No artigo enlinha Consequências da primeira e segunda leis da termodinâmica para sistemas reversíveis é considerado o sistema termodinâmico constituído por um gás ideal, sobre o qual as grandezas se determinam como função de duas delas. É, por exemplo, determinado o calor transferido ou a variação da energia interna num processo isotérmico em função do volume e da pressão. Porém, o cálculo de cada uma dessas grandezas efectua-se apenas ao longo de um determinado caminho de evolução do sistema que poderá corresponder a um processo isotérmico, a um isobárico ou a um adiabático. Com efeito, a variação calcula-se só depois de se determinar uma relação entre as variáveis independentes. A energia interna difere do calor pelo simples facto da sua variação não depender do caminho de evolução do sistema. Com efeito, não importando qual é o caminho de evolução que leva do ponto estado (p0,v0) ao ponto estado (p,v), se tem sempre
ΔU=U(p,v)−U(p0,v0)
independentemente do caminho de evolução. A variação do calor, por seu turno, como depende do caminho, o seu valor não poderá ser determinado do mesmo modo.
Considere-se um sistema descrito pelas duas variáveis independentes x e y onde a variação de uma quantidade dQ do ponto (x,y) para o ponto infinitamente vizinho (x+dx,y+dy) se possa escrever, até à primeira ordem,
Q(x+dx,y+dy)=Q(x,y)+pdx+qdy
ou
dQ=pdx+qdy
A variação finita da quantidade Q será dada pela soma infinita das suas variações infinitesimais ao longo de uma determinada curva. Essa variação será independente da curva se se verificar a condição
∂p∂y−∂q∂x=0
pois, neste caso, poder-se-á encontrar uma função F tal que
{p=∂F∂xq=∂F∂y
Assim, a variação finita de Q ao longo do caminho C é dada pelo integral
I=∫Cpdx+qdy=∫C∂F∂xdx+∂F∂ydy
Se o caminho C for descrito, de um modo geral, pela parametrização
{x=x(t)y=y(t)
então
I=∫t1t0(∂F∂xx′+∂F∂yy′)dt=∫t1t0dFdtdt=F1−F0
em que se fez, para abreviar,
{F0=F(x0,y0)F1=F(x1,y1)
Nesta caso particular, a variação total da quantidade Q ao longo de um caminho fechado é nula pois F1=F0. O mesmo não se verifica no caso em que
∂p∂y−∂q∂x≠0
Pretende-se determinar a variação total da quantidade Q quando se considera um caminho fechado tão próximo do ponto (x0,y0) quanto se queira. Seja esse caminho fechado definido pelas equações paramétricas
{x=x0+εη(t)y=y0+εζ(t)
em que η(t) e ζ(t) são funções finitas, o parâmetro t varia desde t0 até t1 e ε é uma quantidade tão pequena quanto se queira. Da teoria da expansão em série de potências das funções advém a seguinte estimativa
{p(x0+εη,y0+εζ)=p(x0,y0)+ε(∂p∂xη+∂p∂yζ)+O(ε2)q(x0+εη,y0+εζ)=q(x0,y0)+ε(∂q∂xη+∂q∂yζ)+O(ε2)
A consideração do caminho especificado e da série de potências conduz ao resultado
∫Cpdx+qdy=εI1+ε2I2+O(ε3)
onde
{I1=∫t1t0(p0η′+q0ζ′)dt=0I2=∫t1t0(∂p∂xηη′+∂p∂yζη′+∂q∂xηζ′+∂q∂yζζ′)dt
O primeiro integral é nulo na medida em que η(t0)=η(t1) e ζ(t0)=ζ(t1). Por seu turno, pode-se escrever
I2=12ε2(∂p∂y−∂q∂x)∫t2t1(ζη′−ηζ′)dt+J
Porém, e pelo mesmo motivo,
J=∫t1t0(∂p∂xη2+(∂q∂x+∂p∂y)ηζ+∂q∂xζ2)′dt=0
Segue, portanto, que
ΔQ=∫Cpdx+qdy=(∂p∂y−∂q∂x)dA+O(ε3)
onde
dA=12ε2∫t2t1(ζη′−ηζ′)dt
é o elemento de área delimitado pelo caminho considerado. Observe-se que se obtém o mesmo resultado, atendendo ao conhecido teorema que proporciona
∫Cpdx+qdy=∫S(∂p∂y−∂q∂x)dxdy
onde C é o caminho fechado e S é a superfície no plano delimitada pelo caminho C.
Se um sistema, ao realizar um ciclo, partindo e retornando ao mesmo estado, o excedente de calor deve ser compensado pelo excedente do trabalho realizado, do sistema no exterior e do exterior no sistema e, portanto,
Δ(Q−W)=0
Ora, se se fizer
{dQ=Qxdx+QydydW=Wxdx+Wydy
a equação anterior reduz-se a
∂Ux∂y−∂Uy∂x=0
Se se fizer
dU=Uxdx+Uydy
observa-se que se trata de um diferencial total, pois a sua variação entre dois pontos estado de um sistema não depende do caminho. A primeira lei da termodinâmica assume a forma
dQ=dU+dW
Deste ponto de vista, é suficiente considerar que deve ser nulo o balanço entre o calor transferido e o trabalho realizado quando o sistema realiza um ciclo sem a necessidade de postular, à partida, a existência de uma energia interna cuja variação não depende do caminho de evolução do sistema.