É muito comum certos proponentes das várias disciplinas ditas pseudocientíficas, em especial aqueles que se colocam em oposição à medicina, recorrerem ao argumento falacioso de que são vítimas de perseguição intelectual por parte dos que se dizem cientistas, à semelhança do que se aconteceu aos que defendiam o modelo cosmológico heliocêntrico em oposição ao geocêntrico. É a falácia da ignorância do argumento porque pretendem convencer que estão certos sobre determinado princípio porque outros no passado e nas mesmas condições também o estavam sobre outro. Com efeito, a não aceitação do princípio de que, por exemplo, o semelhante cura o semelhante, não seja considerado correcto ou necessário em medicina nada tem que ver com o facto de que o modelo heliocêntrico tenha sido sujeito a fortes críticas e até perseguições no passado e, mais tarde, aceite. Pode-se também ser considerado um argumento que apela à emoção ao invés de se pautar num sentido lógico.
Convém aqui salientar que, de acordo com a teoria geral da relatividade, ambos os princípios estão correctos até certo ponto já que é indiferente se se considera um referencial fixo no centro de massa do sol ou um referencial fixo num ponto da superfície terrestre para descrever o movimento dos astros. De acordo com o primeiro, a terra gira em torno do sol mas, de acordo com o segundo, é o sol que gira em torno da terra. Sendo ambas a descrições viáveis, os modelos deverão divergir apenas nos restantes princípios. Segundo a teoria geral da relatividaade, os movimentos dos corpos dependerão da configuração da massa e energia em todo o cosmos. Pretende-se aqui expor as falácias usadas pelos proponentes do modelo geocêntrico pois eram estes que tinham por hábito cometê-las em maior extensão. Convém também deixar claro que determinadas teorias, mesmo que correctas, são muitas vezes defendidas por cientistas de forma falaciosa, existindo maior a falta de rigor lógico e até mesmo descuido naquilo que se entende por divulgação científica. A divulgação de má ciência escancara as possibilidades argumentativas da pseudociência.
O argumento de autoridade, segundo o qual determinada tese deve ser verdadeira ou falsa consoante foi defendida ou refutada por uma ou várias personalidades é bastante frequente. As coisas não têm forçosamente de ser como o que fora proferido por alguém que se tenha como autoridade. Por outro lado, a sua contraposição poderá dar azo ao argumento contra a pessoa. É importante notar que se se diz que alguém está errado naquilo que afirma não implica que se considere que seja mentirosa ou ignorante. Ao fazê-lo, está-se a incorrer novamente na falácia da ignorância do argumento pois se assume algo sobre o carácter de uma pessoa a partir das hipóteses que aventou, não estando o carácter necessariamente relacionado com a teoria que se propõe. Tampouco, afirmar que alguém está errado é o mesmo que dizer que é mentiroso ou incapaz. Muita da investigação científica partiu da investigação de hipóteses que mais tarde se vieram a mostrar erradas, como é o caso do calórico ou do flogístico. Dificilmente se pode diminuir os seus autores porque essas hipóteses foram suplantadas por outras melhores. Com efeito, foi o proponente da teoria do calórico que estabeleceu as bases da química e foi sobre esse mesmo conceito que versou o primeiro estudo estruturado das máquinas movidas a fogo de cuja correcção adveio a área da termodinâmica e, por arrasto, a física quântica.
As falácias materiais resultam da interpretação errada das matérias envolvidas na teoria e muitas vezes esse fenómeno deve-se ao desejo de se tentar expor algo complicado como se fosse simples. Considere-se, por exemplo, a primeira lei da mecânica, segundo a qual um corpo sobre o qual actua uma resultante de forças nula mover-se-á em linha recta com velocidade constante. Para um físico, o princípio afigura-se simples. No entanto, não era mesmo nada evidente para os que defendiam o modelo geocêntrico cujo conceito de movimento, tempo e força não eram claros. Observe-se que para perceber determinado princípio na íntegra é necessário saber o que é um corpo, uma resultante de forças, em que sentido é que essa resultante é nula, o que é uma linha recta e o que é a velocidade. O problema complica-se quando se considera a segunda lei pois é necessário esclarecer o conceito de aceleração. De acordo com esta, se a resultante das forças que actuam num corpo não for nula então a velocidade varia de forma contínua, caso contrário não se pode definir a aceleração como sendo a sua derivada. Como explicar a alguém que não percebe o que é uma função e sua derivada que é possível que um corpo que chega de um ponto a outro num curto espaço de tempo tenha em dada altura um grau de velocidade tão pequeno que, movendo-se a essa velocidade, levaria um milénio a lá chegar?
