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quinta-feira, 3 de agosto de 2017

A lei da gravitação e as séries trigonométricas

No texto As coordenadas esféricas e a lei da gravitação expus a utilização das coordenadas esféricas na resolução de um dos mais importantes problemas da mecânica celeste. Se considerarmos ϕ constante e ignorarmos a força Fϕ, vemos que o problema geral da dinâmica de uma partícula em coordenadas polares é descrito pela equação

{d2rdt2r(dθdt)2=Frrd2θdt2+2drdtdθdt=Fθ

Consideramos aqui que o sistema de unidades de massa é tal que a massa da partícula é unitária. Se multiplicarmos por r a segunda equação obtemos

ddt(r2dθdt)=rFθ

cujo integral é dado por

r2dθdt=f+rFθdt

onde f é a constante de integração. Multiplicamos a equação anterior por rFθ para ficarmos com

r3Fθdθdt=ddt[frFθdt+12(rFθdt)2]

cujo integral se pode reduzir a

f+rFθdt=f2+2r3Fθdθ

A consideração do primeiro integral obtido permite concluir a identidade

dθdt=f2+2r3Fθdθr2

Vemos que é possível determinar o valor do ângulo θ como função do parâmetro t, resolvendo esta equação diferencial. Se fizermos, para abreviar, ρ=r3Fθdθ, segue-se que

drdt=drdθdθdt=f1+2ρr2drdθ

Derivamos a equação anterior em ordem ao tempo e introduzimos na equação radial, nomeadamente,

d2rdt2r(dθdt)2=Fr

para obtermos

f2r4d2rdθ22f2r5(drdθ)2f2r3=FrFθrdrdθ1+2ρ

após algumas simplificações e de notar que dρdθ=r3Fθf2. Multiplicamos ambos os membros da equação por r2 e aplicamos a regra do produto para escrevermos

ddθ(f2r2drdθ)f2r=r2FrFθrdrdθ1+2ρ

A transformação

u=f2r

reduz a equação anterior a

d2udθ2f2Fθ1+2ρdudθ+u=r2Fr1+2ρ

É útil notar que, se fizermos Fθ=0 e Fr=ψr2 obtemos a equação do movimento harmónico simples

d2udθ2+u=ψ

cuja solução se pode escrever na forma

u=ψ+Acos(θθ0)

isto é,

r=f2ψ1+Aψcos(θθ0)

que constitui a equação da elipse, como seria de esperar.

A resolução do problema tal como aqui se encontra apresentada foi exposta por Clairaut na sua Théorie de la Lune deduite du seul principe de l'attraction reciproquement proportionelle aux carrés des distances. O mesmo autor voltou ao assunto uns anos mais tarde, na sua Mémoire sur l'orbite apparent du Soleil onde considerou a equação da órbita na forma

d2udθ2+u=Ω

sendo Ω dada pela série

Ω(θ)=+k=0akcos(nθ)

Nesse trabalho surgiu, pela primeira vez, um método geral para determinar o valor das constantes ak, conhecidos os valores da função Ω em pontos equidistantes no intervalo [0,2π]. A consideração de séries semelhantes tinha sido anteriormente levada a cabo por Euler e por D'Alembert. O autor considerou que, sendo infinito o número n de subdivisões do intervalo [0,2π], então os coeficientes são dados pelas famosas expressões integrais conhecidas da teoria das séries trigonométricas para o caso dos co-senos. Resta notar que as séries discretas para os senos foram estudadas por Lagrange no decurso da apresentação da sua teoria do som e as séries mais gerais, por Gauss. Mais tarde, Fourier desenvolveu a teoria para o caso de um número infinito de subdivisões do intervalo, considerando simultaneamente as séries de senos e co-senos.

domingo, 23 de julho de 2017

A função característica

Em óptica, um sistema de raios de segunda ordem consiste num conjunto de linhas cuja parametrização é dada por dois parâmetros. Se designarmos por n os vectores de norma unitária que definem as direcções das linhas de um sistema então este é de segunda ordem se, a cada ponto do espaço (x,y,z), corresponder apenas uma direcção n(x,y,z). De facto, a equação vectorial de uma recta geral pode ser escrita na forma

(x,y,z)=(a,b,c)+λ(u1,u2,u3)

Vemos tratar-se de uma família parametrizda por seis parâmetros. No entanto, diferentes parâmetros representam a mesma recta. Em primeiro lugar, tanto u=(u1,u2,u3) como αu para algum α constante parametrizam a mesma recta. Podemos considerar portanto que o vector u possui norma unitária. A mesma equação pode descrever a mesma recta para diferentes pontos. Com efeito, considerando um novo ponto (a1,b1,c1) na recta, temos

(x,y,z)=(a1,b1,c1)+λ1(u1,u2,u3)

Como o ponto pertence à recta então verifica a equação

(a1,b1,c1)=(a,b,c)+λ(u1,u2,u3)

para algum λ. Se considerarmos a representação

(a1a,b1b,c1c)=αv1+βv2+λu

onde v1, v2 e v3 são linearmente independentes, verificarmos imediatamente que ambas as equações representam a mesma recta se e só se α=β=0. O conjunto de todas as rectas pode, portanto, ser representado pela família de equações

