No texto As leis da reflexão e refracção em forma vectorial apresentei uma dedução das leis da reflexão e refracção a partir do princípio do tempo mínimo. No entanto, considero útil apresentar o tema de um ponto de vista historicamente mais coerente e deduzir o princípio do tempo mínimo a partir das leis empíricas da reflexão e refracção. Fá-lo-ei antes de aplicar as leis à resolução de um problema específico.
Em Óptica Geométrica, a luz é descrita com base no conceito de raios luminosos, os quais constituem abstracções que permitem modelar o seu comportamento. De acordo com a disciplina, valem os seguintes princípios:
- Os raios luminosos são rectilíneos se a luz se propagar no seio de um meio homgéneo;
- Os raios luminosos apresentam uma mudança de direcção na superfície de separação entre dois meios distintos;
- Podem ser reflectidos aquando da sua incidência numa superfície de separação entre dois meios.
No caso da reflexão, um raio, designado por raio incidente, que parta do ponto P e incida no ponto R da superfície S, é reflectido em direcção ao ponto Q que se encontra no mesmo lado do ponto P relativamente à superfície. São verificadas duas leis:
- Os raios incidente, reflectido e a normal à superfície encontram-se no mesmo plano;
- O ângulos de incidência e de reflexão são iguais, sendo de incidência o ângulo compreendido entre o raio incidente e a normal à superfície e de reflexão, o ângulo compreendido entre o raio reflectido e a normal à superfície.
Designando por →n o vector normal à superfície no sentido dos pontos P e Q, por →i o vector de norma unitária com a direcção do raio incidente e sentido do ponto R e por →r o vector unitário com a direcção do raio reflectido e sentido do ponto Q, tem-se
→i=→ε‖→ε‖
e
→r=→ρ‖→ρ‖
onde →ε=R−P e →ρ=Q−R. Da primeira lei é possível concluir que existem dois números, α e β, de tal forma que
→r=α→i+β→n
O produto vectorial da equação anterior por →n resulta em
→n×→r=α→n×→i
Como os ângulos de incidência e de reflexão são iguais então ‖→n×→r‖=‖→n×→i‖ e, portanto, α=±1. Dado o sentido do vector de reflexão relativamente ao de incidência, conclui-se facilmente que α=1. A equação de reflexão escreve-se na forma
→r=→i+β→n
A multiplicação escalar por →n, atendendo a que →i⋅→n=−→r⋅→n, proporciona β=−2→i⋅→n, isto é,
→r=→i−2(→i⋅→n)→n
Se R(u,v) definir a superfície de incidência então
{→n⋅∂R∂u=0→n⋅∂R∂u=0
que, atendendo a que →r=→i+β→n, se reduz a
{(→ρ‖→ρ‖−→ε‖→ε‖)⋅∂R∂u=0(→ρ‖→ρ‖−→ε‖→ε‖)⋅∂R∂v=0
Ora, verifica-se facilmente que o sistema é equivalente a
{∂∂u(‖→ρ‖+‖→ε‖)=0∂∂v(‖→ρ‖+‖→ε‖)=0
Segue-se daqui que ‖→ρ‖+‖→ε‖=k onde k é uma constante. Como consequência imediata desta equação, se qualquer raio que parta do ponto P, seja reflectido na superfície S e passe pelo ponto Q, então a superfície S constitui um elipsóide de revolução.