Contrapor os os pressupostos sobre o estado do movimento das coisas sem os conhecer dá azo ao cometimento de erros lógicos, não importa se a teoria está certa ou errada. No texto Conceitos da filosofia natural que predatou a física encontra-se apresentado um resumo dos principais conceitos da filosofia natural sobre a qual supostamente se baseavam os que defendiam o geocentrismo. No que concerne ao movimento, é necessário reter o seguinte:
- As coisas são constituídas por matéria e forma, sendo a forma o conjunto de propriedades. Por exemplo, a forma de uma casa caracteriza-se por ter paredes e telhado. Casas particulares poderão ser de determinada cor ou nelas se dispõem as janelas e portas de determinada maneira.
- As propriedades e as formas podem ser em acto ou em potência. Uma casa amarela num determinado ponto no tempo é em acto quando é de facto amarela. Porém, tem potência para ser azul. Num instante posterior se alguém a pinta de azul, a casa passa a ser azul em acto e amarela em potência.
- A matéria é forma em potência e constitui aquilo que existe quando se torna forma em acto. Deste modo, a matéria da casa, porque é forma em acto, tem a potência de ser uma forma diferente. A geração e a corrupção são actualizações da matéria em formas diferentes. A matéria que é carne em acto tem a potência de ser terra após a decomposição e por isso se diz que se gerou terra e se corrompeu a carne.
- O movimento é a actualização do que é em potência enquanto potência. O acto de ser frio de um objecto que é frio em potência é designado por arrefecimento. O acto de assumir um lugar de um objecto que tem a potência de assumir esse lugar é designado por locomoção. O acto da matéria da carne assumir a forma de terra que lhe é potência é putrefacção. A definição de movimento assim apresentada é mais geral do que se pretende na discussão dos modelos supracitados. Interessa aqui considerar apenas o movimento da locomoção, quer do objecto como um todo ou translação, quer das suas partes ou rotação.
- O movimento é contínuo e dá-se apenas entre contrários como do quente para o frio ou do húmido para o seco e tudo o que de sensível existe é passível de movimento de locomoção.
- Todo o movimento de locomoção ou é rectilíneo, circular ou combinação de ambos por serem esses os movimentos mais simples.
- O tempo é uma medida do movimento. Considerem-se dois corpos, um que parte do ponto \(A\) e chega ao ponto \(B\) e outro, que parte do ponto \(C\) e chega ao ponto \(D\). Se um dos corpos partir de \(A\) em simultâneo com o que parte de \(C\) e chegar a \(B\) em simultâneo com a chegada do outro a \(D\) então o tempo da locomoção é o mesmo. Diz-se que o corpo que parte de \(A\) tem um movimento mais rápido do que o do outro corpo se a distância de \(A\) a \(B\) for maior do que a de \(C\) a \(D\). O movimento circular e uniforme é o que melhor se adequa a prover uma medida para o tempo.
- Uma coisa está em repouso num tempo finito. Não se pode afirmar que alguma coisa se encontra em repouso num instante específico.
- Uma coisa sem dimensão não pode ser munida de movimento de locomoção porque tudo o que se move deve percorrer uma distância igual a si próprio. Um ponto não pode ser animado de movimento de locomoção.
- Deverá existir sempre uma causa do movimento. Esta pode encontrar-se no próprio corpo, como é o caso dos animais, ou no seu exterior. Existem dois tipos de movimento exterior, nomeadamente, o natural e o violento. O movimento natural é o que todas as coisas adquirem de acordo com a natureza, movendo-se as coisas pesadas para o centro do cosmos e as coisas leves, na direcção contrária. As coisas movem-se naturalmente para o seu lugar. Deste último pressuposto segue-se que não pode existir vazio porque um corpo no vazio não teria lugar natural para onde se mover e não poderia aí existir movimento.
- O lugar que um corpo ocupa é a fronteira que está em contacto com esse corpo. É uma espécie de contentor que não se move. Se um corpo ocupar um lugar delimitado por uma fronteira, esta não poderá ser intersectada por nenhuma outra.
- São quatro as causas primárias, nomeadamente, a formal, a material, a motora e a final. A causa formal é a forma das coisas e a material é a matéria subjacente. A causa motora é o princípio do movimento, aquilo que o origina. A causa final é o fim do movimento. A causa final da natureza é o bem. A cadeia de causas, como o homem ser movido pelo ar que, por sua vez é movido pelo sol que, por sua vez, é movido pela discórdia, sem que se encontre um termo do processo. Existe, portanto, um princípio primeiro do movimento que é eterno e, sem causa subjacente, deve encontrar-se em repouso.
