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quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Um problema sobre reflexões e refracções

No texto As leis da reflexão e refracção em forma vectorial apresentei uma dedução das leis da reflexão e refracção a partir do princípio do tempo mínimo. No entanto, considero útil apresentar o tema de um ponto de vista historicamente mais coerente e deduzir o princípio do tempo mínimo a partir das leis empíricas da reflexão e refracção. Fá-lo-ei antes de aplicar as leis à resolução de um problema específico.
Em Óptica Geométrica, a luz é descrita com base no conceito de raios luminosos, os quais constituem abstracções que permitem modelar o seu comportamento. De acordo com a disciplina, valem os seguintes princípios:
  • Os raios luminosos são rectilíneos se a luz se propagar no seio de um meio homgéneo;
  • Os raios luminosos apresentam uma mudança de direcção na superfície de separação entre dois meios distintos;
  • Podem ser reflectidos aquando da sua incidência numa superfície de separação entre dois meios.
No caso da reflexão, um raio, designado por raio incidente, que parta do ponto P e incida no ponto R da superfície S, é reflectido em direcção ao ponto Q que se encontra no mesmo lado do ponto P relativamente à superfície. São verificadas duas leis:
  1.  Os raios incidente, reflectido e a normal à superfície encontram-se no mesmo plano;
  2. O ângulos de incidência e de reflexão são iguais, sendo de incidência o ângulo compreendido entre o raio incidente e a normal à superfície e de reflexão, o ângulo compreendido entre o raio reflectido e a normal à superfície.
Designando por n o vector normal à superfície no sentido dos pontos P e Q, por i o vector de norma unitária com a direcção do raio incidente e sentido do ponto R e por r o vector unitário com a direcção do raio reflectido e sentido do ponto Q, tem-se
i=ε
e
\vec{r}=\frac{\vec{\rho}}{\left\|\vec{\rho}\right\|}
onde \vec{\varepsilon}=R-P e \vec{\rho}=Q-R. Da primeira lei é possível concluir que existem dois números, \alpha e \beta, de tal forma que
\vec{r}=\alpha\vec{i}+\beta\vec{n}
O produto vectorial da equação anterior por \vec{n} resulta em
\vec{n}\times\vec{r}=\alpha\vec{n}\times\vec{i}
Como os ângulos de incidência e de reflexão são iguais então \left\|\vec{n}\times\vec{r}\right\|=\left\|\vec{n}\times\vec{i}\right\| e, portanto, \alpha=\pm 1. Dado o sentido do vector de reflexão relativamente ao de incidência, conclui-se facilmente que \alpha=1. A equação de reflexão escreve-se na forma
\vec{r}=\vec{i}+\beta\vec{n}
A multiplicação escalar por \vec{n}, atendendo a que \vec{i}\cdot\vec{n}=-\vec{r}\cdot\vec{n}, proporciona \beta=-2\vec{i}\cdot\vec{n}, isto é,
\vec{r}=\vec{i}-2\left(\vec{i}\cdot\vec{n}\right)\vec{n}
Se R(u,v) definir a superfície de incidência então
\left\lbrace\begin{array}{c}\vec{n}\cdot\frac{\partial R}{\partial u}=0\\\vec{n}\cdot\frac{\partial R}{\partial u}=0\end{array}\right.
que, atendendo a que \vec{r}=\vec{i}+\beta\vec{n}, se reduz a
\left\lbrace\begin{array}{c}\left(\frac{\vec{\rho}}{\left\|\vec{\rho}\right\|}-\frac{\vec{\varepsilon}}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}\right)\cdot\frac{\partial R}{\partial u}=0\\\left(\frac{\vec{\rho}}{\left\|\vec{\rho}\right\|}-\frac{\vec{\varepsilon}}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}\right)\cdot\frac{\partial R}{\partial v}=0\end{array}\right.
