Numa mensagem anterior, apresentei uma possível dedução das leis de Snell-Descartes a partir do princípio de Fermat dos tempos mínimos. Aí, apenas foram considerados dois meios onde a velocidade da luz é diferente separados por uma superfície.
Imaginemos, agora, que ao invés de estarmos na presença de um meio com dois índices de refracção diferentes, deparamo-nos com um meio cujo índice de refracção depende da posição, isto é, n(x,y). Considerando dois pontos A e B nesse meio, pretendemos determinar a forma da trajectória do raio de luz que parte de A e chega a B.
Suponhamos que essa trajectória é parametrizada por t, partindo de A em t0 e chegando a B em t1. As coordenadas da posição do raio de luz são dadas por x(t) e y(t). Ora, por um lado, v=c/n e, por outro, \nu=ds/dτ, onde (\nu\) é a velocidade de propagação, s é o comprimento do arco da curva e \tau representa o tempo. Daqui vem que
\tau=\frac{1}{c}\int_{t_0}^{t_1}n\left(x,y \right )ds=\frac{1}{c}\int_{t_0}^{t_1}n\left(x,y \right )\sqrt{\left(\frac{dx}{dt} \right )^2+\left(\frac{dy}{dt} \right )^2}dt
Pretendemos, então, determinar a trajectória que torna mínimo (de facto, um extremo) o integral
I\left[x(t),y(t) \right ]=\int_{t_0}^{t_1}L\left(x(t),y(t),\frac{dx}{dt},\frac{dy}{dt}\right)dt
Para determinar o mínimo do integral, perturbamos ligeiramente a trajectória, de modo a que esta continue a ter os pontos A e B como extremos. Consideramos a trajectória perturbada dada pelas coordenadas x(t)+\delta x(t) e y(t)+\delta y(t), onde \delta x\left(t_0\right)=\delta x\left(t_1\right)=\delta y\left(t_0\right)=\delta y\left(t_1\right)=0. O integral perturbado fica
\begin{array}{l}I\left[x(t)+\delta_x(t),y(t)+\delta_y(t) \right ]=\\ =\int_{t_0}^{t_1}L\left(x(t)+\delta_x(t),y(t)+\delta_y(t),\frac{dx}{dt}+\frac{d\delta_x}{dt},\frac{dy}{dt}+\frac{d\delta_y}{dt}\right)dt\end{array}
Aplicamos a expansão em série de Taylor ao integrando, fazendo \dot{f}=df/dt,
L\left(x+\delta_x,y+\delta_y,\dot{x}+\dot{\delta_x},\dot{y}+\dot{\delta_y} \right )=L\left(x,y,\dot{x},\dot{y} \right )+\frac{\partial L}{\partial x}\delta_x+\frac{\partial L}{\partial y}\delta_y+\frac{\partial L}{\partial \dot{x}}\dot{\delta_x}+\\+\frac{\partial L}{\partial \dot{y}}\dot{\delta_y}
Substituímos no integral para obtermos a respectiva variação
\begin{array}{l}I\left[x(t)+\delta_x(t),y(t)+\delta_y(t) \right ]-I\left[x(t),y(t)\right]=\\ =\int_{t_0}^{t_1}\left(\frac{\partial L}{\partial x}\delta_x+\frac{\partial L}{\partial y}\delta_y+\frac{\partial L}{\partial \dot{x}}\dot{\delta_x}+\frac{\partial L}{\partial \dot{y}}\dot{\delta_y} \right )\end{array}
Aplicamos o método de integração por partes aos integrais que envolvem a derivada da variação (tendo em conta que a função de variação se anula nos extremos). Por exemplo,
\int_{t_o}^{t_1}\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\dot{\delta_x}dt=\left.\frac{\partial L}{\partial\dot{x}} \delta_x\right|_{t_0}^{t_1}-\int_{t_0}^{t_1}\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\right)\delta_xdt
Mas como \delta_x\left(t_0\right)=\delta_x\left(t_1\right)=0, temos
\int_{t_o}^{t_1}\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\dot{\delta_x}dt=-\int_{t_0}^{t_1}\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\right)\delta_xdt
Então, a variação que procuramos é dada por
\delta I=\int_{t_0}^{t_1}\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial x}-\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}} \right )\right\rbrack\delta_x dt + \int_{t_0}^{t_1}\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial y}-\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{y}} \right )\right\rbrack\delta_y dt
Como procuramos uma trajectória que seja um extremo, uma pequena perturbação a esta trajectória não vai originar uma alteração sensível do integral. Então, procuramos a trajectória para a qual temos \delta I=0. Como as funções \delta_x e \delta_y são arbitrárias, a variação do integral é nula se se verificar o sistema de equações
\left\lbrace\begin{matrix} \frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}} \right )-\frac{\partial L}{\partial x}=0\\ \frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{y}} \right )-\frac{\partial L}{\partial y}=0 \end{matrix}\right.
Estas, são conhecidas como as equações de Euler-Lagrange.