- Os elementos ou princípios da matéria são quatro e distinguem-se pelo sentido do tacto. A terra fria e seca, a água e fria e húmida, o ar é quente e húmido e o fogo é quente e seco. Os elementos podem-se transformar uns nos outros por intermédio do movimento dos contrários. A terra transforma-se em água pelo movimento do seco no húmido.
- O movimento natural do fogo e do ar é para cima e o da terra e da água é para baixo, na direcção do centro. O movimento de um composto é o que prevalece na sua definição.
- O movimento circular, não sendo natural de qualquer um dos outros elementos, deve ser natural de um quinto designado por éter. O éter não tem peso nem leveza porque, movendo-se naturalmente de forma circular, não se afasta nem aproxima do centro. Como o movimento circular não tem contrários, também não tem contrários o éter e, por isso, deverá ser ingerado, indestrutível e inalterável.
Um princípio numa teoria é uma proposição que se aceita sem necessidade de demonstração dentro dessa teoria. Se se assumir como princípio que não há uma infinidade de causas numa cadeia então existe num número \(N\) suficientemente grande tal que todas as cadeias tenham um número de causas \(n\) inferior a \(N\). Segue-se que a causa \(n\) na cadeia específica é causa primeira. Assume-se que é única. A demonstração de que existe pelo menos uma causa primeira consegue-se unicamente a partir daquilo que se assumiu como princípio da teoria, nomeadamente, de que não existe um número infinito de causas numa cadeia, e não com princípios que lhe sejam externos. Tem de se supor que a noção de infinito também fora tratada. É esse o caso na filosofia clássica apesar de não ter sido aqui exposto. No entanto, existe a noção de demonstração dos próprios princípios, que deve ser obrigatoriamente externa à teoria, que não deve ser confundida com a demonstração considerada unicamente sobre os seus princípios sob pena de se incorrer na falácia do equívoco que resulta da confusão de conceitos que são descritos por termos semelhantes. Quando é referida a demonstração de um princípio, como o de que o movimento natural dos corpos pesados é linear e para baixo, esta é baseada na observação, naquilo que é proporcionado pelos sentidos. A filosofia natural seguida pelos geocentristas, baseando-se naquilo que se pode apreender dos sentidos, era, à semelhança daquilo que se entende por ciência, de natureza empirista.
Atente-se na seguinte demonstração. O princípio de que os corpos leves se movem para cima na direcção vertical e os pesados, para baixo na mesma direcção demonstra-se, considerando a observação da queda dos graves. Um corpo que seja largado do alto de uma torre chegará ao solo no mesmo ponto que o prumo de um fio que se suspende do sítio de partida do grave. Conclui-se, portanto, que o movimento natural dos corpos se dá no sentido do centro da terra. Os corpos celestes como possuem movimento circular não poderão ter peso ou leveza. Conclui-se que o seu movimento natural será em torno do centro para onde se moveriam caso fossem constituídos por um ou mais dos quatro elementos. Segue-se daqui que o centro da terra deve coincidir com o centro do cosmos. A consideração de que se trata de uma demonstração empírica é uma falácia de equívoco. Com efeito, é empírico o primeiro passo da demonstração mas não o é o segundo. Não é apresentada a demonstração empírica do princípio de que os corpos celestes não têm peso ou leveza ou de como este facto decorre da não existência de contrários no movimento circular. Se se ignorar qualquer uma dessas hipóteses, as órbitas de cada astro poderão ser circunferências em torno dos seus próprios centros não coincidentes entre si sem prejuízo do que se observa do movimento dos corpos terrestres na direcção da linha que passa pelo centro do planeta. A proposição que parte do princípio do peso e leveza dos corpos celestes na demonstração de que o centro da terra afigura-se como uma espécie de paralogismo pois esta premissa é tão desconhecida como a conclusão. Nada impede de afirmar que os corpos pesados largados à superfície da terra se movem na direcção do seu centro como os corpos pesados à superfície da lua se movam na direcção do seu.
