No texto As coordenadas esféricas e a lei da gravitação expus a utilização das coordenadas esféricas na resolução de um dos mais importantes problemas da mecânica celeste. Se considerarmos ϕ constante e ignorarmos a força Fϕ, vemos que o problema geral da dinâmica de uma partícula em coordenadas polares é descrito pela equação
{d2rdt2−r(dθdt)2=Frrd2θdt2+2drdtdθdt=Fθ
Consideramos aqui que o sistema de unidades de massa é tal que a massa da partícula é unitária. Se multiplicarmos por r a segunda equação obtemos
ddt(r2dθdt)=rFθ
cujo integral é dado por
r2dθdt=f+∫rFθdt
onde f é a constante de integração. Multiplicamos a equação anterior por rFθ para ficarmos com
r3Fθdθdt=ddt[f∫rFθdt+12(∫rFθdt)2]
cujo integral se pode reduzir a
f+∫rFθdt=√f2+2∫r3Fθdθ
A consideração do primeiro integral obtido permite concluir a identidade
dθdt=√f2+2∫r3Fθdθr2
Vemos que é possível determinar o valor do ângulo θ como função do parâmetro t, resolvendo esta equação diferencial. Se fizermos, para abreviar, ρ=∫r3Fθdθ, segue-se que
drdt=drdθdθdt=f√1+2ρr2drdθ
Derivamos a equação anterior em ordem ao tempo e introduzimos na equação radial, nomeadamente,
d2rdt2−r(dθdt)2=Fr
para obtermos
f2r4d2rdθ2−2f2r5(drdθ)2−f2r3=Fr−Fθrdrdθ√1+2ρ
após algumas simplificações e de notar que dρdθ=r3Fθf2. Multiplicamos ambos os membros da equação por r2 e aplicamos a regra do produto para escrevermos
ddθ(f2r2drdθ)−f2r=r2Fr−Fθrdrdθ1+2ρ
A transformação
u=f2r
reduz a equação anterior a
d2udθ2−f2Fθ1+2ρdudθ+u=−r2Fr1+2ρ
É útil notar que, se fizermos Fθ=0 e Fr=−ψr2 obtemos a equação do movimento harmónico simples
d2udθ2+u=ψ
cuja solução se pode escrever na forma
u=ψ+Acos(θ−θ0)
isto é,
r=f2ψ1+Aψcos(θ−θ0)
que constitui a equação da elipse, como seria de esperar.
A resolução do problema tal como aqui se encontra apresentada foi exposta por Clairaut na sua Théorie de la Lune deduite du seul principe de l'attraction reciproquement proportionelle aux carrés des distances. O mesmo autor voltou ao assunto uns anos mais tarde, na sua Mémoire sur l'orbite apparent du Soleil onde considerou a equação da órbita na forma
d2udθ2+u=Ω
sendo Ω dada pela série
Ω(θ)=+∞∑k=0akcos(nθ)
Nesse trabalho surgiu, pela primeira vez, um método geral para determinar o valor das constantes ak, conhecidos os valores da função Ω em pontos equidistantes no intervalo [0,2π]. A consideração de séries semelhantes tinha sido anteriormente levada a cabo por Euler e por D'Alembert. O autor considerou que, sendo infinito o número n de subdivisões do intervalo [0,2π], então os coeficientes são dados pelas famosas expressões integrais conhecidas da teoria das séries trigonométricas para o caso dos co-senos. Resta notar que as séries discretas para os senos foram estudadas por Lagrange no decurso da apresentação da sua teoria do som e as séries mais gerais, por Gauss. Mais tarde, Fourier desenvolveu a teoria para o caso de um número infinito de subdivisões do intervalo, considerando simultaneamente as séries de senos e co-senos.