(x,y,z)=(a,b,c)+αv1+βv2+λ(u1,u2,u3)

onde (a,b,c) é um ponto escolhido arbitrariamente que consideramos ser a origem. Assim, todas as rectas podem ser representadas pela família de equações

(x,y,z)=αv1+βv2+λ(u1,u2,u3)

onde os vectores v1 e v2 são escolhidos em função de u. A família de todas as rectas é, portanto, definida por quatro parâmetros onde dois deles definem a direcção e os outros dois, a posição. Se a direcção for dada em função da posição, apenas os dois parâmetros que lhe estão associados são considerados, tratando-se de um sistema de segunda ordem.

Um sistema de segunda ordem diz-se ter congruência normal se for possível encontrar uma superfície que seja normal a todos os seus raios. A importância desta definição reside no teorema de Mauls-Dupin onde é afirmado que a congruência normal se mantém após uma sequência finita de reflexões e refracções. Se essa superfície possuir equação f(x,y,z)=k com k contante, sabemos que a condição para que esta seja normal a todos os raios é

f=λn

onde n constitui a direcção do raio associado ao ponto de incidência. A função característica U foi definida por Hamilton de tal forma que

n=U

É interessante mostrar que esta definição não é desprovida de sentido. Ora, de f=λn concluímos

×(λn)=0=λ×n+λ×n

Como nn=1 segue-se que (n)n=0 e, da identidade

12(nn)=(n)n+n××n

obtemos n××n=0. A mesma identidade, como λn no lugar de n fica na forma

12λ2=λ(n)(λn)+λ2n××n

Segue-se que

λ=(n)(λn)

Mas como

(n)(λn)=λ(n)n+(nλ)n

então, porque (n)n=0 ficamos com

(n)(λn)=(nλ)n

Concluímos que λ×n=0 e, como λ×n+λ×n=0, também

×n=0

Segue-se daqui que é possível encontrar uma função U tal que U=n, como pretendido.

sábado, 27 de maio de 2017

As coordenadas esféricas e a lei da gravitação

Um ponto definido pelo vector ρ=(x,y,z) é representado, em coordenadas esféricas, pelos parâmetros (r,θ,ϕ) de acordo com a transformação
{x=rcosθsinϕy=rsinθsinϕz=rcosϕ
O conjunto de equações θ=const., ϕ=const define uma curva. Definimos er como sendo o vector unitário com a direcção da tangente à curva. Concluímos, portanto, que
er=(cosθsinϕ,sinθsinϕ,cosϕ)
Do mesmo modo, construímos os vectores unitários cuja direcção se encontra ao longo da tagente das curvas sobre as quais variam apenas θ e ϕ, isto é,
eθ=(sinθ,cosθ,0)(cosθcosϕ,sinθcosϕ,sinϕ)
Se a posição de um corpo for representada pelo vector ρ=(x,y,z), no novo sistema de coordenadas será representada por ρ=rer. A sua velocidade será dada por
dρdt=drdter+rdθdtsinϕeθ+rdϕdteϕ
e a sua aceleração será, portanto,
d2ρdt2=[d2rdt2rsinϕ(dθdt)2+r(dϕdt)2]er++[ddt(rdθdtsinϕ)+rsinϕdrdtdθdt+rcosϕdθdtdϕdt]eθ++[ddt(rdϕdt)+drdtdϕdtr(dθdt)2sinϕcosϕ]eϕ
Se Fr, Fθ e Fϕ forem as componentes da resultante das forças que actuam na partícula segundo as direcções dos vectores er, eθ e eϕ então as equações do movimento baseadas na segunda lei de Newton escrevem-se como
{d2rdt2rsinϕ(dθdt)2+r(dϕdt)2=Frmddt(rdθdtsinϕ)+rsinϕdrdtdθdt+rcosϕdθdtdϕdt=Fθmddt(rdϕdt)+drdtdϕdtr(dθdt)2sinϕcosϕ=Fϕm
Iremos agora determinar a forma da resultante das forças que actuam num corpo que se move de acordo com as leis de Kepler. Estas são:
1) O corpo move-se ao longo de uma elipse.
2) O raio vector definido por um dos focos da elipse e o corpo varre áreas iguais em intervalos de tempo iguais.
3) O quadrado do período de revolução do movimento é directamente proporcional ao cubo do semi-eixo maior da elipse.