A demonstração ou refutação empírica do princípio de que os corpos celestes são inalteráveis seria complicada pois são debatidas propriedades de corpos que eram inatingíveis. Os corpos à superfície da terra estão em clara mutação, o mar não é sempre o mesmo, as placas tectónicas movem-se como se podia constatar a partir de relatos antigos, a vida, os ventos, as chuvas e as tempestades são exemplos indiscutíveis de alterações. Essas alterações não são visíveis no céu a olho nu. Quando confrontados com o relato de observações de geração e corrupção de cometas e com o surgimento de novas estrelas, simplesmente afirmavam que, segundo determinadas autoridades, não se tratariam de corpos celestes. Os cometas seriam nada mais que fenómenos atmosféricos e existem dúvidas sobre se as novas estrelas não o sejam. As manchas observadas à superfície do sol com o auxílio de um telescópio são descartadas como resultado de aberrações atmosféricas ou ilusões do telescópio, como movimentos de enxames de corpos celestes que têm uma órbita próxima do sol. A aparição e desaparecimento das manchas é coincidente com a posição relativa desses mesmos corpos. Quando colocados deste modo, os argumentos constituem falácias de autoridade, na medida em que o mundo deverá funcionar de acordo com o que uma ou mais personalidades aventam. A teoria de que o cosmos se gerou num grande estouro, por exemplo, não é verdadeira só porque são dela adeptos todos os cosmólogos físicos. Os proponentes do modelo heliocêntrico, aqueles que recorriam ao telescópio como ferramenta de investigação, consideravam a afirmação de que as manchas solares se deviam à sombra de corpos fosse muito improvável. Ao estudar a sua dinâmica, essas manchas parecem encontrar-se na superfície da estrela, rodar com ela e ter um período de vida bem definido, muitas delas dissolvendo-se antes de chegar à orla.
Um dos argumentos que era usado para defender a ingerabilidade dos astros assentava na visão antropocêntrica do mundo que parece ser difícil de superar em muitos contextos. Ora, de acordo com tal afirmação, os astros têm, como função, iluminar e aquecer a terra para que o homem possa prosperar e a alteração em nada serve esse propósito. Conclui-se daqui que os astros são inalteráveis. Se se aceitar que tudo no mundo serve o propósito humano, refuta-se a conclusão anterior, considerando que a alterabilidade dos astros, apesar de inútil, não deixa de o servir. Com efeito, considerar que os astros possam ser desta ou daquela maneira desde que interfiram de forma positiva para o progresso humano, então o primeiro princípio não é violado. No entanto, da consideração de que os astros são alteráveis segue-se que é possível manusear as suas substâncias. O princípio antropocêntrico continua arraigado no pensamento. Existe a tendência de se considerar que as células servem o propósito do homem quando se passa precisamente do modo oposto. As células agruparam-se em seres multi-celulares, dos quais o ser humano é um em particular, porque isso acabou por melhor servir o seu desígnio de sobrevivência. O homem em nada transcende os demais seres. Constitui-se apenas como a estrutura que melhor se conseguiu adaptar na garantia da sobrevivência das células. Não é verdade que se tem mãos para se poder agarrar mas consegue-se agarrar porque se tem mãos. Porque existe intenção naquilo que se faz não quer dizer obrigatoriamente que deverá existir uma intenção naquilo que ocorre naturalmente. A causa final do movimento natural não tem forçosamente de constituir uma intenção como acontece com o acto humano. O universo não funciona desta ou daquela maneira para que pudesse existir o ser humano. O ser humano existe porque o universo funciona desta ou daquela forma.
Certos autores recorreram a pares de medições da altura no meridiano das estrelas em lugares com diferentes latitudes para justificar que estas só se poderiam encontrar abaixo da órbita lunar e serem, portanto, corpos elementais. O argumento centrou-se basicamente em descartar como erradas os pares de medições que colocariam as estrelas a uma órbita acima da lunar. Os heliocentristas poderiam argumentar, considerando como correctas as medições que proporcionariam distâncias que as colocariam acima dessa órbita. Com efeito, as medições são susceptíveis de erro. Existem dois tipos de erro. Alguns originam-se entre medições do mesmo género, com o mesmo aparelho e nas mesmas condições. Estes são normalmente aleatórios mas, em média, proporcionam valores em torno da verdadeira grandeza da coisa medida. O segundo tipo de erro deve-se ao método de medição e ao aparelho e apresenta um carácter sistemático. A avaliação dos erros sistemáticos cometidos pelos astrónomos pode ser determinado, considerando pares de medições que proporcionam uma soma dos ângulos de um triângulo diferente da meia volta. Por outro lado, um erro aleatório muito pequeno pode trazer uma estrela do infinito para uma zona próxima da que se considera encontrar as estrelas longínquas. Para que essas medições injustamente descartadas coloquem as estrelas recém-criadas numa órbita inferior à lunar, o erro cometido deveria ser muito superior. Conclui-se destas observações que as medições são susceptíveis de erro e que devem ser interpretadas na sua forma adequada. As medições das alturas das estrelas são angulares e, portanto, os seus erros não devem ser interpretados em termos das distâncias que delas se obtêm por cálculo. Um tratamento estatístico dos erros permitiu, com efeito, justificar que a probabilidade das estrelas se encontrarem acima da órbita lunar era muito maior, seguindo-se, com grande probabilidade, uma prova empírica da corruptibilidade do que se encontra no espaço sideral.