As equações da reflexão permitem ainda mostrar um resultado banal do ponto de vista prático. Seja a superfície S um plano cuja normal é →n. A equação da recta que define a reflexão de um raio que parta do ponto P, seja reflectido no plano de normal →n e chegue ao ponto Q é da forma
X=P+→ε+λ[→ε‖→ε‖−2‖→ε‖(→ε⋅→n)→n]
Um raio que parta do ponto P e incida na superfície S sobre o ponto R′ é reflectido segundo a direcção da recta de equação
X′=P+→ε′+λ′[→ε′‖→ε′‖−2‖→ε‖′(→ε′⋅→n)→n]
onde →ε′=R′−P.No ponto de intersecção de ambas as rectas tem-se X=X′ e, portanto,
0=→ε−→ε′+λ[→ε‖→ε‖−2‖→ε‖(→ε⋅→n)→n]−λ′[→ε′‖→ε′‖−2‖→ε‖(→ε′⋅→n)→n]
Como →ε−→ε′ é um vector do plano então (→ε−→ε′)⋅→n=0, isto é,
→ε⋅→n=→ε′⋅→n
Segue-se que a multiplicação escalar por →n da equação vectorial para a intersecção das rectas fica da forma
λ‖→ε‖→ε⋅→n=λ′‖→ε′‖→ε′⋅→n
A substituição na equação da intersecção das rectas proporciona
0=(λ‖→ε‖+1)→ε−(λ′‖→ε′‖+1)→ε′
Considerando que o ponto P não se encontra no plano, os vectores →ε e →ε′ são linearmente independentes e, portanto, vale o sistema de equações
{λ=−‖→ε‖λ′=‖→ε′‖
A substituição nas equações das rectas proporciona-nos o ponto de intersecção Q′ na forma
Q′=P+2(→ε⋅→n)→n=P+2(→ε′⋅→n)→n
uma vez que →ε⋅→n=→ε′⋅→n. Como Q′ não depende do ponto R′ escolhido, conclui-se imediatamente que todas as rectas que definem a direcção da reflexão de raios que partem do ponto P intersectam-se no mesmo ponto Q′. Ao ponto Q′ dá-se a designação de ponto focal.
Um raio que parta do ponto P localizado num meio com densidade óptica η1 e que incida na superfície S de separação com o meio de densidade óptica η2 pode penetrá-lo, alterando a sua direcção. A tal fenómeno dá-se a designação de refracção e pode-se descrever com o auxílio das leis:
- Os raios incidente, refractado e a normal à superfície encontram-se no mesmo plano;
- O ângulos de incidência, θi, e de refracção, ângulo θr definido com a normal à superfície, satisfazem a lei de Snell-Descartes
η1sinθi=η2sinθr
Considere-se um raio que parte do ponto P localizado no meio com índice óptico η1, incida no ponto R da superfície de separação e é refractado no ponto Q localizado no meio com índice óptico η2. Definam-se os vectores →ε=R−P e →ρ=Q−R e os vectores unitários que lhes são colineares
→i=→ε‖→ε‖
e
→r=→ρ‖→ρ‖
Da primeira lei, segue-se a identidade
→r=α→i+β→n
Aplicando o produto vectorial de →n a cada membro da equação anterior fica
→n×→r=α→i×→n
A segunda lei permite concluir que
α=η1η2
isto é,
→r=η1η2→i+β→n
No artigo supracitado mostrou-se que
β=−1η2(η1→i⋅→n+√η22−η21(→i×→n)2)
Da equação
η2β→n=η2→r−η1→i
segue-se, recorrendo ao mesmo artifício atrás apresentado, o sistema de equações
{(η1→i−η2→r)⋅∂R∂u(η1→i−η2→r)⋅∂R∂v
ou
{(η1→ε‖→ε‖−η2→ρ‖→ρ‖)⋅∂R∂u(η1→ε‖→ε‖−η2→ρ‖→ρ‖)⋅∂R∂v
onde R(u,v) é um ponto da superfície S parametrizado por u e v. O sistema é equivalente a
{∂∂u(η1‖→ε‖−η2‖→ρ‖)=0∂∂v(η1‖→ε‖−η2‖→ρ‖)=0
Conclui-se, portanto, que η1‖→ε‖−η2‖→ρ‖=k onde k é uma constante. Deste modo, a família de superfícies dadas por aquela equação permitem refractar todos os raios que partem do ponto P e incidem na superfície S no ponto Q. A superfície é conhecida como oval de Descartes.