Começamos por observar que, sendo ϕ=π2 constante, então o sistema de equações diferenciais reduz-se a
{d2rdt2r(dθdt)2=Frmrd2θdt2+2drdtdθdt=Fθm0=Fϕm
Analisemos agora a segunda lei. Ora, a área de uma superfície S é dada pelo integral
A=
Quando superfície S é dada por uma equação da forma r=r(\theta), o integral duplo reduz-se a
A=\frac{1}{2}\int_{\theta_0}^{\theta}{r^2d\theta}
seguindo-se
\frac{dA}{dt}=\frac{1}{2}r^2\frac{d\theta}{dt}=const.
e, consequentemente,
\frac{d^2A}{dt^2}=r\frac{dr}{dt}\frac{d\theta}{dt}+\frac{r^2}{2}\frac{d^2\theta}{dt^2}=0
Vimos imediatamente que
\left\lbrace \begin{array}{l} \frac{d^2r}{dt^2}-r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2=\frac{\vec{F}_r}{m}\\ 0=\frac{\vec{F}_\theta}{m}\\ 0=\frac{\vec{F}_\phi}{m} \end{array} \right.
A segunda lei só pode ser satisfeita se a força exercida no corpo for central, isto é, possuir a direcção do raio vector. Para obtermos a forma da força radial, começamos por determinar a equação da elipse que possui o foco na origem em coordenadas esféricas, supondo que esta se encontra no plano horizontal \phi=\frac{\pi}{2}. A distância do foco que se encontra na origem ao corpo é igual a r. O teorema de Carnot aplicado ao triângulo formado pelos focos e o corpo permite-nos concluir que a distância do segundo corpo ao foco é igual a
\sqrt{r^2+4f^2+4fr\cos\theta}
sendo 2f a distância interfocal. Como a elipse é o lugar geométrico de todos os pontos cuja soma das distâncias destes a ambos os focos é igual ao comprimento do eixo maior, temos
r+\sqrt{r^2+4f^2+4fr\cos\theta}=2a
onde a corresponde ao comprimento do semi-eixo maior. Se subtrairmos r a cada um dos membros, quadrarmos e simplificarmos, obtemos
r\left(a+f\cos\theta\right)=a^2-f^2
Se e=\frac{f}{a} for a excentricidade, temos
r=\frac{a\left(1-e^2\right)}{1+e\cos\theta}
Se utilizarmos a abreviação \psi=a\left(1-e^2\right), a equação da elipse escreve-se como
r=\frac{\psi}{1+e\cos\theta}
ou
e\cos\theta=\frac{\psi}{r}-1
Derivamos a equação em ordem ao parâmetro t, vindo
\frac{dr}{dt}=\frac{\psi e\sin\theta}{\left(1+e\cos\theta\right)^2}=\frac{r^2}{\psi}e\sin\theta\frac{d\theta}{dt}
A segunda derivada fica, por seu turno, na forma
\frac{d^2r}{dt^2}=\frac{r}{\psi}e\sin\theta\left(r\frac{d^2\theta}{dt^2}+2\frac{dr}{dt}\frac{d\theta}{dt}\right)+r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2-\frac{r^2}{\psi}\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2
Como, de acordo com a segunda lei temos \frac{d\theta}{dt}=\frac{k}{r^2}, com k constante, então
\frac{d^2r}{dt^2}-r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2=-\frac{k^2}{\psi}\frac{1}{r^2}
isto é,
\vec{F}_r=-\frac{k^2}{\psi}\frac{1}{r^2}
Trata-se da famosa lei da gravitação.
A consequência da terceira lei, apesar de subtil, é deveras interessante. Segue-se a seguinte equação diferencial da lei das áreas:
\frac{d\theta}{dt}=\frac{k}{r^2}=\frac{k}{\psi^2}\left(1+e\cos\theta\right)^2
Sendo uma equação separável, podemos escrever
\int_0^{2\pi}{\frac{1}{2}\frac{\psi^2}{\left(1+e\cos\theta\right)^2}d\theta}=\frac{kT}{2}
onde T representa o período da órbita. O integrando na equação anterior constitui uma função racional de funções trigonométricas e pode ser resolvido com o auxílio dos métodos habituais. No entanto, representando a área de uma elipse, o seu valor é dado por \pi ab e a equação reduz-se a
\pi ab=\frac{kT}{2}
ou
\pi a\sqrt{a^2-f^2}=\frac{kT}{2}
Se quadrarmos, ficamos com
\pi^2a^2\left(1-e^2\right)=\frac{k^2T^2}{4}
isto é,
\pi^2a^3\psi=\frac{k^2T^2}{4}
Concluímos desta forma que
\psi=\frac{k^2}{4\pi^2}\frac{T^2}{a^3}
e, portanto, a constante \psi que figura na forma da força central não depende dos parâmetros da órbita.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Dois artigos em metafísica

Encontrei dois artigos de Euler sobre metafísica que achei interessantes:

  1. Ensaio sobre uma demonstração metafísica do princípio geral do equilíbrio
  2. Reflexões sobre o espaço e o tempo
É interessante comparar as conclusões deste segundo artigo com as ideias modernas da teoria da relatividade.

Digressões em óptica geométrica

Nestes últimos tempos tenho escrito aqui alguns artigos sobre óptica geométrica. Decidi, portanto, à semelhança do que já tenho feito em textos no âmbito da matemática, compilar as ideias em ficheiros e actualizá-los ao longo do tempo ao invés de as individualizar.
Coloquei no OneDrive um documento que intitulei por Digressões em óptica geométrica e que serve esse propósito.