Observou-se que se se abandonar a hipótese de que os astros não têm peso ou leveza então o movimento de um grave, que se observa acontecer na direcção do centro da terra, não implica obrigatoriamente que esse centro coincida com o centro do universo. O uso do telescópio permitiu concluir que certos astros, como os satélites de Júpiter, possuem um movimento tal que a forma mais simples de o descrever é considerá-lo como circular em torno do centro desse planeta. A hipótese alternativa de que as partes dos astros têm leveza e peso, e cujo movimento natural tenda para os respectivos centros é até mais provável. Não lhes sendo possível aceder a corpos celestes, qualquer uma das hipóteses se afigura plausível e ambas permitem explicar tanto a estabilidade da terra como dos astros. Resta determinar se é a terra que se encontra animada de movimento ou se esta se encontra em repouso e o universo se move em torno dela. Antes de debater as hipóteses e assumindo que é o método empírico que fornece a melhor das verdades, é necessário conhecer como se dá o movimento dos astros de acordo com as observações que foram feitas e registadas ao longo dos séculos. Em geral, observa-se que todos os astros sem excepção volvem em torno do centro da terra, rodando uniformemente de este para oeste. Este parece ser o único movimento observado nas estrelas mais longínquas. O sol, a lua e demais planetas movem-se, relativamente às estrelas longínquas, com um movimento de rotação no sentido de oeste para este. A lua e os planetas, para além dos dois movimentos expostos, são animados por pequenos movimentos anómalos que podem dar-se, quer de este para oeste, quer no sentido contrário.
A explicação das observações com base na filosofia natural antiga baseia-se na ideia de que tais movimentos só se poderão dar em torno do centro do universo e de que todo o movimento tem uma causa motora. Consideram, portanto, que a causa motora do movimento diurno dos astros se encontra numa esfera invisível. Esta esfera arrasta as estrelas longínquas e os planetas como um navio arrasta as mercadorias que estão acomodadas no porão enquanto se dirige ao seu destino. O movimento dos planetas, por seu turno, é causado pelas respectivas esferas invisíveis que, para além dos movimento que lhes é imprimido pela esfera das estrelas longínquas, possuem o seu próprio movimento, como uma caixa que se arraste no convés do navio no sentido da ré. Se se atentar na definição de movimento como a actualização da potência dos objectos e o movimento natural os faz actualizar os lugar a que pertencem por natureza então é difícil de conceber como o movimento de rotação da terra possa ser a causa motora do movimento diurno de todos os astros. Neste sentido, o argumento defendido pelos heliocentristas de que é mais difícil animar as estrelas de uma velocidade extraordinária do que animar a terra de rotação é, de algum modo, equivalente a argumentar que é inverosímil que a simples rotação da terra seja causa de um movimento que atribui uma velocidade extraordinária às estrelas.
Os físicos renascentistas adoptaram a abordagem de que o movimento é relativo. Com efeito, supondo que a terra se encontra fixa e a lua orbite em seu redor, alguém colocado na lua iria observar a terra a mover-se com um movimento de rotação uniforme de forma muito semelhante ao que se passa à superfície da terra. Um passageiro que se encontra parado no convés de um navio que se move em relação à margem observa que os que se encontram apeados é que se encontram em movimento. Além disso, recorreram a experiências físicas para averiguar a natureza do suposto movimento natural dos graves, quer directamente, quer efectuado ao longo de planos inclinados. Determinaram que o seu movimento não é uniforme, aumentando a sua velocidade à medida que se aproximam do solo e que dois corpos que sejam largados da mesma altura, um directamente e outro sobre um plano inclinado, as suas velocidades no solo têm a mesma magnitude, variando apenas na direcção. Determinaram ainda que se um corpo for largado a partir de uma determinada altura por uma calha que tenha uma encaixe suave com uma calha horizontal colocada no chão, o corpo que atinge a calha horizontal com velocidade nessa direcção e cuja magnitude corresponde à velocidade vertical no chão do mesmo corpo que seja largado de forma livre irá mover-se ao longo da horizontal com velocidade constante se não for sujeito a qualquer impedimento. Tais observações são argumentos a favor dos heliocentristas quando concluem que, sendo a terra esférica, o movimento dos corpos que não sejam impedidos é circular a partir do momento que se unam ao seu todo.
