sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

Rudimentos de biologia molecular

Todos os organismos vivos são compostos por compartimentos individuais denominados por células. Células, não sendo visíveis a olho nú, foi necessária a utilização de um microsocópio para a sua observação. O termo foi cunhado em 1665 e resultou da observação ao microscópio de uma fina lâmina cortada de um pedaço de cortiça. Estas lâminas pareciam consistir em poros delimitados por paredes, à semelhança dos favos de mel. Em 1675 foram descobertos pequenos animais, na água da chuva colectada num pote de terra. Tratar-se-iam de protozoários, organismos unicelulares.
Com os avanços em microscopia advieram novas descobertas até que em 1830 foi proposta a teoria celular dos tecidos vivos. De acordo com esta teoria, todas as criaturas vivas são constituídas por uma ou mais células e que novas células se originam em células existentes. Esta teoria tornou a biologia numa ciência para além do limite do olho nú e, em muitos casos, o estudo da vida passou a ser sinónimo do estudo das células.
Existe na natureza uma grande variedade de células que partilham entre si um núcleo de características. Todas elas têm um ciclo de vida semelhante, são originárias de células pré-existentes, consomem nutrientes do exterior, reproduzem-se e morrem. Os nutrientes, grande moléculas, são quebrados no interior da célula, na presença da água e do oxigénio, de modo a produzir adenosina trifosfato (ATP), libertando dióxido de carbono no processo. A ATP consiste numa molécula composta por uma adenosina e três fosfatos. Quando um fosfato é libertado na presença da água, produz-se adenosina difosfato (ADP), um fosfato livre e uma quantidade adicional de energia que poderá ser utilizada nos vários processos celulares. A quebra das moléculas nutrientes é realizada por um conjunto de proteínas designadas por enzimas. No caso das células que constituem os animais, esta actividade é mormente realizada no seio de pequenos organelos designados por mitocôndrias e o ATP resultante é difundido pelo corpo da celula. Quando o corpo da célula atinge um tamanho crítico, a difusão de energia começa a perder eficiência. Neste ponto, a célula replica-se, dando origem a duas novas células idênticas. Todo este processo é controlado por reacções químicas que assinalam quando deverá ser efectuada a absorção dos nutrientes, como devem estes serem quebrados e quando chega à altura da célula se dividir. O complexo algoritmo do funcionamento de uma célula está longe de ser compreendido.
A célula pode ser comparada a uma complexa máquina molecular. Não só contém a informação que permite criar uma réplica de si própria, como contém a maquinaria necessária á produção dos seus componentes, levar a cabo os processos de cópia e criar a sua prole.
Toda a estrutura e funcionamento interno das células depende essencialmente de três tipos de moléculas, nomeadamente, o ácido desoxirribonucleico (AND), o ácido ribonucleico (ARN) e as proteínas. De um modo simplificado, o ADN contém uma vasta biblioteca de como a célula deve funcionar. O ARN permite transportar porções dessa informação para as várias partes da célula onde esses pequenos volumes de informação servem de molde para a criação de proteínas. As proteínas são responsáveis por enviar sinais a outras células, são parte integrante da estrutura das células, e realizam o trabalho necessário à manutenção celular.
Foram obtidos alguns avanços na teoria das células com a descoberta dos cromossomas no interior dos seus núcleos. Como diferentes organismos possuem quantidades diferentes de cromossomas, foi aventado que estas estruturas seriam as responsáveis por transportar os traços característicos de cada espécie. Experiências com cruzamento de moscas da fruta, permitiram determinar que a cor dos olhos dependia do cromossoma X, mais predominante nos machos. Esta descoberta permitiu concluir que os genes que determinam as características dos indivíduos dever-se-iam encontrar no interior dos cromossomas. Experiências mais sofisticadas permitiram concluir que quanto mais ligados entre si forem os genes mais perto se deverão encontrar no mesmo cromossoma.
Uma experiência realizada por volta de 1941, utilizando bolor do pão, ou Neurospora, permitiu determinar a função dos genes. Este organismo é capaz de sobreviver com nutrientes muito simples tais como a sacarose e o sal. Após irradiar a Neuropsora como raios X, observou-se que alguns dos organismos irradiados cessaram de sobreviver quando mantidos naquele tipo de dieta. No entanto, floresciam quando eram supridos com vitamina \(B_6\). Conclui-se que o gene destruído seria responsável pela produção daquela proteína. O papel dos genes seria, portanto, o de produzir ou controlar a produção de proteínas.
O ADN foi isolado pela primeira vez em 1891 a partir de células de pus. Em 1900 já era conhecido o facto das moléculas de ADN serem compostas por cadeias de quatro tipos de bases, nomeadamente, a adeninia (A), a timina (T), a guanina (G) e a citosina (C), suportadas por uma espécie de esqueleto de desoxirriboses unidos por grupos fosfato. Em 1920 já se fazia a distinção entre os ácidos nucleicos ADN e ARN. O ARN compõe-se de moléculas de adenina (A), guaninga (G), citosina (C) e, no lugar da timinta, tem-se uracilo (U). Estas cadeias são unidas por um esqueleto de riboses ligadas por um grupo fosfato. Em 1944 foi provado que os genes residem precisamente nas cadeias de ADN.