Ora, verifica-se facilmente que o sistema é equivalente a
\left\lbrace\begin{array}{c}\frac{\partial}{\partial u}\left(\left\|\vec{\rho}\right\|+\left\|\vec{\varepsilon}\right\|\right)=0\\\frac{\partial}{\partial v}\left(\left\|\vec{\rho}\right\|+\left\|\vec{\varepsilon}\right\|\right)=0\end{array}\right.
Segue-se daqui que \left\|\vec{\rho}\right\|+\left\|\vec{\varepsilon}\right\|=k onde k é uma constante. Como consequência imediata desta equação, se qualquer raio que parta do ponto P, seja reflectido na superfície S e passe pelo ponto Q, então a superfície S constitui um elipsóide de revolução.
As equações da reflexão permitem ainda mostrar um resultado banal do ponto de vista prático. Seja a superfície S um plano cuja normal é \vec{n}. A equação da recta que define a reflexão de um raio que parta do ponto P, seja reflectido no plano de normal \vec{n} e chegue ao ponto Q é da forma
X=P+\vec{\varepsilon}+\lambda\left\lbrack\frac{\vec{\varepsilon}}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}-\frac{2}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}\left(\vec{\varepsilon}\cdot\vec{n}\right)\vec{n}\right\rbrack
Um raio que parta do ponto P e incida na superfície S sobre o ponto R' é reflectido segundo a direcção da recta de equação
X'=P+\vec{\varepsilon}'+\lambda'\left\lbrack\frac{\vec{\varepsilon}'}{\left\|\vec{\varepsilon}'\right\|}-\frac{2}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}'\left(\vec{\varepsilon}'\cdot\vec{n}\right)\vec{n}\right\rbrack
onde \vec{\varepsilon}'=R'-P.No ponto de intersecção de ambas as rectas tem-se X=X' e, portanto,
0=\vec{\varepsilon}-\vec{\varepsilon}'+\lambda\left\lbrack\frac{\vec{\varepsilon}}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}-\frac{2}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}\left(\vec{\varepsilon}\cdot\vec{n}\right)\vec{n}\right\rbrack-\lambda'\left\lbrack\frac{\vec{\varepsilon}'}{\left\|\vec{\varepsilon}'\right\|}-\frac{2}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}\left(\vec{\varepsilon}'\cdot\vec{n}\right)\vec{n}\right\rbrack
Como \vec{\varepsilon}-\vec{\varepsilon'} é um vector do plano então \left(\vec{\varepsilon}-\vec{\varepsilon'}\right)\cdot\vec{n}=0, isto é,
\vec{\varepsilon}\cdot\vec{n}=\vec{\varepsilon}'\cdot\vec{n}
Segue-se que a multiplicação escalar por \vec{n} da equação vectorial para a intersecção das rectas fica da forma
\frac{\lambda}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}\vec{\varepsilon}\cdot\vec{n}=\frac{\lambda'}{\left\|\vec{\varepsilon}'\right\|}\vec{\varepsilon}'\cdot\vec{n}
A substituição na equação da intersecção das rectas proporciona
0=\left(\frac{\lambda}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}+1\right)\vec{\varepsilon}-\left(\frac{\lambda'}{\left\|\vec{\varepsilon}'\right\|}+1\right)\vec{\varepsilon}'
Considerando que o ponto P não se encontra no plano, os vectores \vec{\varepsilon} e \vec{\varepsilon}' são linearmente independentes e, portanto, vale o sistema de equações
\left\lbrace\begin{array}{c}\lambda=-\left\|\vec{\varepsilon}\right\|\\\lambda'=\left\|\vec{\varepsilon}'\right\|\end{array}\right.
A substituição nas equações das rectas proporciona-nos o ponto de intersecção Q' na forma
Q'=P+2\left(\vec{\varepsilon}\cdot\vec{n}\right)\vec{n}=P+2\left(\vec{\varepsilon}'\cdot\vec{n}\right)\vec{n}
uma vez que \vec{\varepsilon}\cdot\vec{n}=\vec{\varepsilon}'\cdot\vec{n}. Como Q' não depende do ponto R' escolhido, conclui-se imediatamente que todas as rectas que definem a direcção da reflexão de raios que partem do ponto P intersectam-se no mesmo ponto Q'. Ao ponto Q' dá-se a designação de ponto focal.