Talvez seja este o método que diferencia o empirismo antigo do científico. O primeiro baseia-se na pura e simples observação para aventar hipóteses que, acomodando o conjunto de observações, passam a constituir as teorias tidas como certas. O segundo, para além da observação, recorre à construção de experiências controladas concebidas com o propósito de refutá-las. Quando uma teoria é refutada, dever-se-á procurar estabelecer um novo conjunto de hipóteses que expliquem os novos resultados. Apesar dos físicos terem obtido mais dados empíricos e terem uma visão relativa do movimento, não apresentaram ontologias alternativas à clássica nem explicam como adaptar a definição de movimento como a actualização da potência de um corpo, se esta actualização se processa apenas sobre as categorias da qualidade, quantidade e lugar, e não sobre a categoria da relação. A solução encontrada para a dicotomia consiste em relegar os problemas ontológicos, mais ligados ao aspecto cognoscível de como as coisas são percebidas como coisas, para o campo da metafísica e preocupar-se apenas com a identificação dos padrões que se podem adquirir dos sentidos mediante construção controlada de experiências. No entanto, isso relega para o domínio da metafísica o estudo da essência própria da ciência e não compete ao cientista, como cientista, discernir aquilo que é ciência daquilo que não o seja. Disse-se como cientista porque nada impede que um cientista também seja um metafísico. Muito menos lhe compete determinar se é na ciência que se encontra a verdade sobre o recto funcionamento do mundo.
Tendo isto em mente, observa-se que é fácil convencer um empirista clássico de que o movimento se processa do modo que descrevem porque este não pode negar o resultado da observação. No entanto, não é tarefa fácil convencê-los de que é possível atribuir dois movimentos à terra de modo que, quando um observador é colocado num ponto da sua superfície observe um movimento diurno de todos os astros num sentido e um movimento anual do sol no outro, já que os heliocentristas consideram-no em repouso. Se aqueles movimentos parecem ser contrários, ser-lhes-ia difícil conceber dois movimentos num único corpo sólido que explique o que observam já que o movimento anual da terra relativamente ao sol deveria introduzir movimentos anuais nas estrelas fixas, o que não é observado pois estas nascem e põem-se nas mesmas posições, ao contrário do sol. Assumiam, portanto, que os heliocentristas estavam errados e que a filosofia antiga, por ser a única que explica este fenómeno é a que está correcta mesmo tendo sido rebatida a hipótese de que o movimento natural dos corpos é o rectilíneo no sentido do centro da terra. Está-se na presença de uma falácia muito usada actualmente. Parte do princípio de que se uma teoria e todas as suas hipóteses falha em explicar determinada observação é porque vale a teoria rival que, mesmo falhando redondamente sobre muitos dos seus aspectos, explica essa observação. Com efeito, mesmo que a teoria heliocentrista falhe em explicar a observação de que as estrelas fixas parecem não ser animadas de movimento anual não valida a teoria alternativa porque se se relaxar a hipótese de que o sol se move obter-se-ia uma teoria alternativa à clássica que não só explique aquela observação como tantas outras. Um argumento do género consiste em afirmar que, como a arqueologia não apresenta provas de que certos povos teriam conhecimentos para elaborar determinadas construções, então é porque estas foram feitas por extraterrestres. É importante notar que também podiam ter sido feitas por viajantes no tempo ou por artes mágicas há muito perdidas. A hipótese de que esses povos possuíam esse conhecimento é muito mais provável que qualquer uma das anteriores.
O argumento de que as estrelas nascem e põem-se nos mesmos sítios ao longo do ano contrariam a hipótese de que a terra possui um movimento de translação em torno do sol, considerado como fixo, é desconstruído, considerando que as estrelas, estando de tal modo distantes da terra, a variação angular das posições em que nascem e se põem é tão insignificante que não é detectável pelos instrumentos de medida. No entanto, recorrem a demonstrações matemáticas que, na sua essência, não são encaradas como empíricas. O curioso é que muita gente se maravilha como é possível que a matemática descreva tão bem o universo se se trata de conhecimento abstracto. Nada poderia estar mais longe da verdade. Nada há de mais empírico do que o processo de contagem e de que, por exemplo, dois pares de objectos, em que os dois objectos do primeiro par e os dois objectos do segundo se equilibram entre si numa balança, os próprios pares também se equilibram. A ideia de que os ângulos podem ser insignificantes pode ser demonstrada, realizando a medição da altura de uma estrela muito distante em duas posições muito próximas entre si e verificando que não se observa alteração angular perceptível. Não é difícil demonstrar empiricamente que a alteração angular que sofre o ângulo de visão de um objecto relativamente a uma direcção de um ponto para outro diminui à medida que a distância do objecto a esses pontos aumenta. As regras de inferência e axiomas que se usam em matemática têm uma origem empírica.