Em 1950 foi feita a descoberta de que o ADN apresentava um valor semelhante da proporção entre a adenina e a timina, e a proporção entre a guanina e a citosina. A igualdade entre as proporções anteriores aliada à projecção helicoidal em dispersão por raios X, permitiu concluir, em 1953, que o ADN é estruturalmente constituído por uma dupla-hélice unida por pontes entre pares de bases. Esta união é realizada entre os pares adeninia e timina, e entre a guanina e a citosina.
A dupla hélice proporciona a chave para a replicação de ADN. Além disso, contendo em si os genes, cada sequência dessa molécula codifica, de algum modo, as proteínas a serem produzidas. Dado que o ADN reside no núcleo das células eucariontes e a síntese de proteínas se dá em outra parte qualquer, fica claro que as proteínas não podem ser geradas directamente a partir do ADN. Em 1950 foi descoberto o facto de que a síntese de proteínas se dão na presença de moléculas que recebem a designação de ribossomas, os quais contêm ARN. Ficou no ar a supeita de que o ARN fosse o intermediário entre o ADN e a produção de proteínas. Em 1960 foi provado que o ARN forma duplos com fileiras únicas de ADN, provando que o ARN é complementar a um determinado segumento de ADN que codifica a proteína. Assim, é realizada uma cópia da porção de ADN para o ARN mensageiro que leva a informação genética para os ribossomas de modo a ser produzida a proteína particular. O processo de cópia de porções de ADN para o ARN é conhecido pela designação de transcrição e os recursos moleculares responáveis recebem a designação de polimerase de ADN. Um dos grandes problemas em biologia consiste em determinar como a polimerase de ADN identifica as regiões de início e de fim no processo de transcrição. A transcrição de genes para ARN mensageiro é controlada de modo que nem todos os genes produzam proteínas a qualquer momento. Algumas proteínas, tais como factores de transcição, permitem influenciar esse controlo. Determinadas proteínas advindas do exterior podem-se ligar à ADN polimerase, inibindo ou intensificando a produção de proteínas associadas a determinados genes.
Em 1820 foi identificado o primeiro aminoácido, a glicina. No início de 1900 já se conheciam os \(20\) aminoácidos que constituem os blocos de construção das proteínas. De modo a determinar o código de transcrição entre ADN e as proteínas, foi conjecturado que cada grupo de três bases de ADN codificam um aminoácido. Existem \(4^3=64\) grupos possíveis de bases que excede largamente os \(20\) aminoácidos que compõem as proteínas. Torna-se claro da conjectura que vários grupos diferentes podem codificar o mesmo aminoácido. Além disso, poderão existir grupos que não codifiquem qualquer aminoácido. Em 1960 já era conhecido o mapeamento entre o gene e a respectiva proteína.
UCAG
U
UUUFenilalanina
UUCFenilalanina
UUALeucina
UUGLeucina
UCUSeratonina
UCCSeratonina
UCASeratonina
UCGSeratonina
UAUTirosina
UACTirosina
UAAPára
UAGPára
UGUCistina
UGCCistina
UGAPára
UGGTriptofano
C
CUULeucina
CUCLeucina
CUALeucina
CUGLeucina
CCUProlina
CCCProlina
CCAProlina
CCGProlina
CAUHistidina
CACHistidina
CAAGlutamina
CAGGlutamina
CGUArginina
CGCArginina
CGAArginina
CGGArginina
A
AUUIsoleucina
AUCIsoleucina
AUAIsoleucina
AUGMetionina
ACUTreonina
ACCTreonina
ACATreonina
ACGTreonina
AAUAsparagina
AACAsparagina
AAALisina
AAGLisina
AGUSeratonina
AGCSeratonina
AGAArginina
AGGArginina
G
GUUValina
GUCValina
GUAValina
GUGValina
GCUAlanina
GCCAlanina
GCAAlanina
GCGAlanina
GAUAspargina
GACAspargina
GAAGlutamato
GAGGlutamato
GGUGlicina
GGCGlicina
GGAGlicina
GGGGlicina
As proteínas podem-se agregar em estruturas funcionais mais complexas. Um exemplo disso encontra-se na polimerase de ARN que permite copiar um gene do ADN para uma pequena sequência de bases ARN, designado por ARN mensageiro. O ARN mensageiro é tratado pelos ribossomas que constituem outros complexos moleculares que efectuam a leitura dos codões e procuram o aminoácido por ele codificado para incluí-lo na cadeia proteica em construção. De modo a localizar o aminoácido correspondente é usado um tipo especial de ARN, o ARN de transferência. Existem vinte tipos de ARN de transferência que corresponde aos vinte tipos de aminoácidos. Cada aminoácido une-se a um tipo despecífico de ARN de transferência, onde cada molécula de ARN possui um segmento de três bases que se unem a uma porçao do ARN mensageiro. O segmento de três bases do ARN de transferência é, portanto, complementar às três bases associadas do ARN mensageiro. Este processo possibilita ao ribossoma, a adição do aminoácido à proteína. Quando o processo de adição é concluído, o ribossoma efectua uma deslocação lateral para o próximo codão e o processo repete-se. Este processo geral recebe a designação de tradução.

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