z,v_x,v_y,v_z\right)=\frac{N}{V}\left(\frac{3m}{8\pi\bar{E}}\right)^{\frac{3}{2}}e^{-\frac{3m}{4\bar{E}}\left(v_x^2+v_y^2+v_z^2\right)}\]
Ora, se se substituir a função anterior na expressão
\[\Omega=-\int f\left(x,y,z,v_x,v_y,v_z\right)\log f\left(x,y,z,v_x,v_y,v_z\right) dxdydzdv_xdv_ydv_z\]
obtém-se
\[\Omega=-N\log N+N\log V\left(\frac{8\pi\bar{E}}{3m}\right)^{\frac{3}{2}}+\frac{3}{2}N\]
isto é,
\[\Omega = N\log\left( V\bar{E}^{\frac{3}{2}}\right)+C\]
Por seu turno, como pode ser visto na posta Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica, a entropia associada a um gás ideal é dada por
\[S=\log T^{C_v}V^R+C\]
Observa-se, portanto, que \(\Omega\) deve ser proporcional à entropia se \(\bar{E}\), a energia cinética média for, de algum modo, identificada com a temperatura do sistema.
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