Vários argumentos poderiam ser dirigidos contra a hipótese de que a terra se encontra em rotação. Em primeiro lugar, se se largasse um grave do cimo de uma torre, o corpo, ao invés de cair sobre a base, deveria cair ligeiramente a oeste pois, durante a queda, a torre ter-se-ia deslocado com a terra para este. O mesmo sucederia com um projéctil lançado exactamente na vertical. Se duas balas fossem disparadas, uma para este e outra para oeste, a bala disparada para oeste deveria cair num ponto cuja distância ao canhão fosse superior à do ponto de queda da outra bala. Tal não acontece na prática. Além disso, seria difícil para os pássaros acompanhar o movimento da terra após levantarem voo. Porém, observa-se que estes são capazes de viajar longas distâncias e voltar ao ninho. Por seu turno, a força centrífuga iria arremessar todos os corpos que não lhe estivessem ligados para o exterior. A resposta aos quatro primeiros contra-argumentos assenta no facto demonstrável que se um corpo projéctil for largado de um ponto com uma velocidade horizontal, essa velocidade irá permanecer constante durante a queda. Assim, como a velocidade horizontal da torre e do canhão será a mesma que a velocidade horizontal da bala e, portanto, o grave irá cair na base da torre, a bala lançada na horizontal cairá no sítio de onde partiu e as balas disparadas em sentidos opostos irão cair a iguais distâncias do canhão. Isso pode ser observado, largando um grave do mastro de um navio que se move com velocidade constante e constatando que cai na sua base. Podem-se também disparar simultaneamente duas setas de uma carruagem que se move com velocidade constante e verificar que atingem o solo a uma distância equidistante do ponto em que se encontra a carruagem nesse instante.
Note-se que, na explicação acima, o movimento horizontal deve ser entendido pelo movimento na direcção da tangente à superfície terrestre. Para um observador colocado no exterior da terra e em repouso relativamente ao céu centro, tal movimento teria uma componente circular e uma vertical, isto é, na direcção e sentido desse centro. Dado que a consideração de um movimento natural dos graves que não seja rectilíneo cuja componente horizontal acompanhe o movimento de rotação da terra considerada em movimento permite explicar que um observador colocado à sua superfície verificará que, nesse referencial, o movimento é rectilíneo vertical. Segue-se daqui que a demonstração de que a terra é imóvel porque se vê um movimento rectilíneo de queda constitui um paralogismo, na medida em que este poderia ser visto numa terra em movimento. É necessário, portanto, adicionar uma demonstração empírica alternativa que permita assegurar que o movimento natural de um corpo é rectilíneo e não circular para alguém que se encontre em repouso no centro da terra. Com efeito, os heliocentristas considerariam que um grave, quando largado do repouso em relação à terra do cimo de uma torre, percorreria um movimento circular uniforme cujo centro se encontre na posição intermédia da linha que une o topo da torre ao centro do planeta. Relativamente ao ímpeto a que são sujeitos os corpos no sentido de serem atirados para o exterior devido à rotação, este é compensado pela sua tendência de se aproximar do centro. Além disso, essa tendência não depende da massa pois mostra-se experimentalmente que graves com massas diferentes largados do mesmo ponto ao mesmo tempo atingem o solo em simultâneo. Os pássaros quando partem do ninho são animados desse movimento de rotação bem como o ar que é o meio onde se deslocam.
