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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Calor e trabalho

No artigo enlinha Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica para sistemas reversíveis é considerado o sistema termodinâmico constituído por um gás ideal, sobre o qual as grandezas se determinam como função de duas delas. É, por exemplo, determinado o calor transferido ou a variação da energia interna num processo isotérmico em função do volume e da pressão. Porém, o cálculo de cada uma dessas grandezas efectua-se apenas ao longo de um determinado caminho de evolução do sistema que poderá corresponder a um processo isotérmico, a um isobárico ou a um adiabático. Com efeito, a variação calcula-se só depois de se determinar uma relação entre as variáveis independentes. A energia interna difere do calor pelo simples facto da sua variação não depender do caminho de evolução do sistema. Com efeito, não importando qual é o caminho de evolução que leva do ponto estado (p0,v0) ao ponto estado (p,v), se tem sempre

ΔU=U(p,v)U(p0,v0)

independentemente do caminho de evolução. A variação do calor, por seu turno, como depende do caminho, o seu valor não poderá ser determinado do mesmo modo.

Considere-se um sistema descrito pelas duas variáveis independentes x e y onde a variação de uma quantidade dQ do ponto (x,y) para o ponto infinitamente vizinho (x+dx,y+dy) se possa escrever, até à primeira ordem,

Q(x+dx,y+dy)=Q(x,y)+pdx+qdy

ou

dQ=pdx+qdy

A variação finita da quantidade Q será dada pela soma infinita das suas variações infinitesimais ao longo de uma determinada curva. Essa variação será independente da curva se se verificar a condição

pyqx=0

pois, neste caso, poder-se-á encontrar uma função F tal que

{p=Fxq=Fy

Assim, a variação finita de Q ao longo do caminho C é dada pelo integral

I=Cpdx+qdy=CFxdx+Fydy

Se o caminho C for descrito, de um modo geral, pela parametrização

{x=x(t)y=y(t)

então

I=t1t0(Fxx+Fyy)dt=t1t0dFdtdt=F1F0

em que se fez, para abreviar,

{F0=F(x0,y0)F1=F(x1,y1)

Nesta caso particular, a variação total da quantidade Q ao longo de um caminho fechado é nula pois F1=F0. O mesmo não se verifica no caso em que

pyqx0

Pretende-se determinar a variação total da quantidade Q quando se considera um caminho fechado tão próximo do ponto (x0,y0) quanto se queira. Seja esse caminho fechado definido pelas equações paramétricas

{x=x0+εη(t)y=y0+εζ(t)

em que η(t) e ζ(t) são funções finitas, o parâmetro t varia desde t0 até t1 e ε é uma quantidade tão pequena quanto se queira. Da teoria da expansão em série de potências das funções advém a seguinte estimativa

{p(x0+εη,y0+εζ)=p(x0,y0)+ε(pxη+pyζ)+O(ε2)q(x0+εη,y0+εζ)=q(x0,y0)+ε(qxη+qyζ)+O(ε2)

A consideração do caminho especificado e da série de potências conduz ao resultado

Cpdx+qdy=εI1+ε2I2+O(ε3)

onde

{I1=t1t0(p0η+q0ζ)dt=0I2=t1t0(pxηη+pyζη+qxηζ+qyζζ)dt

O primeiro integral é nulo na medida em que η(t0)=η(t1) e ζ(t0)=ζ(t1). Por seu turno, pode-se escrever

I2=12ε2(pyqx)t2t1(ζηηζ)dt+J

Porém, e pelo mesmo motivo,

J=t1t0(pxη2+(qx+py)ηζ+qxζ2)dt=0

Segue, portanto, que

ΔQ=Cpdx+qdy=(pyqx)dA+O(ε3)

onde

dA=12ε2t2t1(ζηηζ)dt

é o elemento de área delimitado pelo caminho considerado. Observe-se que se obtém o mesmo resultado, atendendo ao conhecido teorema que proporciona

Cpdx+qdy=S(pyqx)dxdy

onde C é o caminho fechado e S é a superfície no plano delimitada pelo caminho C.

Se um sistema, ao realizar um ciclo, partindo e retornando ao mesmo estado, o excedente de calor deve ser compensado pelo excedente do trabalho realizado, do sistema no exterior e do exterior no sistema e, portanto,

Δ(QW)=0

Ora, se se fizer

{dQ=Qxdx+QydydW=Wxdx+Wydy

a equação anterior reduz-se a

UxyUyx=0

Se se fizer

dU=Uxdx+Uydy

observa-se que se trata de um diferencial total, pois a sua variação entre dois pontos estado de um sistema não depende do caminho. A primeira lei da termodinâmica assume a forma

dQ=dU+dW

Deste ponto de vista, é suficiente considerar que deve ser nulo o balanço entre o calor transferido e o trabalho realizado quando o sistema realiza um ciclo sem a necessidade de postular, à partida, a existência de uma energia interna cuja variação não depende do caminho de evolução do sistema.