Num texto anterior apresentei uma solução geral do problema do lançamento de projécteis, no qual é investigada a natureza do movimento de uma partícula que se encontra sujeita a uma força constante na direcção vertical e sentido de cima para baixo. Nesse problema, a partícula pode mover-se livremente. Neste artigo é apresentado o caso no qual a partícula se encontra cingida a mover-se ao longo de uma curva. Fisicamente, este modelo poderá descrever um objecto que se mova sobre uma calha. Suponhamos que a equação da curva se pode escrever na forma
{x=x(λ)y=y(λ)
É óbvio que o movimento da partícula pode ser descrito pela função t→λ(t). Num instante t fixo, o deslocamento virtual da partícula tem a direcção da tangente à curva na configuração que esta assume nesse instante. Assim, os deslocamentos virtuais ao longo de cada eixo coordenado estão relacionados pelas equações
{δx=dxdλδλδy=dydλδλ
Designando por δ→r=(δx,δy) o deslocamento virtual, sabemos que o movimento da partícula satisfaz o princípio dos trabalhos virtuais cuja equação é, para este caso,
(md2→rdt2−m→g)⋅δ→r=0
onde →g=(0,−g). Substituindo os deslocamentos virtuais coordenados, vem
(d2xdt2dxdλ+d2ydt2dydλ+gdydλ)δλ=0
e, como δλ é arbitrário, a equação torna-se equivalente a
d2xdt2dxdλ+d2ydt2dydλ+gdydλ=0
Se multiplicarmos a equação anterior por dλdt e tivermos em atenção que dxdt=dx∂λdλdt e dydt=dydλdλdt, esta poder-se-á escrever como
ddt[12(dxdt)2+12(dydt)2+gy]=0
Se integrarmos a equação obtemos imediatamente a equação da conservação da energia, nomeadamente,
12(dxdt)2+12(dydt)2+gy=E
Se substituirmos aqui as funções x e y pelas respectivas expressões em λ, obtemos
(dλdt)2(dxdλ)2+(dydλ)22+gy=E
Uma vez que y=y(λ), estamos na presença de uma equação separável que se pode escrever na forma
√(dxdλ)2+(dydλ)2√2E−2gydλ=dt
Tendo em conta que o arco de curva assume a forma
ds=√(dxdλ)2+(dydλ)2dλ
a equação anterior escreve-se numa forma mais simples como
ds√2E−2gy=dt
Esta expressão permite-nos averiguar o movimento de uma partícula que se move ao longo de uma linha recta partindo de um dado ponto com uma velocidade tangencial de módulo v. Suponhamos que a equação dessa linha é da forma
{x=αλy=h−βλ
Segue-se que ds=√α2+β2dλ ficando a equação do movimento na forma
dλ√v2+2gβλ=dt√α2+β2
Integrando o primeiro membro da equação entre 0 e λ e o segundo entre 0 e t, obtemos
√v2+2gβλgβ−vgβ=t√α2+β2
Resolvendo em ordem a λ fica finalmente
λ=12gβα2+β2t2+v√α2+β2t
Em coordenadas temos
{x=12gαβα2+β2t2+αv√α2+β2ty=h−βv√α2+β2t−12gβ2α2+β2t2
Claro que, fazendo α=0, forçamos a partícula a assumir a trajectória vertical que corresponde à trajectória da partícula livre que é atirada com uma velocidade vertical v da altura h. Neste caso, a equação reduz-se a
{x=0y=h−vt−12gt2
como seria de esperar.
Suponhamos agora que estamos na presença de dois pontos, A e B com coordenadas (x1,y1) e (x2,y2) respectivamente e pretendemos determinar a forma da trajectória que torna o tempo de deslocamento entre ambos o menor possível. Este é conhecido como o problema da braquistócrona. Seja a trajectória procurada definida pelas equação y=y(x). A integração da expressão relativa à conservação da energia dá-nos
∫x2x1√1+(dydx)2√2E−2gydx=t
ddx∂L∂p−∂L∂y=0
onde p=dydx e
L(p,y)=√1+p2√2E−2gy
Se multiplicarmos a equação diferencial por p e aplicarmos a regra da derivada do produto, podemos escrevê-la como
ddx(p∂L∂p)−dpdx∂L∂p−p∂L∂y=0
A regra da derivação da função composta proporciona-nos a expressão
dLdx=∂L∂pdpdx+∂L∂yp
a qual, substituída na equação anterior, transforma-a na seguinte
ddx(p∂L∂p−L)=0
que admite o integral imediato
p∂L∂p−L=H
sendo H uma constante. Substituindo a função L e resolvendo, facilmente vemos que vale a expressão
(E−gy)(1+p2)=12H2
Trata-se de uma equação diferencial separável de primeira ordem. Se fizermos
w=y−Eg transformamo-la em
(−gw)(1+q2)=12H2
onde
q=dwdx. Procedendo da forma habitual no csao deste tipo de equações, escrevemos
dx=√−gwK+gwdw
onde K=12H2. Resta-nos, pois, integrar as expressões em cada um dos membros, isto é,
x=∫√−gwK+gwdw
Fazemos a substituição
φ2=−gwK+gw
ou, equivalentemente,
w=−Kφ21+φ2
Esta transformação permite reduzir o integral de uma função algébrica ao integral da função racional
x=−K∫2φ2(1+φ2)2dφ
Se fizermos u=φ, dvdw=2φ(1+φ2)2 e aplicarmos a fórmula de integração por partes ∫udvdwdw=uv−∫dudwvdw obtemos
x=Kφφ2+1−K∫dφ1+φ2
A substituição típica φ=tanθ2 permite-nos escrever finalmente
x=K2(sinθ−θ+A)
sendo A a constante de integração. Se fizermos θ=0 quando x=0, temos A=0, φ=0, w=0 e, consequentemente, y=Eg. Neste caso, θ1 será o ângulo que, substituído na expressão para x, proporciona x1. Convém notar que as várias transformações que aplicámos nos permitem escrever y como função de θ. Temos, portanto, as equações paramétricas
{x=−K2(sinθ−θ)y=Eg−K2(1−cosθ)
O sistema de equações
{x2=−K2(sinθ2−θ2)y2=Eg−K2(1−cosθ2)
permite determinar o valor de K e θ2 de modo que a curva procurada contenha os pontos enunciados no problema. Resta mencionar que a curva procurada recebe o nome de ciclóide. É interessante notar que a introdução da velocidade tangencial inicial v não nos conduz a um problema mais geral. De facto, Se a partícula partir do ponto A com velocidade tangencial v e chega ao ponto B no menor tempo possível ao longo de uma ciclóide então se esta for largada sem velocidade inicial do ponto C que fica no prolongamento dessa ciclóide e que tenha uma altura tal que a sua velocidade em A seja v, reduzimos o problema com velocidade tangencial a um em que esta velocidade é nula.