Uma objecção interessante seria colocada aos heliocentristas pelos geocentristas. Se o movimento natural não depende dos elementos então não é possível discernir, entre os corpos, os que se encontram em repouso dos que se encontram em movimento. A resposta daqueles determina que os corpos que se encontram em repouso são as estrelas porque possuem luz própria. Todo o debate em determinar se a lua e os restantes planetas possuem luz própria que sirva de contra-argumento é inútil na medida em que a afirmação dos heliocentristas contém um paralogismo pois nada impede que o próprio sol se mova em torno de algum centro desde que a sua distância a esse centro seja de tal forma insignificante relativamente às estrelas longínquas que este pareça estar em repouso para um observador terrestre. A grande dificuldade dos adeptos da filosofia antiga em argumentar contra a ideia de uma terra móvel talvez se devesse à sua dificuldade em abstrair a descrição do movimento quando observado de um outro ponto de vista. Com efeito, considerariam que, para explicar a observação dos astros e as estações do ano, a terra deveria ser animada de três movimentos e, além disso, estes deveriam ser contrários. Dois dos movimentos são o de rotação, de oeste para este e o de translação que assumem dar-se no sentido contrário. Tal não é verdade, na medida em que quando a terra se desloca de oeste para este, o sol, neste caso, deslocar-se-á no mesmo sentido relativamente às estrelas fixas. Mesmo que os movimentos fossem realmente contrários e a translação se desse de este para oeste, estes não poderiam ser assumidos como tal porque, de acordo com eles, não deveria existir contrários nos movimentos circulares. Relativamente ao terceiro movimento segundo o qual o eixo da terra deve oscilar entre norte e sul não é necessário. É curioso que ainda cause confusão a quem está a lidar com estas questões pela primeira vez. A terra revolve em torno de um eixo que não é perpendicular ao plano da sua órbita em torno do sol. A intuição leva a concluir que esse eixo, não sendo animado de movimento, deve estar sempre orientado para o sol. No entanto, isso não é verdade. Suponha-se que o eixo aponta para sol e o seu prolongamento intersecta o eixo da órbita. De modo a que não seja animado de movimento, deverá manter-se paralelo a si próprio durante a translação. Caso continue a apontar para o sol num instante posterior, não poderá ser paralelo a si próprio no instante inicial pois o prolongamento do eixo no instante inicial intersectaria o prolongamento do eixo no instante posterior num ponto do eixo da órbita.
Um outro argumento assume uma forma mais subtil e refere-se ao movimento dos animais que lhes é natural. Sabe-se que não é possível aos animais manter um movimento indefinido porque acabam por se cansar. Consideram, portanto, que não é possível animar a terra de um movimento do género porque esta, à semelhança dos animais, também se cansaria. Certamente que poderia dar-se a tentação de refutar o argumento, classificando-o como infantil ou ridículo. Ir-se-ia incorrer na falácia do ataque à pessoa e não se iria contra-argumentar a ideia mas o discurso que foi usado para comunicá-la. Os heliocentristas foram suficientemente sagazes para percebê-lo. De facto, os animais cansam-se porque necessitam de consumir recursos para manter o movimento. Diz-se que consomem energia para o fazer. Neste sentido e segundo eles, a terra deveria consumir energia para manter o seu movimento e, portanto, algo deveria provê-la. O curioso é que usaram tal argumento para refutar a teoria dos adversários sem se aperceberem que mais facilmente refutaria a sua própria teoria. Mais energia seria necessária para manter o movimento da esfera das estrelas longínquas do que o movimento de um planeta com dimensões muito menores.
A hipótese de que os planetas revolvem em torno do sol originou-se na existência de anomalias no movimento dos planetas que dependem da sua relação com o sol. Além disso, com base na determinação do seu diâmetro aparente, pôde-se constatar que os planetas exteriores se encontram mais afastados da terra quando se encontram em conjunção, e mais próximos quando se encontram em oposição. Os planetas interiores nunca se afastam muito do sol. A lua move-se em torno da terra com um movimento circular. O problema mas difícil de resolver, neste caso, é o facto de que, de acordo com o modelo heliocêntrico, as variações dos diâmetros aparentes dos astros não serem compatíveis com as dimensões esperadas para Marte e Vénus. A explicação baseia-se na dispersão luminosa causada nos instrumentos e, em maior grau, no olho humano. Foi a determinação visual do diâmetro aparente das estrelas que permitiram aos antigos estimar um raio muito reduzido para a esfera das estrelas longínquas. O telescópio permite avaliar o diâmetro aparente com maior precisão. Para fazê-lo a olho nu, interpõe-se um fio muito fino entre o olho e a estrela a uma distância tal que esta desapareça. O seu diâmetro poderá ser determinado, considerando a grossura do fio e a distância a que este a cobre. A interposição do fio permite eliminar o halo de luminosidade que se forma em torno da vista. Este deveria ter sido considerado pelos astrónomos anteriores à descoberta do telescópio se tivessem observado que Vénus apresenta um diâmetro aparente muito superior à noite do que quando observado ao crepúsculo.