Um raio que parta do ponto P localizado num meio com densidade óptica \eta_1 e que incida na superfície S de separação com o meio de densidade óptica \eta_2 pode penetrá-lo, alterando a sua direcção. A tal fenómeno dá-se a designação de refracção e pode-se descrever com o auxílio das leis:

  1. Os raios incidente, refractado e a normal à superfície encontram-se no mesmo plano;
  2. O ângulos de incidência, \theta_i, e de refracção, ângulo \theta_r definido com a normal à superfície, satisfazem a lei de Snell-Descartes

\eta_1\sin{\theta_i}=\eta_2\sin{\theta_r}
Considere-se um raio que parte do ponto P localizado no meio com índice óptico \eta_1, incida no ponto R da superfície de separação e é refractado no ponto Q localizado no meio com índice óptico \eta_2. Definam-se os vectores \vec{\varepsilon}=R-P e \vec{\rho}=Q-R e os vectores unitários que lhes são colineares
\vec{i}=\frac{\vec{\varepsilon}}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}
e
\vec{r}=\frac{\vec{\rho}}{\left\|\vec{\rho}\right\|}
Da primeira lei, segue-se a identidade
\vec{r}=\alpha\vec{i}+\beta\vec{n}
Aplicando o produto vectorial de \vec{n} a cada membro da equação anterior fica
\vec{n}\times\vec{r}=\alpha\vec{i}\times\vec{n}
A segunda lei permite concluir que
\alpha=\frac{\eta_1}{\eta_2}
isto é,
\vec{r}=\frac{\eta_1}{\eta_2}\vec{i}+\beta\vec{n}
No artigo supracitado mostrou-se que
\beta=-\frac{1}{\eta_2}\left(\eta_1\vec{i}\cdot\vec{n}+\sqrt{\eta_2^2-\eta_1^2\left(\vec{i}\times\vec{n}\right)^2}\right)
Da equação
\eta_2\beta\vec{n}=\eta_2\vec{r}-\eta_1\vec{i}
segue-se, recorrendo ao mesmo artifício atrás apresentado, o sistema de equações
\left\lbrace\begin{array}{c}\left(\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{r}\right)\cdot\frac{\partial R}{\partial u}\\\left(\eta_1\vec{i}-\eta_2\vec{r}\right)\cdot\frac{\partial R}{\partial v}\end{array}\right.
ou
\left\lbrace\begin{array}{c}\left(\eta_1\frac{\vec{\varepsilon}}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}-\eta_2\frac{\vec{\rho}}{\left\|\vec{\rho}\right\|}\right)\cdot\frac{\partial R}{\partial u}\\\left(\eta_1\frac{\vec{\varepsilon}}{\left\|\vec{\varepsilon}\right\|}-\eta_2\frac{\vec{\rho}}{\left\|\vec{\rho}\right\|}\right)\cdot\frac{\partial R}{\partial v}\end{array}\right.
onde R(u,v) é um ponto da superfície S parametrizado por u e v. O sistema é equivalente a
\left\lbrace\begin{array}{c}\frac{\partial}{\partial u}\left(\eta_1\left\|\vec{\varepsilon}\right\|-\eta_2\left\|\vec{\rho}\right\|\right)=0\\\frac{\partial}{\partial v}\left(\eta_1\left\|\vec{\varepsilon}\right\|-\eta_2\left\|\vec{\rho}\right\|\right)=0\\\end{array}\right.
Conclui-se, portanto, que \eta_1\left\|\vec{\varepsilon}\right\|-\eta_2\left\|\vec{\rho}\right\|=k onde k é uma constante. Deste modo, a família de superfícies dadas por aquela equação permitem refractar todos os raios que partem do ponto P e incidem na superfície S no ponto Q. A superfície é conhecida como oval de Descartes.